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Na eletrofisiologia clássica de fatias de tecido, os eletrodos empregados usuais são con- feccionados de vidro ou de metal, cuja implantação é executada de forma individual para estimu- lar e registrar a atividade elétrica delas (tipicamente, spikes, potenciais de campo evocados ou potenciais de campo espontâneos, sob condições estáticas ou de interface). Sua ponta deve ser pequena de tal forma que não cause danos e, ao mesmo tempo, seja capaz de conectar-se à celula (TAKETANI; BAUDRY, 2006; WANG et. al., 2018).

A partir do final da década de 1940, técnicas confiáveis de registro de potenciais elétricos através da membrana celular surgiram, possibilitando tanto a captação do potencial de mem- brana na situação de repouso como durante os potenciais de ação.

Micropipetas de vidro eram preenchidas por uma solução concentrada de sal, de tal forma a atuar como eletrodos os quais ficam posicionados em ambos os lados da membrana celular. Em suas extremidades traseiras são inseridos fios que, por sua vez, estão ligados ao osciloscópio (que mostra a amplitude do potencial de membrana medido em volts) por meio de um amplificador. Uma vez que o diâmetro da ponta deste microeletrodo é pequeno (menor que 1 µm), ele causa um dano celular relativamente pequeno.

Tais sensores têm sido amplamente utilizados para monitorar o potencial intracelular de neurônios unitários que aparecem após a aplicação de sinais elétricos excitatórios externos ou sensoriais naturais. Como resultado, isto permitiu a medição e compreensão das funções básicas do neurônio (NOVAK et. al., 2013).

Em 1949, Kenneth Cole criou a técnica conhecida como Fixação de tensão (voltage clamp, em inglês), através da qual Alan Hodgkin e Andrew Huxley (1950) proporcionaram a primeira des- crição completa dos mecanismos iônicos subjacentes no potencial de ação. Consiste na “fixação” do potencial de membrana em valores pré-definidos de forma a inibir que quaisquer variações de corrente através dela modifiquem este potencial (Figura 2). A partir disso, ou seja, controlando a tensão, o experimentador é capaz de registrar o efeito das suas alterações sobre a condutância da membrana para os íons individuais.

Figura 2 – Esquema de medida por Fixação de tensão. (A) O potencial de membrana é captado através do amplifi- cador ligado a um eletrodo interno e um externo; (B) O valor do potencial “fixado” pelo experimentador é alimen- tado no terminal positivo do amplificador com retroalimentação. Este, por sua vez, (C) subtrai o potencial de mem-

brana do potencial “fixado” e amplifica a diferença entre esses dois valores. A saída de tensão do amplificador é conectada ao eletrodo interno de corrente (que percorre todo o axônio); (D) A retroalimentação negativa assegura

que a tensão resultante no amplificador direcione uma corrente que modifique a tensão de membrana de forma a reduzir a variação entre ela e o potencial “fixado”. Para que a medida seja precisa, o potencial de membrana pre- cisa ser uniforme ao longo de toda a superfície do axônio e isto ocorre pois o eletrodo de corrente interna é alta- mente condutor. Provoca um curto-circuito na resistência axoplasmática e, assim, zera a resistência do axônio, ani-

quilando qualquer variação nesta tensão ao longo do axônio. Modificado de Kandel et. al. (2014).

Nela, são empregados dois pares de eletrodos, sendo cada um composto por um eletrodo intracelular e um extracelular. O primeiro par captura o potencial de membrana, enquanto o se- gundo, por sua vez, é responsável pela passagem de corrente por ela. Além disso, um amplificador

de retroalimentação negativa é usado, o qual consegue enviar o nível correto de corrente por esta membrana para que ela mude seu potencial para o valor constante estabelecido previa- mente.

