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A proteção do consumidor brasileiro em relações consumeristas no âmbito do MERCOSUL

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO

ALINE DE MOURA TELES

A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BRASILERO EM RELAÇÕES CONSUMERISTAS INTERNACIONAIS NO ÂMBITO DO MERCOSUL

FORTALEZA

(2)

ALINE DE MOURA TELES

A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BRASILERO EM RELAÇÕES CONSUMERISTAS INTERNACIONAIS NO ÂMBITO DO MERCOSUL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Direito Internacional Privado e Direito do Consumidor.

Orientadora: Profª. Drª Tarin Cristino Frota Mont’Alverne.

FORTALEZA

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

T269p Teles, Aline de Moura.

A proteção do consumidor brasileiro em relações consumeristas internacionais no âmbito do MERCOSUL / Aline de Moura Teles. – 2015.

64 f. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Área de Concentração: Direito Internacional de Direito do Consumidor.

Orientação: Profa. Dra. Tarin Cristino Frota Mont’Alverne.

1. Defesa do consumidor. 2. Direito internacional público. 3. MERCOSUL. 4. Blocos econômicos.

I. Mont’Alverne, Tarin Cristino Frota (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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ALINE DE MOURA TELES

A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR BRASILERO EM RELAÇÕES CONSUMERISTAS INTERNACIONAIS NO ÂMBITO DO MERCOSUL

Monografia submetida à banca examinadora do Curso de graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Direito Internacional Privado e Direito do Consumidor.

Aprovada em: ____/____/______.

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________ Profª. Drª. Tarin Cristino Frota Mont’Alverne (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________ Mestrando José Evandro Alencar Correia

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________ Mestrando Thales José Pitombeira Eduardo

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A Deus e à minha família

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AGRADECIMENTOS

Sobretudo a Deus, causa primeira de todas as coisas, por me permitir ser e me animar com seu sopro divino.

Aos meus pais, pelos princípios com que me educaram e pelo amor com que me criaram.

Ao meu esposo Márcio Fábio, pelo amor e por dividir comigo as batalhas e alegrias do caminhar.

Ao meu irmão, pela partilha de valores e de vida.

Aos colegas da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, por compartilharem esses anos de crescimento e, principalmente, às grandes amigas Andina Aparecida Magalhães Gomes, Maria de Jesus Moura e Rebecca Lustosa Lira, certamente o maior legado trazido pela FD.

Às queridas Nathália Barreto de Queiroz e Maria Daniele Silva do Nascimento, pela amizade e pelo apoio incontestes.

Aos professores e servidores da Faculdade de Direito da UFC, pelos conhecimentos e experiências partilhados.

Aos mestrandos José Evandro Alencar Correia e Thales José Pitombeira Eduardo, que prontamente aceitaram participar da Banca Examinadora e contribuir para o enriquecimento desse trabalho.

À professora Tarin Cristino Frota Mont’Alverne, que não só possibilitou o nascer desse projeto, como orientou sua elaboração, com solicitude, amabilidade e notável saber.

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RESUMO

Assim como as relações privadas em geral, aquelas de natureza consumerista também têm se tornado internacionais. Este trabalho, desenvolvido pelo viés da pesquisa qualitativa biográfica, utiliza-se de doutrina e legislação com o objetivo de estudar como se dá a proteção do consumidor brasileiro ao adquirir produto ou serviço ofertado por fornecedor domiciliado em um outro país no Mercosul. Para se chegar a isso, parte-se de um breve panorama do Direito do Consumidor, abordando a influência de aspectos do processo contemporâneo de globalização. É então enfocado o contexto internacional que possibilitou a criação dos blocos regionais e as condições que favoreceram as formas adotadas pelos processos regionais de integração em curso, com destaque para a experiência positiva da União Europeia e o modelo desenvolvido no Mercosul. A seguir, faz-se um retrospecto da evolução dos mecanismos existentes para a defesa do consumidor no âmbito do Mercosul. Por fim, apresentam-se suas perspectivas de melhoria dentro do bloco e outras possibilidades de solução em relações litigiosas transfronteiriças.

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ABSTRACT

Just like the private relations in general, so has the consumer ones become international. This academic paper, developed through biographic quality research, applies the legal doctrine as well as the law to analyze how is the protection at disposal to the Brazilian consumer when he purchases a product or service from a supplier located in another country within Mercosul. In order to achieve that, this study starts from a brief historical evolution of Consumer Law, with focus on the the influence of some aspects of the contemporary process of globalization. I sequence, the study hightlights international context which allowed the creation of the most important organizations of trade negotiation and the conditions that motivated the main models through whch the regional integration processes have occurred, notedly the positive experience developed in European Union an the model applied in Mercosul. After that, it's shown a review of the mechanisms provided in Southern Cone Common Market (Mercosul) in order to ensure consumer defense. At last, some perspectives of improvement are displayed, along with other possibilities to contentious relations beyond boundaries.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 9

2. TUTELA DO CONSUMIDOR NO DIREITO INTERNACIONAL ... 12

2.1. PRIMÓRDIOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR ... 12

2.2. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E A INTERNACIONALIZAÇÃO DO DIREITO 17 2.3. CONSOLIDAÇÃO DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR NO ÂMBITO INTERNACIONAL ... 20

2.4. CONSUMO INTERNACIONAL E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR... 22

3. Integração Internacional e Blocos Regionais ... 27

3.1. Rumo à integração internacional ... 28

3.2. Supranacionalidade, Intergovernamentabilidade e o Direito ... 33

3.3. O Mercosul e a Integração na América Latina ... 37

3.4. Panorama histórico-estrutural da União Europeia ... 40

4. Blocos regionais e o Direito do Consumidor ... 44

4.1. A proteção do consumidor na União Europeia ... 46

4.2. A proteção do consumidor no Mercosul ... 50

4.3. Outras perspectivas para a proteção do consumidor internacional ... 56

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 59

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1. INTRODUÇÃO

Ficou no passado a época em que a realização de transações internacionais era privilégio de comerciantes e Estados, estando os consumidores circunscritos à realização de negócios apenas dentro das fronteiras do país em que residiam. A abertura dos mercados e o avanço tecnológico exponencial dos transportes e das comunicações concorreram fortemente para a sua inserção nesse mercado mundial globalizado.

As transações de natureza consumerista têm tido presença marcante no cenário internacional, tanto em operações realizadas quanto em volumes negociados. Nesse contexto, não mais se pode dizer que a proteção do consumidor seja matéria exclusivamente de direito interno. Tem havido um número cada vez maior de casos que envolvem concomitantemente o Direito Internacional Privado e o Direito do Consumidor.

A queda do muro de Berlim não só representa um marco do fim da guerra fria, como foi um catalisador para a nova ordem econômica, marcada pela ascendência das grandes empresas multinacionais e transnacionais. Ampliando seus mercados de atuação e ditando o diálogo com os Estados, essas gigantes passaram a assumir posição de destaque no processo de globalização.

A contemporaneidade caracteriza-se não só pela alteração da lógica do espaço-tempo (com a instantaneidade da troca de informações e a rapidez do fluxo de pessoas, bens e capitais), mas também por profundas mudanças estruturais (políticas, sociais, culturais). A essas mudanças pode-se atribuir também a instabilidade experimentada pelos Estados soberanos, o que concorreu para que buscassem se unir.

A integração foi ainda intensificada pelo processo de evolução tecnológica e globalização dos mercados. Os países passaram a estreitar relações e formar blocos regionais e econômicos com o objetivo de se fortalecer no dinâmico e instável mercado global, por meio de tratados e convenções. O regionalismo mostrou-se como alternativa para garantir maior competitividade e vantagens comerciais entre os participantes, embora não tenha se restringido a aspectos econômicos.

