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A SURDEZ E OS PROCESSOS COGNITIVOS

No documento O ensino de Física para estudantes surdos (páginas 32-35)

Diversos estudiosos vêm pesquisando sobre como o pensamento e a cognição dos sujeitos que possuem deficiência auditiva se desenvolvem. É claro que, se a criança não consegue ter acesso a uma língua para que possa interagir com o mundo a sua volta, a sua cognição será formada com sérios problemas. Estes indivíduos estarão muito aquém daqueles que crescem interagindo com tudo ao seu redor. Ou seja, se a criança tiver essa interação, os processos de aquisição da linguagem podem ocorrer de maneira similar à de uma criança ouvinte. (MELO; et al., 2015)

Esses estudos indicam que a linguagem não serve apenas como uma ponte de interação, mas é fundamental para a construção do pensamento, bem como o desenvolvimento cognitivo e psíquico do indivíduo. Além disso, a linguagem é utilizada para que o ser humano expresse esse pensamento, bem como os seus sentimentos, fazendo do mesmo um sujeito social. (MELO; et al., 2015)

É fato que a linguagem está presente em nosso cotidiano, sendo utilizada para a comunicação, aprendizagem, expressão dos sentimentos e dos pensamentos. As pesquisas sobre como essa ferramenta humana influencia na cognição vêm gerando diversas teorias.

11 O Art. 15º Pode ser encontrado no link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

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Na visão inatista, a evolução psicológica seria algo herdado, ou seja, genético. Cabe ao mundo exterior apenas facilitar ou limitar essa evolução. Mas a capacidade de raciocínio, de compreensão, seria algo biológico que a criança carrega desde o nascimento. Ou seja, todas as crianças podem desenvolver a capacidade da linguagem, desde que seja exposta a ela, podendo ser amadurecida com as experiências vividas pelo indivíduo no decorrer da sua vida. Cabe o entendimento aqui de que a exposição à língua pode se dar de forma oral-auditiva ou gestual-visual. (MELO; et al., 2015)

Uma crítica a esta teoria se dá pelo fato da aprendizagem depender do desenvolvimento da criança, pois sabe-se que nem todas aprendem do mesmo jeito, ou na mesma quantidade ou qualidade. Nessa visão, valoriza-se a individualidade, o potencial de cada um.

A Teoria do Gerativismo, proposta por Noam Chomsky, baseia-se no fato de que, a partir de um conjunto de regras, o indivíduo possa criar um número infinito de sequências. “A língua é uma estrutura de formas e conceitos baseada num sistema de regras que determinam suas inter-relações, arranjos e organização. Mas essas matérias-primas finitas podem se combinar para resultar num produto infinito”. (CHOMSKY apud MELO et al.,2015, p. 93).

Goldfeld (2002), baseado nas ideias de Vygotsky, registra:

O cérebro humano é extremamente flexível e se adapta as diferentes circunstâncias. Assim, a espécie humana é a que se apresenta menos pronta ao nascer, porém seu desenvolvimento irá depender do que o ambiente fornecer, pois essa flexibilidade do cérebro vai se adaptando e vai funcionando de um determinado jeito. (VYGOTSKY apud MELO et al. 2015, p.95)

Para que as crianças possam entender o significado das palavras, símbolos e, assim, adquirir novos conhecimentos, é necessário que haja interação destas com o meio que as rodeia. Assim, podem assumir valores e papeis sociais.

Para Lev Vygotsky, o indivíduo e o meio em que ele existe estão interligados, portanto, um modifica o outro. Segundo Melo; et al., (2015), o pensamento e a linguagem estão conectados. O primeiro diz respeito à capacidade que o ser humano tem de resolver

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situações, tomar decisões; e o segundo trata da manifestação desse pensamento. Através dela, os indivíduos interagem entre si trocando experiências, saberes, construindo-se. Por meio dessa troca, o caráter do homem se forma.

A influência do meio externo é de suma importância para a aquisição da linguagem e constituição do sujeito, pois determina como este irá aprender as informações e significados do mundo de forma ativa e plena, de modo que este sujeito se torne capaz de dialogar com sua própria subjetividade através de sua aprendizagem e do modo de ver o mundo. (MELO; et al., 2015, p. 95).

De acordo com Piaget, a criança precisa da interação com o meio e com outros indivíduos para que o seu desenvolvimento evolua de forma gradativa e o seu aprendizado se consolide. Em sua teoria da epistemologia genética, ele afirma que o indivíduo deve passar pelos estágios de desenvolvimento para que os processos, tanto linguísticos, como cognitivos, possam se desenvolver.

Segundo Santana (2007), Piaget é um dos autores que defende que a linguagem é parcialmente relacionada com a cognição. É “graças à linguagem que a criança se torna capaz de evocar situações do passado e de se liberar do espaço próximo e do presente. Por essa razão, tende-se a acreditar que a linguagem é a fonte do pensamento” (SANTANA, 2007, p. 205). A autora aponta ainda que, para Piaget, o pensamento existe antes da linguagem, sendo capaz de transformá-la de forma profunda, e que ajuda a atingir suas formas de equilíbrio por meio de esquematizações mais desenvolvidas e de abstração mais móvel.

Melo; et al. (2015) aponta que, segundo a teoria gerativista de Chomsky, nas crianças surdas o desenvolvimento da linguagem não depende da fala e audição, visto que se trata de um fenômeno mental. Logo, não é exatamente a ausência da audição, mas a falta de estímulos para a comunicação e interação com o mundo que irá gerar problemas cognitivos e emocionais. Em muitos casos, a própria família não consegue se comunicar de forma eficiente com o surdo.

Na escola, no convívio social, em casa, o surdo enfrenta o desafio de conviver com os ouvintes que, por não terem domínio da língua de sinais ou não terem a facilidade de se comunicar com gestos, acabam simplificando essa troca de informações. Para

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Poker (2002), essas interações com os ouvintes acabam acontecendo com a omissão de informações complexas, dados concretos, redução de fatos, não permitindo a troca de ideias e não estimulando a argumentação.

Ratificando as ideias anteriores, o maior problema para os surdos não é a deficiência em si, mas as privações às quais a sociedade acaba os submetendo. Se eles tiverem as oportunidades de desenvolver suas potencialidades, assim como as pessoas que não possuem deficiências, eles também desenvolverão os seus potenciais. Poderão estar incluídos em uma sociedade e poder exercer a sua cidadania como todos os demais cidadãos.

Segundo Santana (2007), quando o aluno alcança proficiência na língua, ele apenas está repassando uma informação com mais qualidade, ou seja, o fato de o aluno não ter uma língua não interfere na sua cognição.

A comunicação total também se enquadra nessa concepção, com o adendo de aceitar a língua de sinais, o português sinalizado e qualquer outra forma de comunicação que o surdo possa utilizar. Não há qualquer reflexão a respeito da “natureza” da linguagem, pois ela só é vista como sistema comunicacional, do qual os falantes são codificadores e decodificadores. A aquisição da linguagem não mudaria, assim, os processos cognitivos. (SANTANA, 2007, p. 210)

No documento O ensino de Física para estudantes surdos (páginas 32-35)

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