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Supranacionalidade, Intergovernamentabilidade e o Direito

3. Integração Internacional e Blocos Regionais

3.2. Supranacionalidade, Intergovernamentabilidade e o Direito

Enfocando mais diretamente o objeto de nosso estudo, podemos inferir que o enquadramento do Mercosul como uma união aduaneira imperfeita, ou incompleta, ainda que esclareça alguns aspectos relacionados à categoria de privilégios vigentes entre seus membros, não comporta suas especificidades. Outra abordagem possível é apresentada por

41 PERIN JÚNIOR, ÉCIO. A Globalização e o Direito do Consumidor: Aspectos relevantes sobre a

harmonização legislativa dentro dos mercados regionais. Barueri: Manole, 2003, p. 61.

42DEL’OLMO, Florisbal de Souza, MACHADO, Diego Pereira. Direito da Integração, Direito Comunitário,

Del’Olmo e Machado43 a partir de dois diferentes modelos de integração, sendo um deles

pautado pela supranacionalidade e o outro, pelo que denominam intergovernamentabilidade, destacando os leading cases da União Europeia e do Mercosul.

Trata-se de uma perspectiva diferente, ancorada no fato de a análise dos blocos regionais mostrar que, a depender da sua formação, distinguem-se não só em relação ao estágio de integração visado – se zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e monetária ou união política – mas, primordialmente, quanto ao nível de comprometimento projetado para os participantes pelos seus mecanismos de constituição.

De acordo com a parcela de soberania de que os Estados se comprometeram a abrir mão na formação do bloco, muitos outros aspectos são definidos. A forma interna de organização, o sistema de tomada de decisões escolhido e a obrigatoriedade das normas originadas de suas instituições têm relação direta com a autonomia preservada pelos membros, que pode ser considerada como um elemento inversamente proporcional à integração atingida.

A supranacionalidade diz respeito a um alto nível de comprometimento dos países participantes em prol do empoderamento das instituições por eles compartilhadas dentro do bloco. Esse modelo, presente na União Europeia, é marcado pela criação de órgãos com poder de decisão, aos quais é delegada parte do exercício da soberania dos Estados. Del’Olmo e Machado44 destacam exatamente essa peculiaridade:

O seu diferencial seria justamente o compartilhamento da soberania, em que os estados delegam parcelas de suas competências estatais internas para serem exercidas por instituições supranacionais, que são aptas a conduzir os interesses do bloco.

Saliente-se, nesse ponto, o fato de que esse movimento centrípeto de migração de forças não significa que os membros da comunidade tenham abdicado totalmente de sua soberania, mas que esta se encontra limitada pelos ditames da supranacionalidade.

Tem-se um tipo diferenciado de ordem jurídica, em que as normas emanadas das instituições supranacionais são consideradas hierarquicamente superiores à legislação interna dos Estados membros. O resultado disso é que já surgem dotadas de poder coercitivo.

43

Ibidem, p. 27.

44DEL’OLMO, Florisbal de Souza, MACHADO, Diego Pereira. Direito da Integração, Direito Comunitário,

Origina-se, desse modo, o Direito Comunitário, o qual, segundo Perin Júnior45 “nasceu na Comunidade Econômica Europeia por ocasião da entrada em vigor do Tratado de Roma e é, sem sombra de dúvida, um dos orgulhos da construção europeia”.

Trata-se de uma disciplina autônoma em relação ao Direito Internacional Público, sendo definida por Vignali46 como:

(...) o conjunto de normas jurídicas e princípios que as hierarquizam e coordenam coerentemente, que regulam as relações entre Estados soberanos e Organizações Internacionais que participam em um processo de integração amplo e profundo, quando atuam nos limites de uma comunidade internacional inserida em uma sociedade maior, com o propósito de cooperar com os Estados-membros, sob a coordenação da Organização que os agrupa, para obter maior segurança e bem-estar e fortalecer suas posições ao atuar em conjunto frente aos demais Estados.

Em uma comunidade, portanto, embora os objetivos perseguidos em muito se assemelhem aos de qualquer iniciativa integradora, há uma vantagem comparativa que se refere à consolidação do espírito de convergência. Firma-se um espaço de soberania comum, fortalecido pela competitividade do conjunto em contraposição aos desafios mundiais.