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Uma das consequências da formação desses blocos foi o aumento do fluxo de pessoas e produtos através das fronteiras nacionais, principalmente entre os países-membros. Desse modo, contribuiu para a multiplicação das relações consumeristas internacionais, e os litígios delas advindos trouxeram questões a serem solucionadas.

Percebeu-se, a partir daí, a existência de uma lacuna e a premência do estabelecimento de mecanismos judiciais que garantissem a tutela das partes envolvidas, notadamente do consumidor, como sujeito contra o qual pende o desequilíbrio nesse tipo de transação. Essa condição se agrava pela maior vulnerabilidade do consumidor ao adquirir bens cujos fornecedores estejam domiciliados em país diverso do seu.

O ordenamento interno dos países, muitas vezes, não abrange aspectos específicos dessa espécie de negócio, ou traz a efetividade necessária. Impende, portanto, analisar como se deu o tratamento consumerista no âmbito dos blocos regionais, como espaços privilegiados na atualidade para a solução de questões comuns aos seus participantes.

A formação desses blocos, no entanto, não ocorreu de forma homogênea. Há diferentes estágios de integração, de acordo com os objetivos pretendidos e o nível de comprometimento dos participantes, além da disponibilidade – ou não – de renunciar a parte da soberania em prol do empoderamento do bloco. Esses aspectos refletem diretamente na maior ou menor complexidade de sua estrutura institucional e de seu sistema normativo.

Nesse sentido, há blocos cuja proposta tende para a supranacionalidade, ou seja, são criadas instituições supranacionais, cuja atuação obriga os participantes e cujas decisões tem caráter impositivo. Há aqui menor autonomia dos países, individualmente, e maior poder do bloco, como conjunto. Por outro lado, há blocos cujos membros desejam manter maior autonomia, o que é inversamente proporcional à integração atingida.

Justifica-se o presente trabalho pelo fato de constituir o Mercosul o mais importante mecanismo de integração regional existente na América do Sul, tendo ainda o Brasil papel de liderança dentro do bloco.

A proposta é abordar as regras do direito do consumidor aplicáveis ao Mercosul. Uma vez que fazem parte do bloco países com legislações distintas – tanto processualmente quanto ao nível de tutela que oferecem – levanta-se a questão de se saber quais as regras matrizes de proteção aos consumidores no comércio exterior envolvendo cidadãos dos países membros do bloco.

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fenômeno dos blocos regionais para, só então, abordar a materialização da proteção do consumidor dentro de um bloco específico.

A princípio, faz-se um breve retrospecto da consolidação da tutela do consumidor e sua positivação, relacionando-a ao atual estágio do processo de globalização. Em seguida, é analisado o contexto internacional que originou o processo de integração entre os diversos Estados e os modelos pelos quais isso se deu, mormente em relação à União Europeia (UE) – considerada como paradigma para os demais blocos – e o Mercosul. Importante ressaltar que não há o objetivo de realizar um trabalho de Direito Comparado. Na verdade, o interesse da abordagem acerca da EU nesse estudo se origina no fato de ser vista e apontada por muitos autores como principal modelo de integração em que se baseou o Mercosul.

Por fim, faz-se um retrospecto dos mecanismos existentes para a defesa do consumidor no âmbito da UE e do Mercosul. A partir daí, são apresentadas as perspectivas de melhoria dentro do bloco mercosulino e outras possibilidades de solução em litígios envolvendo relações consumeristas internacionais.

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2. TUTELA DO CONSUMIDOR NO DIREITO INTERNACIONAL

As relações de consumo passaram por grandes mudanças ao longo da história, tornando-se mais complexas e pormenorizadas. À medida que a estrutura da relação mudou e novos aspectos passaram a demandar atenção, houve também a alteração no tratamento dado ao tema pela legislação. O Direito, tendo o papel de tutelar as relações sociais e os conflitos delas advindos, especificou-se, buscando abarcar essa nova realidade social.

Inicialmente, portanto, cumpre analisarmos como se deu a evolução das relações de consumo e da legislação que busca garantir sua regulamentação. Nas últimas décadas, o consumo internacional consolidou-se ao redor do mundo, tendo para isso contribuído a liberalização dos mercados, o desenvolvimento dos transportes e a constituição de blocos econômicos.

A análise dos mecanismos judiciais disponíveis para o consumidor internacional passa pela interseção de dois ramos do direito: o Direito do Consumidor e o Direito Internacional, cuja relação mútua trataremos também de estudar a partir de agora. Se, de um lado, o crescimento da quantidade e do volume de transações internacionais de natureza consumerista trouxe à tona aspectos que vulnerabilizam de forma diferenciada esse consumidor; de outro, é possível observar um fenômeno de internacionalização das mais diversas questões dentro do direito.

2.1. PRIMÓRDIOS DA DEFESA DO CONSUMIDOR

Vários autores relatam manifestações incipientes da preocupação dos legisladores com o consumidor ainda mesmo em civilizações antigas. Podem ser apontados indícios na Mesopotâmia, Índia, Grécia e Roma1, onde alguns códigos já determinavam condutas voltadas ao ressarcimento de danos, multa e até punições físicas aos vendedores ou profissionais em geral que prejudicassem quem adquirisse seus produtos ou serviços.

Ainda que possam ser tachadas de desproporcionais e relacionem-se, em muitos casos, também à origem da responsabilidade civil, tais determinações já traziam o gérmen de resguardar os interesses de quem adquiria bens ou serviços, embora não houvesse, à época, uma conceituação do que seria uma relação de consumo.

1 Veja obras de Écio Perin Júnior, A globalização e o direito do consumidor, p. 6 e José Geraldo Brito Filomeno,

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Durante a Idade Média, as corporações de ofício concentravam uma função reguladora, sendo o trabalho dos artesãos regido pelas normas internas da corporação a que estava ligado. Embora não chegasse a compor um sistema normativo propriamente dito, tais regras de conduta, aliadas ao sistema repressivo da Igreja Católica, forneciam certa proteção aos consumidores.

Cavalieri Filho2, por sua vez, enfatiza a importância do estudo da Revolução Industrial para que se compreenda o surgimento e a consolidação do Direito do Consumidor. Com a mudança no modo de produção, que deixou de ser artesanal e passou a adotar um padrão massificado, houve incalculável aumento da capacidade produtiva humana.

E muitas outras mudanças estruturais advieram desse novo modo de produção. Uma das mais importantes seria o fato de os fabricantes não mais preservarem o controle sobre toda a confecção dos produtos, passando a se concentrar em uma das etapas do processo ou a ser detentores dos meios de produção, constituindo uma nova classe econômica.

Essa separação entre quem comerciava, quem detinha os meios de produção e quem efetivamente produzia os bens trouxe mudanças profundas também para as relações de consumo, por inserir um novo mecanismo de distribuição. Assim, esse período foi marcado por relações consumeristas mais complexas, com a introdução de novos atores e a sofisticação dos métodos de venda e distribuição, além do uso rudimentar de publicidade para atingir o mercado.

Antes do padrão massificado de produção, o comprador fazia a negociação diretamente com o artesão e, na eventualidade de algum problema, a solução poderia ser encontrada de forma mais simples. A partir da diferenciação entre fabricantes e vendedores, no entanto, produtor e consumidor passaram a não mais se conhecer, o que, nos dizeres de Bitencourt3, “tornou indireta e impessoal a relação de consumo”. Nessas situações, o fato de que o consumidor não mais tinha a possibilidade de interpelar diretamente o fabricante tornou-se um complicador, dificultando a resolução de problemas relacionados a vícios.

