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TÉCNICAS DE REPOSIÇÃO CONTEXTUAL

No documento Cenografias urbanas e cidades cenário (páginas 153-157)

cidade | memória

4.1 TÉCNICAS DE REPOSIÇÃO CONTEXTUAL

‘’A memória não trata de factos, mas de reconstruções.’’199

Na sua origem, a palavra património, estava ligada a estruturas familiares, económicas e jurídicas de determinada sociedade.200 O património, na sua

essência, requer um questionamento, na medida em que, este se constitui enquanto sendo um elemento fundamental e revelador de certa condição sociológica. A modificação espacial da cidade, deriva das necessidades e vontades sociais de determinada época.

No século XIX surgiram algumas teorias que visavam a manutenção da justaposição histórica, ou seja, apenas com base em conhecimentos histó- rico-culturais poderiam ser efectuadas intervenções contemporâneas sobre edifícios antigos considerados património histórico.

A visão de que o projecto podia difundir novas acções, materiais e tecnolo- gias - embora a matriz estruturante tivesse sempre como suporte conceitos históricos adjacentes ao local da intervenção - rivalizava com outras teorias, que propunham uma tendência mais homogénea, conceito esse diferencia- do pelas escolas inglesa e francesa.

A conservação implica sempre um acto de arriscar no terreno da interroga- ção e da interpretação. John Ruskin (1819-1900) 201, autor inglês do sécu-

lo XIX, desenvolveu uma teoria da restauração suportada pela preservação da imagem do monumento sem qualquer alteração temporal. Este autor identifica, na cidade histórica, o papel memorial do monumento.

199 BRANDÃO, Pedro, op. cit., p.36

200 CHOAY, Françoise – Alegoria do Património, p. 11.

201 John Ruskin (1819 – 1900) foi um escritor e poeta britânico. Destaca-se da sua

obra o seu trabalho enquanto crítico de arte e crítico social. Os seus ensaios sobre Arte e Arquitetura foram extremamente influentes na época Vitoriana, no entanto mantém a sua actualidade até aos dias de hoje.

Neste sentido todo o lugar adjacente ao monumento torna-se fulcral para uma melhor contextualização cultural, que perdurará no tempo e no es- paço.

Este autor apresentava ideias exactamente opostas às de Viollet-le-Duc (1814 - 1879) 202, que defendia o restabelecimento da situação original do

edifício. Todos os acréscimos e alterações ocorridos, ao longo da história do edifício, deveriam ser desprezados, com o objectivo de encontrar a unidade estilística de origem.

Pelo contrário Ruskin acreditava que qualquer interferência no edifício imprimiria um novo carácter à obra retirando-lhe assim toda a sua autenti- cidade. Segundo a visão deste autor admitir-se-iam apenas intervenções de conservação sobre os monumentos:

‘‘A restauração é a destruição do edifício, é como tentar ressus- citar os mortos. É melhor manter uma ruína do que restaurá-la.”

203

Sintetizando, para Ruskin em primeiro lugar estaria a prevenção da de- gradação ou destruição de qualquer monumento. Assim, seria possível, na opinião do autor, evitar a perda de contacto com o legado e património histórico.

Pelo contrário, Viollet-Le-Duc propôs uma directa ruptura com o passado ao sugerir a valorização do espaço urbano actual e futuro, continuando a atribuir à historiografia o papel criador, embora liberto de dogmas.204

Este autor francês do século XIX, representa uma atitude progressista face às técnicas de reposição contextual, defendendo a restituição formal do monumento, ou seja, a sua reconstrução com o objectivo de melhorar a

202 Eugène Emannuel Viollet-le-Duc (1814 — 1879) foi um Arquitecto francês e um

dos primeiros Teóricos da Conservação do património histórico.

203 RUSKIN, John cit por CHOAY, Françoise – As questões do Património – Antologia para um combate, p.XXII.

estética urbana.205

A principal contribuição deste autor, consistiu no estudo das técnicas cons- trutivas bem como das estratégias de composição, ao longo do tempo, relevando assim uma postura científica face ao processo do restauro:

‘’Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo num estado completo que pode não ter existido

nunca em dado momento.”206

Esta visão sugere várias questões relativas à permanência simbólica. Por exemplo, se a técnica moderna permite a reconstrução nos moldes origi- nais de um edifício, como poderemos diferenciar o que é actual do que o que é histórico?

Esta consideração do património histórico tomou protagonismo ao longo de todo o século XIX e viria a ter a sua expressão mais clara, na obra de 1903, do austríaco Alois Riegl, O culto moderno dos monumentos207. Esta

demonstra-se como sendo fundamental e extremamente relevante acerca das questões que compõem a problemática da conservação de monumen- tos históricos.

A obra divide-se em três capítulos principais, o primeiro é dedicado à apre- sentação dos valores atribuídos aos monumentos e a sua consequente evo- lução histórica, o segundo capítulo trata o tema dos valores de recordação e a sua evolução histórica, e o terceiro e último capítulo foca os valores da contemporaneidade e a sua relação com o culto do monumento. Desta forma, assume-se uma reflexão fundada sobre o valor do monumento en- quanto evento histórico.

205 CHOAY, Françoise– As questões do Património – Antologia para um combate.

p.146 a 163.

206 idem, p.146 a 163.

A visão de Riegl perdurará até à actualidade em que os monumentos de- têm um carácter mais polissémico e amplo, preservando no entanto, o seu carácter representativo do património histórico.

É precisamente este carácter memorial que pretendemos aprofundar na relação do património com a evolução do espaço urbano e social. Neste sentido, uma melhor compreensão acerca da memória enquanto matéria pertencente ao passado e em constante relação com a cidade demonstra-se pertinente ao longo deste processo reflexivo.

No documento Cenografias urbanas e cidades cenário (páginas 153-157)