Com a despolarização, um fluxo destes íons surge pela membrana e, apesar do resultado esperado a este evento ser uma variação do potencial de membrana, a fixação deste valor o man- tém na amplitude programada. Com isso, um influxo de sódio aparece (devido à sua força motriz eletroquímica), o qual, em uma situação normal, acarretaria uma despolarização da membrana, elevando a concentração de cargas positivas na região interna. No entanto, a fixação da tensão atua neste processo: remove cargas positivas da célula e as envia para o meio externo, gerando uma corrente de mesma amplitude, mas de sentido oposto à corrente iônica pela membrana. Com isso, esta técnica automaticamente impossibilita que esta última atinja um potencial de membrana diferente do potencial pré-estabelecido. Consequentemente, a carga líquida através da membrana se mantém, assim como a tensão no local (sem variação significativa).

Em um experimento característico, inicialmente, o potencial de membrana (que será tra- tado na Seção 3.2.1) é “preso” no seu valor de repouso. Quando um pequeno pulso de despola- rização de 10 mV é aplicado (Figura 23a), uma corrente de saída muito rápida descarrega instan- taneamente a capacitância da membrana (corrente capacitiva, IC). Esta, por sua vez, é seguida por

uma nova corrente de saída (corrente de fuga, IF) através dos canais iônicos de repouso não de-

pendentes (chamados também de canais de vazamento), mas de menor amplitude, a qual per- manece durante o período de existência desta etapa de tensão. Na sequência, após esta etapa, uma breve corrente de entrada capacitiva repolariza a membrana, fazendo com que o valor do seu potencial retorne ao nível inicial e corrente de membrana total a zero.

Em contrapartida, se um grande sinal de despolarização é injetado (Figura 23b), a captação da corrente se torna mais complicada: Ambas correntes capacitiva e de fuga exibem maior am- plitude, e, logo após a passagem da primeira e início da última, surge um terceiro tipo de cor- rente, que é para dentro da célula (negativa), a qual alcança um pico em apenas poucos milisse- gundos, diminui e dá lugar a uma corrente externa, que atinge o platô (permanecendo durante o período do passo de tensão).

A partir desta técnica, pode-se, portanto, verificar que esta fase de tensão despolarizante ativa sequencialmente dois diferentes tipos de canais dependentes de tensão (sensíveis a dois íons diferentes). Estes dois tipos, que produzem correntes com sentidos opostos na célula (um é voltado para o fluxo iônico que produz uma corrente para dentro da célula, enquanto o outro tipo gera corrente para fora), se sobrepõem parcialmente no tempo. Isto cria a questão mais com- plexa: como determinar seus cursos de tempo de forma separada.

Conforme será discutido na Seção 3.2.2, foram os pesquisadores Hodgkin e Huxley os res- ponsáveis por solucionar este impasse. Eles descobriram que é possível estudar de forma isolada os componentes iônicos e capacitivos da corrente separadamente através deste método. Por meio de experimentos com tetraetilamônio (que bloqueia canais de potássio depen- dentes de tensão) no axônio gigante de lula, eles verificaram que a corrente total da membrana é composta pelas correntes capacitiva (IC), de fuga (IF) e de sódio (INa). Como a condutância de

fuga é constante (ou seja, não varia em função do potencial de membrana ou do tempo), então IF pode ser encontrado e subtraído da corrente total na membrana, “sobrando” IC e INa. Dado que

IC é essencialmente instantânea e somente aparece rapidamente no início e término do pulso, ela

pode ser isolada por inspeção visual, mostrando que a corrente resultante é apenas dada pelo fluxo de sódio. De forma semelhante, constataram que é medida a IK quando a tetrodotoxina (que

bloqueia canais de sódio dependentes de tensão) é aplicada.

A partir dessas medidas, então, é possível encontrar a dependência do potencial e tempo com as variações na condutância da membrana provocada pela abertura ou fechamento dos ca- nais de sódio e potássio. Consequentemente, esta técnica dá informações acerca das caracterís- ticas destas duas classes de canais iônicos.

Já na década de 1970, os neurocientistas Bert Sakmann e Erwin Neher desenvolveram um refinamento deste procedimento. Produziram a técnica conhecida como Fixação de Membrana (patch clamp, em inglês), o que os garantiu um Prêmio Nobel já em 1991 (BEAR et. al., 2006).