A produção em massa pode ainda ser apontada como fator preponderante para que os defeitos se tornassem mais comuns do que na produção artesanal, causando danos mais graves e recorrentes. Afinal, como bem demonstra Cavalieri Filho4, “na produção em série, um único defeito de concepção ou de fabricação pode gerar riscos e danos efetivos para um

2 CAVALIERI FILHO, Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 2-3.

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BITENCOURT, José Ozório de Souza. O princípio da vulnerabilidade: fundamento da proteção jurídica do consumidor. In: Revista da Emerj, v. 7, n. 25, 2004, p. 249

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número indeterminado de consumidores. São os riscos do consumo, riscos em série, riscos coletivos.”

A inexistência de uma disciplina jurídica que regulasse a matéria só contribuiu para que atitudes abusivas fossem largamente praticadas naquela época, sem a intervenção de qualquer controle jurídico ou estatal, de modo que apenas se fortaleceu o desequilíbrio na relação entre fornecedor e consumidor. A igualdade e liberdade de contratar que se pressupunha haver no momento em que as partes contraíam obrigações mútuas não retratava a realidade.

Cumpre ressaltar que tal período histórico era marcado pela predominância da ideologia do liberalismo, cujo conceito de Estado caracterizava-se pela ausência quase completa de ingerência na esfera privada, notadamente no final do século XIX e início do século XX. O modelo de Estado Liberal possibilitou não só o domínio do dogma da liberdade contratual, como que se consolidasse a Revolução Industrial, servindo o arcabouço jurídico existente para a proteção da vontade expressa e manifesta nos contratos. Foi a era em que ganharam relevância os princípios liberais do contrato à luz do liberalismo, quais sejam, a autonomia privada, a obrigação gerada pelas vontades livres em acordo e a eficácia relativa apenas às partes contratantes.

Na fala de Azevedo5, percebe-se a inserção da ideia de disparidade, que viria a destituir a crença na liberdade contratual e passaria a ser compreendida como característica das relações consumeristas:

A origem do direito do consumidor está associada, assim, à necessidade de se corrigir os desequilíbrios existentes na sociedade de produção e consumo massificados. Com efeito, o sistema de produção em série está baseado no planejamento dessa produção pelos fornecedores, o que torna esses sujeitos mais fortes do que os consumidores, pois, além do poder econômico, detém ainda os dados (as informações) a respeito dos bens que produzem e comercializam.

A desigualdade se tornou patente com a eclosão de um número cada vez maior de conflitos oriundos de relações de consumo, inclusive com ações pleiteando indenização por danos ocasionados por vícios nos produtos e/ou serviços contratados. Essa realidade evidenciou a vulnerabilidade em questão e trouxe novas necessidades de regulamentação,

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pois, embora o direito tradicional já abordasse a proteção dos contratos, com a maior complexidade da produção e dos serviços, passaram a ser vislumbradas especificidades não contempladas até então. Na esteira dessas reivindicações, o Estado passou a ser alvo de pressão para intervir na economia e nas relações privadas, como melhor explica Bitencourt6:

Assim, à medida que a produção industrial e os serviços prestados tornaram-se mais sofisticados, o consumidor passou a necessitar de melhores informações, carecendo de educar-se mais a respeito do assunto. À luz dessa problemática, os governantes, embora situados no contexto do Estado liberal, passaram a sofrer pressão popular, no sentido da necessidade de intervenção na economia, sob o argumento da vulnerabilidade do consumidor. Diante do gigantismo dos fornecedores de produtos e serviços, traduzido pelo controle do processo produtivo e dos bens de produção, tornou-se mais que evidente a vulnerabilidade do consumidor.

Tal clima de tensão estimulou a criação das organizações voltadas para a defesa dos consumidores, nos Estados Unidos e na Europa, concomitantemente com a das entidades que buscavam melhores condições de trabalho para os comerciários, as quais relacionavam a melhoria do atendimento à das condições de trabalho. Importante salientar que, apesar de terem origem comum, “os movimentos trabalhista e consumerista acabaram por cindir-se, mais precisamente pela criação da denominada 'Consumer's League', em 1891, tendo evoluído posteriormente para o que hoje é a poderosa e temida 'Consumer's Union' dos Estados Unidos”7.

No continente europeu, o século XX viu surgirem grupos engajados na França, Inglaterra e Itália, os quais tinham também um papel de esclarecer os consumidores acerca da noção do valor do dinheiro e de seu uso mais consciente. Écio Perin Júnior8 cita a fundação da União Federal dos Consumidores (em 1951) e do Instituto Nacional do Consumo (em 1956), ambos na França, mas afirma que o movimento consumerista teria “criado corpo” na Europa com o surgimento da “Consumers Association” da Inglaterra, em 1957.

Logo já havia manifestações por todo o globo, conforme relata Bitencourt9: “o movimento evoluiu com tamanha velocidade que, ainda na primeira metade do século

6 BITENCOURT, José Ozório de Souza. O princípio da vulnerabilidade: fundamento da proteção jurídica do

consumidor. In: Revista da Emerj, v. 7, n. 25, 2004, p. 249.

7 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2005, p. 4.

8 PERIN JÚNIOR, ÉCIO. A Globalização e o Direito do Consumidor: Aspectos relevantes sobre a

harmonização legislativa dentro dos mercados regionais. Barueri: Manole, 2003, p. 11-12.

9BITENCOURT, José Ozório de Souza. O princípio da vulnerabilidade: fundamento da proteção jurídica do

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passado, já havia movimento de defesa do consumidor no Canadá, na Alemanha, Bélgica, Áustria, Austrália e Japão.”

E foi dessa forma que, na modernidade, a necessidade de proteção do consumidor ganhou caráter mais público e urgente, percebendo-se que, nesse campo, o preceito da autonomia da vontade não se sustentava isoladamente, visto tratar-se de uma relação em que não havia igualdade jurídica entre os contratantes.

Naquele momento, o ideário liberal de Estado mínimo e maximização da liberdade individual começava a se mostrar inadequado para a satisfação das necessidades da sociedade, que buscava a garantia de direitos sociais e coletivos. Tratava-se do período histórico em que o Estado Liberal entrou em declínio, havendo a transição para o Estado Social de Direito, ao qual também eram impostas obrigações que visavam a possibilitar o alcance da igualdade material entre os indivíduos.

Essa mudança é também retratada por Santos10, que aborda o novo posicionamento estatal:

Em decorrência da relativização do dogma da autonomia da vontade, o Estado deixou de ser mero expectador para converter-se em um ente dotado do dever de promover intervenções legítimas em determinadas relações privadas, com o claro objetivo de estabelecer um equilíbrio jurídico diante de um inquestionável desequilíbrio fático.

Tal fenômeno foi acompanhado pela exaltação da boa-fé objetiva e da função social do contrato, que passaram a atuar como balizadores em situações marcadas por posições de visível desigualdade entre os contratantes. Nestas situações, não se pode dizer que as partes tinham o mesmo grau de liberdade para estipularem o que lhes conviessem, por representarem interesses com diferentes níveis de poderio econômico e político.

Embora não tenha deixado de ser entendida como determinante para a segurança jurídica, a autonomia da vontade – até então, fundamento da liberdade contratual – passou a poder ser reavaliada sempre que resultasse em proveito injustificado para uma das partes11. Insere-se, nesse contexto, a advento da equivalência material dos contratos, que apregoa a manutenção do equilíbrio contratual, tanto no sentido de preservar a proporcionalidade inicial quanto aos direitos e obrigações, tanto no de corrigir aspectos supervenientes que venham a

10SANTOS, Sérgio Roberto Leal dos. Três momentos do Estado de Direito. In: Jus Navigandi. Teresina, ano

15, nº 2524, 30 mai 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14935>. Acesso em: 15 set 2014.