No que se refere ao arcabouço jurídico, o método de solução de controvérsias baseia-se em um sistema jurisdicional unificado e bem definido, com aplicabilidade direta e que, por isso, é composto por normas que dispensam formalidades de aceitação pelos Estados- membros. Além disso, um Tribunal de Justiça próprio e permanente está apto a atuar na hipótese de não ser observada tal hierarquia. Importante salientar que a relação entre as normas jurídicas nacionais e as comunitárias é de que, em caso de conflito, haverá a prevalência destas sobre aquelas, e não oposição ou derrogação.

A experiência bem sucedida representada pela União Europeia estimulou que outros blocos considerassem soluções semelhantes, cogitando adotar o Direito Comunitário, ao menos formalmente, em seu esquema de integração, como a Comunidade Andina de Nações (CAN).

45 PERIN JÚNIOR, ÉCIO. A Globalização e o Direito do Consumidor: Aspectos relevantes sobre a

harmonização legislativa dentro dos mercados regionais. Barueri: Manole, 2003, p. 99.

46 VIGNALI, 1997, p. 102-103 apud PERIN JÚNIOR, ÉCIO. A Globalização e o Direito do Consumidor:

Aspectos relevantes sobre a harmonização legislativa dentro dos mercados regionais. Barueri: Manole, 2003, p. 33.

Já na hipótese de os Estados-membros optarem por manter uma parcela maior de autonomia, como no Mercosul, haverá, em contrapartida, uma situação de menor integração no bloco regional. Essa é justamente a conjuntura em que se insere a intergovernamentabilidade, assim chamada por trazer um modelo de governança baseado em acordos de vontade.

Nesse caso, não há migração da soberania, nem a formação de instituições supranacionais. Consequentemente, as decisões são tomadas usualmente a partir do consenso de todos os membros, o que é visto como um entrave para a verdadeira efetividade no desempenho dos blocos intergovernamentais.

É o campo de atuação do Direito de Integração, a respeito do qual Silva47 observa que, sendo “desdobramento do Direito Internacional clássico, decorre dos tratados internacionais entre Estados soberanos, criando, por conseguinte, zonas econômicas privilegiadas em que o nível de integração de cada uma varia”. A partir dessa consideração, pode-se perceber que se trata de um ramo do Direito de aplicação mais generalizada por referir-se às condições da quase totalidade das associações de cunho integracionista.

Ao contrário das normas do Direito Comunitário, as fontes aqui consideradas precisam de consentimento pelos participantes do bloco para que possam ser aplicadas, passando pelas mesmas fases que os tratados internacionais em geral enfrentam para serem recepcionados pelo ordenamento interno dos países. Logo, as normas originadas do Mercosul, como um tratado em seu âmbito concebido ou um decisão do Conselho do Mercado Comum, para adentrarem a ordem jurídica brasileira, passam por negociações preliminares e assinatura, referendo do Congresso Nacional, ratificação pelo Chefe de Estado, e por fim, promulgação e publicação.

Cumpre salientar que esse é o sistema clássico de recepção de normas oriundas de tratados internacionais aplicado no Brasil, não sendo uniformes entre os demais Estados- membros do bloco mercosulino. Assim, a falta de harmonização é outra característica do Mercosul, comumente apontada como obstáculo a ser superado para que usufrua os benefícios advindos da autêntica integração.

Os métodos empregados pelo bloco são, como visto, mais burocráticos e demorados, já que as instituições integracionistas não são soberanas e suas decisões não são dotadas de caráter impositivo. Sofrem, portanto, de um déficit de aplicabilidade, além de se sujeitarem à vontade política e aos processos particulares de recepção de normas

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internacionais empregados por cada um dos países participantes. Ademais disso, seu sistema normativo não produz efeito direto, tendo em vista que não cria obrigações por si só.

Faz-se mister, nesse ponto de nosso estudo, que examinemos mais detalhadamente o processo histórico de decisões que levou à formação e à atual estrutura que ostenta o Mercosul e, tendo em vista servir como paradigma e exemplo, fazer o mesmo em relação à União Europeia. A compreensão da estrutura normativa em que cada um deles se apoia é imprescindível para a análise dos instrumentos de proteção ao consumidor presentes em cada um deles, mormente no bloco mercosulino.