Através deste método, as correntes iônicas que passam por apenas um canal da mem- brana celular podem ser registradas. A partir disso, foi possível constatar que os canais iônicos controlados por tensão normalmente só exibem dois estados: aberto ou fechado. Quando uma despolarização é introduzida na membrana neuronal, os canais de sódio se abrem de forma tudo

ou nada e, assim, injetam breves pulsos de corrente com amplitude constante e duração variável e, caso esta situação permaneça, esta estrutura irá rapidamente alterar seu estado aberto e entra em um novo de inativação, não permitindo que o fluxo deste íon continue ocorrendo.

Para tanto, uma micropipeta de vidro (1 μm de diâmetro), preenchida com uma solução salina similar ao material normalmente contido no fluido extracelular, pressiona a membrana do neurônio e ministra uma suave sucção por meio deste sensor. O eletrólito presente na micropi- peta entra em contato com um eletrodo metálico e, com isso, ela tem conexão com o circuito elétrico que mede a corrente que flui pelos canais iônicos sob a ponta desta pipeta (Figura 3) (KANDEL et l., 2014).

Figura 3 – Ilustração da técnica de Fixação de Membrana. Adaptado de Lent (2010).

Na sequência, no ano de 1980, Neher percebeu que a porção entre a pipeta e a região de membrana vizinha exibe um considerável aumento da sua vedação quando um pequeno nível de sucção é aplicado nesta pipeta. A consequência é o surgimento de uma região selada com alta resistência entre as regiões interna e externa da pipeta (>109 Ω), o que minimiza o ruído eletrô-

nico e facilita o registro, pois garante que os íons tenham apenas uma via para percorrer: canais na membrana adjacente, o que, consequentemente, amplia a aplicação da técnica de Fixação de Membrana para todos os canais iônicos que se relacionam com a excitabilidade elétrica celular (BEAR et. al., 2006).

Caso o eletrodo se desconecte da célula, a região de membrana adjacente pode ser remo- vida e, assim, é possível captar as correntes iônicas se potenciais elétricos constantes são injeta- dos pela membrana. Como um exemplo, considere que dentro dessa área há um canal de sódio dependente de tensão. Se o potencial de membrana passar de -65 mV para -40 mV, este canal tenderá a abrir e uma corrente fluirá através dele. Enquanto sua amplitude medida em função de tensão elétrica representa a condutância do canal, sua duração reflete o período no qual este se encontra aberto (BEAR et. al., 2006).

Em vista disso, esta técnica confirmou praticamente todas as conclusões de Hodgkin e Huxley. Revelou também a interação íon-membrana neuronal na geração dos sinais bioelétricos detalhadamente (LENT, 2010).

Todavia, apesar da importância deste trabalho e dos que foram produzidos a partir deste, estas abordagens clássicas são invasivas e exigem a utilização de micromanipuladores volumosos. Com isso, o registro em multilocais não pode ser realizado com muitas sondas, restringindo sua aplicação a uma pequena quantidade de neurônios por um período estabelecido (KANDEL, 2014). Adicionalmente, a medição de sinais celulares intracelulares a partir de apenas uma única célula explica de forma limitada os resultados significativos acerca das redes neurais (WANG et. al., 2018).

Para captar a atividade da rede neural, portanto, é imprescindível o registro de diversos neurônios e de forma simultânea. Com isso, torna-se possível estudar o papel que cada célula desempenha na atividade da rede.

Estudos relatam que é necessário tanto injetar uma determinada estimulação nas células como registrar sua atividade neural, no nível celular. O primeiro relato que demonstrou o inte- resse nesse campo foi produzido por Graham e Gerard, no ano de 1946, que mostrou os microe- letrodos de capilar de vidro desenvolvidos por eles (GRAHAM; GERARD, 1946).

Neste cenário, devido às desvantagens associadas aos métodos tradicionais para medi- ções de sinais celulares, houve a necessidade de novas alternativas. Dentre elas, uma opção inte- ressante que é capaz de realizar registros e estimulação de forma não invasiva e por longos perí- odos, muito superiores aos permitidos quando eletrodos convencionais são utilizados é a Matriz de Microeletrodos (MEAs).

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