11 Para aprofundar o tema, ver o trabalho de Fábio Rodrigues Veiga, Criseda autonomia da vontade numa visão

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causar desequilíbrios. Tal princípio pode ser apontado como mais uma forma de se buscar a tão propalada equidade socioeconômica e jurídica.

Além disso, pode-se ainda apontar outra faceta da questão a se analisar. Isso porque, como faz questão de destacar Fernando Sérgio Tenório de Amorim12, a modernidade, ao tempo que traz a liberdade como fundamento do agir humano e, portanto, habilita-o a se constituir em sujeito de relações jurídicas, vincula tais relações ao legalmente determinado. A vontade é formatada dentro dos limites da lei, segundo os ditames da legalidade.

Portanto, não só a intervenção do Estado no domínio econômico e nas relações privadas consistiu num fator de limitação da atuação da vontade, a conformação às determinações legais também teve o condão de propiciar uma redução do espectro de ação dos contratantes. Nesse contexto, houve o surgimento de manifestações que pressionavam pela elaboração de normas protetivas para regular as relações de consumo.

2.2. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E A INTERNACIONALIZAÇÃO DO

DIREITO

Longe está o tempo em que as relações de consumo eram restritas ao território dos países, sem intervenção da internacionalidade, sendo a proteção do consumidor matéria exclusivamente de direito interno13. Como visto, as transações realizadas entre sujeitos localizados em países distintos tornaram-se um evento cotidiano, envolvendo grande movimentação de riquezas e pessoas.

No entanto, seria superficial ou precipitado afirmar que a orientação contemporânea do Direito Internacional em tratar da proteção do consumidor advém tão somente da necessidade de resguardar os direitos dos envolvidos em relações transfronteiriças dessa natureza. Fazer tal alegação seria simplificar demasiadamente um processo bem mais complexo, desprezando outras nuances.

Embora inegável a necessidade de se implementarem instrumentos e legislação voltadas à solução de conflitos entre consumidores e fornecedores domiciliados em países diferentes, tal tendência provém também do processo de “internacionalização do direito”. Na

12 AMORIM, Fernando Sérgio Tenório de. Autonomia da vontade nos contratos eletrônicos interacionais de

consumo. Curitiba: Juruá, 2008, p. 79-81

13 MARQUES, Cláudia Lima. A insuficiente proteção do consumidor nas normas de Direito Internacional

Privado – Da necessidade de uma convenção interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo. Revista dos Tribunais, v.788, p. 11-56, jun. 2001, p. 11.

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atual fase do processo de globalização, observam-se mudanças mais significativas nas esferas econômica e geopolítica que, indubitável e consideravelmente, repercutem no domínio do Direito.

A integração concorre para que questões antes consideradas como de interesse apenas local ou regional passem a ter relevância em uma esfera mais ampla, assumindo feições de problemática até mesmo mundial e ocupando papel de destaque em espaços de discussão transnacionais. O direito internacional, como “o conjunto de princípios e normas, sejam positivados ou costumeiros, que representam direitos e deveres aplicáveis no âmbito internacional (perante a sociedade internacional)14”, mostra-se a seara na qual se desenvolvem esforços para a solução de questões que ultrapassam as fronteiras nacionais, seja no ramo do direito público, seja privado.

Importante ressaltar que o próprio entendimento acerca da sociedade internacional passou por mudanças, tendo sua composição sofrido alterações a partir da dinâmica contemporânea das relações internacionais. Se a visão mais tradicional trazia em seu bojo apenas Estados, como entes dotados de soberania, a emergência de novos sujeitos e atores é hoje fato incontroverso, com a inserção de empresas, organizações e indivíduos no centro de decisões.

Essa evolução teve reflexos no Direito Internacional Público, cujo conceito também mudou. Isso é perceptível ao compararmos a forma como diferentes autores o conceituam. De um lado, tem-se a perspectiva mais conservadora, podendo ser representada por Alberto do Amaral Júnior15, que o retrata como o ramo do Direito “tradicionalmente entendido como o conjunto de regras escritas e não-escritas que regula o comportamento dos Estados”. Já Mazzuoli16, destacando a introdução de novos sujeitos, apresenta-o como “capaz

de regular as relações interestatais, bem como as relações envolvendo as organizações internacionais e também os indivíduos, ainda que a atuação destes últimos seja mais limitada no cenário internacional”.

Vejamos ainda a definição apresentada por Portela:

(...) ramo da Ciência Jurídica que visa a regular as relações internacionais com vistas a permitir a convivência entre os membros da sociedade internacional e a realizar

14

NEVES, Gustavo Bregalda. Direito internacional público e direito internacional privado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 3.

15

AMARAL JUNIOR, 2005 apud PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional Público e Privado. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 48.

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certos interesses e valores aos quais se confere importância em determinado momento histórico.

O consumo internacional e a proteção do consumidor nesse tipo de relação tornaram-se justamente interesses a extrapolar a esfera dos Estados e a fazer com que diferentes instituições nacionais e internacionais delas se ocupassem, por tornarem-se temas relevantes para distintos sujeitos. Quando uma empresa local passa a exportar seus produtos e alcançar consumidores domiciliados em outros continentes, por exemplo, a preocupação acerca das normas de qualidade aceitável para a comercialização desses bens de consumo passa a ser tema de relevância num âmbito bem maior. Podem ser impostas restrições para a comercialização baseadas no tipo de matéria-prima utilizada, organizações internacionais de proteção aos animais podem se insurgir contra o uso de peles, e isso só para elencar algumas das situações possíveis.

Além da inserção de novos sujeitos, portanto, houve uma ampliação das fontes do Direito Internacional. Débora Soares Guimarães17 aduz que as normas jurídicas passam a ser produto não só da atividade legislativa interna dos países, mas “se transformam em questões de política internacional mediante a celebração de inúmeros tratados e convenções”. Já Portela18 aponta o aparecimento de novas modalidades normativas, inclusive mais flexíveis, como o soft law. Trata-se da evolução experimentada pelo Direito Internacional nesse

processo de Internacionalização do Direito atualmente em marcha, que fez com que ele se mostrasse apto a constituir um dos principais espaços institucionais para a cooperação internacional na era da globalização.

A esse respeito, Varella19 também mostra como esse ramo do direito se torna mais complexo e se especializa, abarcando mais específica e profundamente problemas em diferentes ramos do direito. Esse processo histórico mais recente, entretanto, não se restringe ao Direito do Consumidor, mas a diferentes áreas, à medida que “as modalidades e a intensidade de relações jurídicas entre diferentes atores envolvidos se ampliam”, com a atenuação das fronteiras entre o nacional e o internacional.

17 GUIMARÃES, Deborah Soares. A Internacionalização dos Direitos Humanos: Análise da Proposta Liberal

Universalizante. Revista CEJ, Brasília, voll. 17, n. 59, p. 125-137, jan/abr. 2013, p. 126

18 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional Público e Privado. Salvador: JusPodivm, 2012,

p. 47.

19 VARELLA, Marcelo Dias. Internacionalização do Direito: direito internacional, globalização e complexidade.

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Assim, a proteção do consumidor está inserida em um contexto bem mais amplo, como esclarece em outro momento de sua análise20:

Temas antes regulados pelo direito doméstico ou que não eram objeto de tratamento jurídico passam a ser tutelados pelo direito internacional, pelos sistemas regionais de integração, por organizações internacionais ou mesmo pelo direito de outros países, a partir de normas com caráter extraterritorial. Trata-se de um novo cenário, marcado pela maior importância do internacional ou do estrangeiro em temas que antes eram tipicamente nacionais.

A globalização alterou sobremaneira o fluxo das relações internacionais. Por um lado, certos problemas passaram a ser partilhados por diferentes sujeitos no âmbito da comunidade internacional, o que oportunizou o surgimento de alternativas na busca por soluções. Por outro lado, as mudanças em curso fizeram com que muitos outros questionamentos emergissem, trazendo uma necessidade cada vez maior de cooperação. Na verdade, muito embora exista alguma disposição política nesse sentido, os mecanismos institucionais para a consecução desse objetivo permanecem frágeis.

2.3. CONSOLIDAÇÃO DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR NO ÂMBITO

INTERNACIONAL

Pode-se dizer que a proteção ao consumidor passou a figurar na circunscrição global com o Sherman Antitrust Act, de 1890, que, visando a criar um ambiente de defesa da competição, manifestava a preocupação de evitar que os monopólios ditassem regras no mercado, exercendo seu poder sobre os consumidores. No entanto, o que colocou o tema no centro das discussões internacionais foi a “Declaração dos Direitos Essenciais do Consumidor”, proferida pelo presidente Kennedy ao Congresso dos Estados Unidos, em 15 de março de 1962.

O mundo vivia o momento pós-Segunda Guerra, em que se testemunhavam o acirramento da competição e o emprego de métodos concorrenciais questionáveis, como a formação de trustes e oligopólios. Proliferavam-se os conflitos e as propagandas enganosas e nocivas, ao passo em que os consumidores convertiam-se em alvo da utilização massiva de

20 VARELLA, Marcelo Dias. Internacionalização do Direito: direito internacional, globalização e complexidade.

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meios de comunicação e de técnicas de marketing. Foi diante desse cenário que o presidente norte-americano sustentou a necessidade de que o congresso e a sociedade vissem os consumidores – categoria de que todos fariam parte, inclusive ele mesmo – como um importante grupo econômico, a ser considerado na tomada de decisões.

Esse pronunciamento lançou as bases para o movimento consumerista internacional, sendo de tal relevância que, em 1982, a ONU decidiu homenagear a ocasião, escolhendo esta data para comemorar o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor. Por meio do referido discurso, foram ainda elencados como básicos dos consumidores os direitos à segurança, à informação, à escolha e o de ser ouvido, que deveriam ser tutelados pelo Estado, o que fez com que fosse considerado um marco para o estabelecimento da noção de tutela estatal no âmbito da proteção ao consumidor.

Tais direitos foram reconhecidos como fundamentais e universais do consumidor, na 29º sessão da Comissão de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU), ocorrida em Genebra, em 1973. Nesse mesmo ano, a Assembleia Consultiva do Conselho da Europa formulou a Resolução n. 543, que traçou diretrizes para a prevenção e a reparação de danos causados aos consumidores por intermédio da “Carta de Proteção ao Consumidor”.

Esta carta, por sua vez, serviu de base para a Resolução do Conselho da Comunidade Europeia, elaborada em 1975, que dividiu os Direitos do Consumidor em cinco categorias fundamentais, enfatizando não só a proteção de sua saúde e segurança, mas também de seus interesses econômicos, o acesso à informação e à educação, além dos direitos à representação e à reparação de prejuízos.

Esse movimento de afirmação culminou com a edição da resolução n. 39/248, de 10 de abril de 1985, pela Assembleia Geral da ONU, sobre a proteção ao consumidor, que teve o papel primordial de positivar o princípio da vulnerabilidade no plano internacional. Esse princípio é de aplicação fundamental não só na esfera do direito do consumidor como, por exemplo, em matéria trabalhista, por se tratarem de campos em que há a necessidade de se perseguir o restabelecimento do equilíbrio de relações essencialmente desiguais.

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Levando em consideração, principalmente, as necessidades dos países em desenvolvimento, dentre seus objetivos destaca-se o de colaborar para a elaboração ou aperfeiçoamento de suas normas e legislações internas. Estas deveriam possibilitar o alcance ou manutenção de um nível adequado de proteção à população consumidora, inclusive pela cooperação internacional acerca da matéria.

Sua repercussão em praticamente todos os países interamericanos é notória e incontestável, pois as diretrizes serviram de base para modificações, adaptações ou criação de legislação específica de proteção ao consumidor, como bem demonstra Marques21:

Após a resolução 39/248, da Assembleia Geral da ONU, de 09.04.1985, e os esforços do PNUD22, promulgaram-se leis específicas sobre o tema no Brasil, em

Honduras, na Argentina, no Equador, no Chile, na Costa Rica, no México, no Paraguai, no Peru e no Uruguai, e incluíram a proteção do consumidor em suas Constituições o Brasil, a Argentina, o Peru e também El Salvador.

Não só o continente americano experimentou esse movimento de regulamentação das relações de consumo. Pode-se até dizer que a Europa estava bem à frente nesse sentido, tendo sido a Constituição espanhola a primeira a se ocupar do tema, ainda em 197823. Como grande parte da regulamentação europeia a respeito teve influência de tratados relativos ao processo de integração, deixaremos para abordar o assunto mais adiante nesse trabalho.

2.4. CONSUMO INTERNACIONAL E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

As últimas décadas têm testemunhado um desenvolvimento tecnológico em matéria de transportes e comunicação sem precedentes, notadamente com o advento da rede mundial de computadores, a internet. As fronteiras entre os Estados se tornaram cada vez mais fluidas e permeáveis, e o intercâmbio crescente de informações possibilitou não só

21 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e proteção do consumidor (um estudo dos

negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 323.

22 O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento é a rede de desenvolvimento global da Organização

das Nações Unidas que coordena atividades com o objetivo de melhorar os níveis de desenvolvimento humano, produzindo relatórios de acompanhamento e executando ações para a melhoria das condições de vida nos 166 países onde possui representação.

23 A elaboração de normas protetivas no continente europeu deu-se, em grande medida, no bojo dos esforços de

(24)

expressivo contato entre culturas diversas, como a realização cotidiana de transações comerciais entre pessoas e entes localizados em diferentes países.

A globalização, nome que recebeu esse processo histórico, tem se mostrado bastante complexa, e alcançou um nível tão elevado que não se considera mais possível a um país que aspire à prosperidade colocar-se numa posição de isolamento – seja político ou econômico. Débora Soares Guimarães24a define como “um fenômeno tridimensonal”, por ser marcado essencialmente por três fatores: a intensificação de fluxos diversos (de pessoas, bens, valores, dentre outros), a perda do controle do Estado sobre esses fluxos e a diminuição de distâncias espaciais e temporais.

Embora haja uma forte propensão a se considerar a globalização como algo novo, característico da contemporaneidade, Écio Perin Júnior25, ancorado em vasta bibliografia, mostra como não se trata de fenômeno recente, mas de “uma tendência de longa duração, persistente e cumulativa”. Aldo Ferrer26 reitera que essa crescente integração estaria em

andamento, pelo menos, “desde a era das grandes descobertas do século XV, até a formação dos Impérios coloniais no século XIX e a evolução do sistema internacional neste século”.

Embora existente há um período de tempo considerável, experimenta um movimento cíclico com momentos de aceleração, seguidos por outros de desaceleração. Estes geralmente ocorrem quando há mudança de uma forma de integração econômica para outra, com deslocamento da estrutura de poder dominante, de acordo com o processo histórico de desenvolvimento do capitalismo. Aqueles, por sua vez, evidenciam relação com fases de intenso progresso tecnológico, que também ocorrem com certa periodicidade.

Debruçando-se sobre a atualidade, é possível observar um grande período de intensificação experimentado desde o fim da Guerra Fria, com a interpenetração de mercados e o aumento do fluxo internacional de bens e pessoas. Há uma intrincada relação em que elementos como a intensificação da formação de blocos regionais, a globalização e a evolução tecnológica são mutuamente influenciados como causa e consequência uns dos outros.

Visando a marcar posição em um mercado global efetivamente fluido e instável, com a busca dos países por redução de barreiras alfandegárias e por maior competitividade, ganhou força a formação de blocos regionais e econômicos, o que foi um fator primordial para o aumento do fluxo de produtos e pessoas pelas fronteiras.

24

GUIMARÃES, Deborah Soares. A Internacionalização dos Direitos Humanos: Análise da Proposta Liberal Universalizante. Revista CEJ, Brasília, voll. 17, n. 59, p. 125-137, jan/abr. 2013, p. 126.

25 PERIN JÚNIOR, ÉCIO. A Globalização e o Direito do Consumidor: Aspectos relevantes sobre a

harmonização legislativa dentro dos mercados regionais. Barueri: Manole, 2003, p. 46

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Embora o comércio internacional não seja fenômeno recente na história, a mudança trazida pelo estágio vigente da globalização foi a inserção do consumidor no cenário dos contratos internacionais, com o crescimento exponencial não só da quantidade de transações efetuadas, mas também do volume de negócios realizados.

Se as relações comerciais internacionais eram marcadas pela primazia de negócios jurídicos envolvendo somente Estados e comerciantes (fossem em relações entre dois comerciantes ou entre comerciantes e o Estado, geralmente expressas em inglês como

business to business ou B2B, no primeiro caso, e, business to government ou B2G, no

segundo27), hodiernamente, a balança comercial dos países é, em grande medida, influenciada pela atuação, sem a interferência de qualquer mediação ou atravessador, dos consumidores. Não mais existe a obrigatoriedade de que estes negociem de forma direta somente com fornecedores domiciliados no mesmo país que ele.

Para tanto, têm hoje à disposição uma vasta gama de recursos advindos do desenvolvimento e sofisticação do comércio eletrônico que lhes permitem consumir produtos nacionais ou internacionais diretamente do conforto do seu lar, com apenas alguns cliques. A rapidez na transmissão dos dados possibilitou que os meios eletrônicos de pagamento possam ser largamente utilizados em compras realizadas por computador, telefone celular e até por intermédio de aparelhos de televisão chamados “smart”, embora se deva considerar que, dada a rapidez com que tais dispositivos surgem e se tornam obsoletos, torna-se temerário apontar quais estão em voga no momento.

Para o entendimento do cenário contemporâneo não se pode, ainda, desconsiderar o intenso movimento de consumidores que se dirigem ao estrangeiro e lá consomem. Isso ocorre não só em atividade regular de turismo com o propósito de lazer, como também na categoria do turismo mercantil, no qual viagens são organizadas com um roteiro específico que tem o objetivo principal de permitir que os participantes realizem compras.

Embora não seja objetivo do presente trabalho analisar a fundo essa questão, não se pode olvidar a relevância do consumo como acontecimento sócio-cultural, o que pode ser observado na perspectiva do estudo desenvolvido por Featherstone28. Em sua obra, o autor aborda aspectos do fenômeno de consumo pós-moderno, analisando “questões de desejo e prazer, as satisfações emocionais e estéticas derivadas das experiências de consumo”. Nesse

27 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e proteção do consumidor (um estudo dos

negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 39.

28 FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. Trad. Júlio Assis Simões. São Paulo:

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sentido, Marques29 afirma que “consumir de forma internacional é típico de nossa época. O serviço ou produto estrangeiro é status, é bem simbólico na atual cultura de consumo”,

tratando-se de um elemento de diferenciação entre as pessoas e classes sociais.

Impende, nesse ponto da análise, delinear uma definição de “consumidor internacional”. Para tanto, traz-se aquela trazida por Klausner30, que o apresenta como:

aquele que mantém relação de consumo com fornecedor situado no estrangeiro. O que caracteriza a internacionalidade de uma relação jurídica é estar conectada a dois ou mais ordenamentos jurídicos. O critério para se estabelecer como internacional a relação de consumo deve ser o domicílio, pois é o fato de estarem fornecedor e consumidor domiciliados em Estados diversos, e, consequentemente, sujeitos a ordenamentos variados, que ensejará o conflito de leis no espaço em matéria de consumo.

Observa-se, além do mais, a existência de dois perfis de consumidores internacionais. Pode-se citar, de um lado, aquele que adquire produtos e/ou serviços de um fornecedor domiciliado em outro país numa relação contratual realizada à distância, a partir de seu próprio domicílio e, portanto, sem deslocamento físico (por isso denominado “passivo”). De outro lado, tem-se o que se desloca para um país estrangeiro e lá consome (denominado, por sua vez, “consumidor ativo”), como fazem os turistas internacionais.

Importante ressaltar que, além dos aspectos que vulnerabilizam o consumidor em uma relação de consumo empreendida em um único território nacional, interferem outros fatores inerentes à internacionalidade da transação. Há, por exemplo, a possibilidade de que a diferença de idioma represente uma barreira para a obtenção de informações, assim como as dificuldades de se manter uma demanda judicial internacional, devido ao fato de envolver geralmente valores baixos frente aos custos de se empreender esse tipo de litígio.

Klausner31 cita ainda outras peculiaridades nesse tipo de transação às quais os operadores do Direito devem estar atentos, quais sejam: a falta de continuidade no consumo internacional; a difícil reexecução de um serviço – ou mesmo a impossibilidade de reexecução – e as diferenças de proteção legal oferecidas ao consumidor pelas normas do seu domicílio e

29 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e proteção do consumidor (um estudo dos

negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 309.

30 KLAUSNER, Eduardo Antônio. Perspectivas para a proteção do consumidor brasileiro nas relações

internacionais de consumo. Revista CEJ, Brasília, vol. 12, n. 42, p. 59-76, jul/set. 2008, p. 61.

31 KLAUSNER, Eduardo Antônio. Perspectivas para a proteção do consumidor brasileiro nas relações

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do domicílio do fornecedor, capazes de confundirem-no quanto à real extensão de seus direitos.

Dessa forma, o avanço e a disseminação do turismo internacional, assim como a maior vulnerabilidade do consumidor nesse cenário, tornam o amparo aos envolvidos em relações internacionais de consumo uma necessidade mais urgente. A partir do exposto, pôde-se obpôde-servar como, nas últimas décadas, espôde-ses fatores atuaram em conjunto com a atuação do movimento consumerista para o aumento da regulamentação sobre o assunto –, não só na legislação interna dos Estados, mas notadamente no âmbito do direito internacional.

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3. Integração Internacional e Blocos Regionais

A globalização intensificou a proximidade e o fluxo de pessoas, bens e serviços entre os países, de modo que atualmente é impossível cogitar de desenvolvimento econômico caso haja a escolha por uma política nacional de isolamento. Diante desse fenômeno, a formação de blocos regionais e econômicos ganhou força, como forma de os países marcarem presença no cenário mundial e tornarem-se mais competitivos diante de outros, maiores ou mais prósperos.

Como visto, em consequência dessa nova forma de integração, temos trocas comerciais mais fáceis e fluídas e, consequentemente, o aumento do número de transações comerciais entre os países formadores do bloco e entre comerciantes e consumidores estrangeiros. Além disso, se essa maior integração econômica altera as relações financeiras, altera também as relações jurídicas. Percebe-se que as conexões econômicas e negócios jurídicos que antes pautavam-se entre países e comerciantes, cedem espaço agora para a relação consumidor e comerciantes de países diferentes.

Antes de analisarmos a incidência das normas jurídicas nas relações consumeristas internacionais, cumpre voltar os olhos ao processo de integração regional, de grande relevância para o entendimento da contemporaneidade. Desse modo, será feito um breve retrospecto do contexto que possibilitou a ocorrência de tal fenômeno, com o surgimento da nova ordem mundial Pós-Segunda Guerra.

Devemos ressaltar que o tal processo não se deu da mesma forma entre todos os países. Abordaremos, portanto, não só o movimento de integração regional em si, mas também seus níveis, características e os conceitos que lhe são inerentes, apresentando dois modelos integracionistas: aquele adotado pelo Mercosul (intergovernamental) e o da União Europeia (supranacional).

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3.1. Rumo à integração internacional

A sociedade internacional já experimento u diferentes níveis de aproximação entre seus membros. O conceito de integração que conhecemos hoje, e que, nos dizeres de Del’olmo e Machado32, “provém de uma consciência coletiva, voluntária e pacífica”, tem sua

origem situada por muitos autores no período pós-Segunda Guerra, quando passou a se configurar como um instrumento complementar ao processo de desenvolvimento.

Écio Perin Júnior, no entanto, vai um pouco além, identificando-o ao processo aglutinador europeu que teve como elemento de motivação a Primeira Guerra Mundial, vez que já em 1919 os Congressos de Westfália e de Viena criaram a noção de uma comunidade europeia, demonstrando um ideal de solidariedade política entre os Estados. Nesse sentido, o autor afirma que “na verdade, o que houve foi uma reintegração, porque já eram encontradas ações que propunham uma Europa sem fronteiras antes de 1914, mas que foram derrubadas pelas políticas de exacerbado nacionalismo, vigentes a partir de 1930”33.

Portela34 aponta que as negociações para a integração europeia ocorridas no período entre guerras culminaram na formação do Benelux, bloco que tinha como membros Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos. É inegável, porém, que tal impulso ganhou novo fôlego e mais efetividade após 1945.

Nesse período, passou a existir uma conjuntura extremamente favorável a propostas semelhantes ao Benelux. Afinal, estava presente o primeiro dos pressupostos citados por Barbiero e Chaloult35 para que se concretize a aproximação entre os Estados, qual seja “um substrato comum de valores e interesses e, mais importante ainda, de uma escala de preferências bem estabelecida entre eles”. Tal substrato era nitidamente existente naquele momento e a escala de preferências era marcada pela primazia da busca por segurança e reestruturação econômica.

Os Estados, portanto, empenharam-se no estabelecimento de instrumentos capazes de evitar novos confrontos mundiais. Nesse processo, teve grande importância a criação das

32 DEL’OLMO, Florisbal de Souza, MACHADO, Diego Pereira. Direito da Integração, Direito Comunitário,

Mercosul e União Europeia. Salvador: JusPodivm, 2011, p. 25.

33 PERIN JÚNIOR, ÉCIO. A Globalização e o Direito do Consumidor: Aspectos relevantes sobre a

harmonização legislativa dentro dos mercados regionais. Barueri: Manole, 2003, p. 98.

34PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional Público e Privado. Salvador: JusPodivm, 2012

, p. 992.

35

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Organizações das Nações Unidas (ONU), em 1945, que foi primordial para a consolidação da nova ordem mundial, instaurada após a Segunda Grande Guerra.

Já os pilares econômicos dessa ordem começaram a ser construídos durante a Conferência de Bretton Woods, realizada nos Estados Unidos, em 1944, cujos debates desencadearam a implantação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird). Esse encontro também levou à fundação de outras importantes instituições internacionais, dentre as quais se citam a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Para a consecução dos objetivos comerciais, era necessário reduzir as barreiras tarifárias e, com esse intuito, foi criado, em 1947, o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT). Mesmo contando a princípio com apenas 23 países signatários – inclusive, o Brasil -, o GATT teve sua primeira rodada de negociações naquele ano em Genebra, e, para normatizar a redução das tarifas – e, em alguns casos, até mesmo suprimi-las -, estabeleceu um conjunto de regras gerais em que se deveriam basear as normas específicas entre as partes contratantes. Ao longo de sua história, foi responsável por outras sete rodadas de negociações, impulsionando a realização de diversos outros acordos bilaterais ou multilaterais.

Ainda no contexto da Conferência de Bretton Woods, a consideração do posicionamento da América Latina lança luz sobre a conjuntura em que, posteriormente, haverá o surgimento do Mercosul. Não tendo encontrado espaço na construção da nova ordem, o projeto de desenvolvimento sul-americano realizou-se na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), criada em 1948, no âmbito da ONU.

A proposta era de imposição de barreiras às importações de produtos manufaturados e de estímulo ao desenvolvimento industrial. Tratava-se da “industrialização por substituição de importações”36 mecanismo para romper o círculo vicioso de exportação

dos recursos naturais não transformados e importação de industrializados, visto como entrave para o crescimento econômico da região. A saída seria, portanto, favorecer o desenvolvimento do mercado interno e a encorajar a produção local, por intermédio, notadamente, do protecionismo.

De volta ao continente europeu, temos que, em 1949, foi instituído o Conselho da Europa, também chamado Comitê de Conciliação, que visava a coordenar a cooperação no

36

(31)

continente, por meio de atos para o apaziguamento das relações entre os países mais diretamente envolvidos e prejudicados pelo conflito. Dessa forma, o seu viés de atuação era essencialmente político e econômico.

Pode-se dizer que estava formado o arcabouço institucional para a construção da ordem mundial do Pós-guerra, sob a influência teórica de Keynes. Tanto numa esfera nacional quanto internacional, o sistema que se implementava trazia a expectativa de garantir ao mesmo tempo segurança e prosperidade econômica. A reconstrução da economia dos países diretamente afetados pela Segunda Guerra Mundial foi projetada a partir da crença no intervencionismo estatal.

Medidas protecionistas passaram a ser vistas como uma alternativa que conduziria as nações à retomada do crescimento. A integração e a formação de blocos regionais assumiram, portanto, a feição de iniciativas coletivamente tomadas dentro da perspectiva de restauração social e econômica, concretizando a intenção dos Estados ao se aproximarem.

Além disso, essa reaproximação era condição elencada para a aplicação do Plano Marshall no continente europeu, como explicitam Barbiero e Chaloult37:

O Plano Marshall de 1947 exigia, em contrapartida à ajuda financeira oferecida, que os países europeus destruídos pela guerra deveriam reagrupar-se e dotar-se de instituições comuns. Impulsionada por esse plano, a Organização Européia de Cooperação Econômica (Oece) foi criada em 1948, podendo ser considerada como uma das primeiras grandes organizações econômicas regionais do Pós-guerra. Explicitamente, ela respondia a preocupações de ordem geopolítica e econômica, fazendo parte de uma estratégia dos EUA de conter o comunismo que rondava a Europa, assim como de impedir que os países europeus se fechassem sobre si mesmos.

É nesse sentido que, para Del’Olmo e Machado38 (2011, p. 25), “há a substituição

gradativa da autotutela, do conceito fechado e clássico de soberania, pelos conceitos de segurança coletiva”. Como a intenção era resguardar os interesses internos dos Estados, os tratados então firmados eram ainda restritos, trazendo um conteúdo mais específico.

Embora abordasse matéria bastante estrita, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço lançou as bases para o regionalismo comunitário que caracterizaria a Europa anos mais tarde. Seu marco inicial foi a assinatura do Tratado de Paris, em 1951, e teve a adesão dos países do Benelux, além de França, Alemanha e Itália. Consolidou um projeto formal de união entre os países europeus e já contava com órgãos supranacionais, possuindo, por

37

BARBIERO, Alan; CHALOULT, Yves. O Mercosul e a Nova Ordem Econômica Internacional.In: Revista Brasileira de Política Internacional, v. 44, n. 1, Brasília, jan-jun, 2001, p. 22.

38DEL’OLMO, Florisbal de Souza, MACHADO, Diego Pereira. Direito da Integração, Direito Comunitário,

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exemplo, Tribunal de Justiça e Assembleia Parlamentar internos, além de uma personalidade jurídica própria.

Pode-se dizer que o surto integracionista passou por um período de retração durante a Guerra Fria, pois a divisão que se estendeu pelo mundo entre potências capitalistas (tendo à frente os Estados Unidos) e socialistas (lideradas pela União Soviética) alterou a natureza da aproximação entre os países. A regionalização dentro do continente europeu não chegou a ser inviabilizada, visto que, mesmo nesse período, teve andamento a negociação que culminou com a criação da União Europeia. Entretanto, após a queda do muro de Berlim e o fim da bipolarização, observa-se que a integração mundial ressurgiu com ímpeto renovado.

Barbiero e Chaloult39 assinalam que, apenas no período de 1992 a 1996, foram registrados no GATT cerca de 30 acordos bilaterais, sub-regionais ou regionais. Se, por algum tempo, a aproximação entre os países baseou-se na correspondência dos sistemas políticos por eles adotados, o suporte para o estabelecimento de vínculos entre eles migrou para aspectos mercadológicos.

Essa nova fase do movimento teve contornos diferentes daquela anterior à Guerra Fria, pois se desenvolveu sob a influência do neoliberalismo e da globalização. As grandes empresas multi e transnacionais, que se viram livres das restrições impostas pela bipolarização, assumiram o papel de balizadoras nos projetos de formação de blocos regionais, buscando expandir seu campo de atuação por todo o mundo e alcançar um mercado cada vez maior.

As profundas mudanças ocorridas na política e na sociedade internacional contemporâneas levaram os países a estreitar suas relações, recriando suas formas de cooperação. Há um estreitamento das relações em âmbito mundial como tentativa de superar a crise de legitimidade experimentada pelas grandes instituições internacionais, inclusive pelos Estados.

É perceptível, dessa forma, a complementaridade entre as noções de globalização e regionalização. Nesse contexto de incertezas e de redução do papel dos Estados, a reunião destes em blocos regionais se mostra uma estratégia tanto para que se fortaleçam dentro do mercado internacional, quanto para potencializar a governabilidade. Assim, é possível testemunhar uma tendência global de multiplicação de blocos e organismos supranacionais, cuja atuação não se restringe a interesses comerciais.

39

(33)

Nesse diapasão, Portela40 define blocos regionais como “mecanismos criados e formados por Estados soberanos que conferem uns aos outros certas vantagens no âmbito das relações que mantêm entre si, especialmente, mas nem sempre exclusivamente, no campo econômico-comercial”. Embora a proximidade geográfica seja um fator importante na associação dos países, a verdade é que o primordial é a existência de valores comuns, a confluência de aspectos culturais, para que seja possível uma convergência real de interesses e compartilhamento de significados.

Ademais disso, não há uniformidade nos acordos internacionais de integração assentados ao redor do mundo, pois esse processo se dá de diferentes formas, com níveis que variam de acordo com a intenção pretendida e com o comprometimento dos participantes. Durante o processo de negociação entre as nações envolvidas, estabelecem-se os objetivos a serem alcançados e o grau de associação desejada de acordo com quanto do poder estatal pode migrar para a nova entidade. Assim, tais condições encontram-se estipuladas já nos tratados instituidores.

A maioria dos estudiosos identifica até cinco etapas diferentes num processo de integração, em nível crescente de intensidade: zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e monetária e, por fim, união política. A zona de livre comércio tem como objetivo primordial o aumento na circulação de bens entre os Estados-partes.

Para facilitar tal intercâmbio, as medidas mais comumente tomadas dizem respeito às barreiras alfandegárias, havendo sua redução progressiva ou até mesmo extinção. Trata-se do mecanismo de aproximação mais utilizado na atualidade, sendo comum a existência de produtos aos quais se excepcionam as regras de livre circulação.

A principal diferença trazida pela união aduaneira é o fato de que nesta adota-se também uma política comercial comum em relação a países que não fazem parte do bloco. A adoção de uma tarifa externa comum nas importações visa a unificar as relações exteriores dos participantes, beneficiando-os nas trocas comerciais. É a fase em que atualmente se encontra, ainda de forma incompleta, o MERCOSUL.

O mercado comum, por sua vez, surgiu com o Tratado de Roma e amplia a livre circulação para todos os fatores de produção. Bens, mão de obra, serviços e capitais passam a atravessar as fronteiras entre os membros do bloco sem a imposição de restrições. É o nível de

40PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional Público e Privado. Salvador: JusPodivm, 2012

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integração estipulado como objetivo a ser alcançado pelo MERCOSUL, constando no Tratado de Assunção, de 1991.

A união econômica e monetária é vivenciada pela União Europeia desde a assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992. Trouxe a criação do Banco Central Europeu, independente, com a emissão de uma moeda única, o euro. Há ainda o estabelecimento de políticas macroeconômicas comuns, que levam à unificação de políticas econômicas e cambiais. Por fim, a união política pode, teoricamente – pois até o momento não chegou a ser colocada em prática –, levar à formação de uma confederação de Estados ou à unificação das nações participantes. Caracteriza-se pela adoção de uma única Constituição e de um governo supranacional.

Alguns autores, como Perin Júnior41, apontam um estágio anterior à zona de livre comércio, que seria a zona de tarifas preferenciais, ou, como denominada por Del’Olmo e Machado42, “área de preferência comercial”. De caráter mais restrito, apenas traz níveis tarifários mais favoráveis entre os participantes, com o objetivo de favorecer ou determinada área econômica ou alguns produtos específicos.

Algumas considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que, como visto, o nível de integração a ser atingido pelo bloco regional é uma decisão dos participantes e depende dos objetivos que se impuseram alcançar. Assim, não necessariamente serão vivenciados todos os estágios apresentados e nem mesmo isso está condicionado a ser feito de forma sucessiva. Além disso, a implantação pode ser progressiva ou parcial e a heterogeneidade contemporânea é tamanha que dois blocos do mesmo tipo – uniões aduaneiras, por exemplo – podem diferenciar bastante entre si.

3.2. Supranacionalidade, Intergovernamentabilidade e o Direito

Enfocando mais diretamente o objeto de nosso estudo, podemos inferir que o enquadramento do Mercosul como uma união aduaneira imperfeita, ou incompleta, ainda que esclareça alguns aspectos relacionados à categoria de privilégios vigentes entre seus membros, não comporta suas especificidades. Outra abordagem possível é apresentada por

41 PERIN JÚNIOR, ÉCIO. A Globalização e o Direito do Consumidor: Aspectos relevantes sobre a

harmonização legislativa dentro dos mercados regionais. Barueri: Manole, 2003, p. 61.

42DEL’OLMO, Florisbal de Souza, MACHADO, Diego Pereira. Direito da Integração, Direito Comunitário,

Referências

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