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Tétum e Português – Línguas parceiras

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Desvendando contracorrentes *

III. Tétum e Português – Línguas parceiras

A parceria secular das duas línguas – tétum e português –, responsável pela elevação estatutária do idioma indígena – o tétum – ao longo dos tempos, do seu carácter local ao de língua franca e nacional por abrangência cabal do território, confere naturalidade à escolha da sua co-ofi cialidade ao lado do português.

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Neste aspecto, pioneiro e preponderante foi o papel da Igreja, como também foi propulsor e consolidador o papel da Administração Civil na expansão e difu- são da língua nacional, o tétum. Este processo de uniformização e unifi cação linguística por meio do tétum levou consigo a inerente difusão da língua ofi cial de sempre – o português –, graças à disposição de elasticidade do tétum para se enriquecer com novos conceitos e vocábulos provenientes do português. A par- ceria das duas línguas estabeleceu-se, assim, sem concorrência de alguma outra vernacular de Timor, tornando-se um importante factor de caracterização lin- guística de ambas as línguas, e, em última análise, de consciência nacional e de diferenciação perante os povos vizinhos, contribuindo efectivamente para o enriquecimento da região em diversidade linguística e cultural.

O tétum continua hoje e para o futuro necessitando desta parceria para a sua constante caracterização e para o seu papel diferenciador, e Timor-Leste afi rma-se como o único país soberano em todo o hemisfério oriental a tecer uma cultura austro-melanésica com ingredientes de sabor latino-luso-cristão. Assiste-se, portanto, a uma naturalidade na escolha do português, pela par- ceria secular com o tétum – que lhe valeu a elevação estatutária – que resulta numa interpenetração mútua entre as duas línguas, em que se tipifi ca o por- tuguês falado por timorenses e em que o tétum absorve do português infl u- ências nos níveis fonológico, morfológico, sintático-semântico e pragmático. Se tentássemos eliminar todos os termos de origem portuguesa numa con- versa dentro do contexto dos preparativos para a realização de uma actividade sociocultural – por exemplo, o casamento católico timorense – diríamos que os noivos não chegariam a casar-se, pois, o casamento tornar-se-ia inviável. É por causa da cultura, da história, da política que se optou pela parceria estra- tégica do tétum-português para o estatuto ofi cial no país. Um puritanismo a ponto de considerar o português uma língua estrangeira em Timor-Leste leva- ria o povo a um recuo absurdo e não ao senso comum e ao progresso. O pri- meiro levaria os timorenses a voltar ao cavalo e à carroça e a rejeitar os carros como meios de transporte, por ser o cavalo o seu transporte mais original; e o segundo conduziria Timor-Leste a acelerar a autonegação às suas característi- cas marcantes no tempo – características essas que lhe conferem distinção na linha de uma consciência nacionalista para um povo cuja estratégia de defesa contra a absorção é precisamente a sua singularização – e a política linguística faz parte dessa estratégia.

Não foi por acaso que os cinco partidos políticos de 1974-75 convergiram na escolha do português como língua ofi cial. É um facto comprovativo da cen- tralidade da Língua Portuguesa na constituição da consciência nacional e da identidade linguístico-histórico-cultural e política timorense.

Frente à luta de resistência, o próprio regime da ocupação reconheceu o signi- fi cado estratégico da língua portuguesa, da fé cristã católica e dos valores tra- dicionais timorenses – elementos indiciais da especifi cidade da metade de ilha,

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distinguindo-a não só da sua metade ocidental (território indonésio), como também do resto da região. Por isso, as campanhas da ocupação aconteceram sempre no sentido de destruir ou desmantelar a estrutura identitária timo- rense, em que os referidos elementos são índices por excelência.

Tanto tem bebido o tétum do português que este se tornou constante fonte de caracterização, modernização e elevação estatutária que se pode afi rmar que se não fosse o português, linguisticamente falando, e se não fossem os portu- gueses, politicamente falando, não teríamos hoje um idioma indígena como língua ofi cial. A co-ofi cialidade responde a e explica-se por essa parceria secu- lar e por essa mutualidade pura e não simplesmente para preencher eventuais lacunas do tétum.

Neste ponto, o caso de Timor-Leste contrasta, por exemplo, com a situação do país vizinho do Sul – a Austrália –, em que o inglês (ou os ingleses) eliminou em 200 anos mais de 100 línguas nativas. Hoje, há documentos comprovati- vos de como os ingleses perseguiam, caçavam e exterminavam os aborígenes de helicóptero e de armas – portanto, em tempos bem recentes. Quer-se dizer que, se não suprimiram as línguas, mataram seguramente os seus falantes, resultando na morte certa dessas mesmas línguas.

Muito dessas tendências continuam vivas ainda hoje e já estão em actuação em território de Timor-Leste, de forma descarada e sem etiquetas. Frente à imponência devastadora das omnipresentes forças ocupantes, junto às suas instituições pela fi delidade aos princípios norteadores da sua luta, não foi a sua geografi a imediata – ou seja, não foi o critério da regionalidade – que resgatou o povo. Pelo contrário, a geografi a acabou por ser a causa direta do genocídio. Timor-Leste foi salvo, sim, pela coordenada da sua história. A his- tória legou-lhe elementos distintivos, irredutíveis como a língua portuguesa e a fé católica, que baseiam a teimosa recusa à integração e a pertinaz negação à submissão às armas ocupacionistas.

A razão de ser da língua portuguesa para Timor-Leste tem a ver com a iden- tidade linguística, a identidade histórica, a identidade cultural, a identidade política do país, e que vai precisamente contribuir para o enriquecimento da região, para a diversidade linguística e cultural, encorajando a convivência sob o princípio de respeito mútuo entre os interlocutores. A geografi a foi engana- dora e traiçoeira, e ainda não deixou de ser: mudou de cor. O resgate, se algum houve, tem vindo, infalivelmente, da força da razão do povo timorense que se estriba no seu passado histórico e quer ir ao encontro do futuro, ativa, criativa e soberanamente.

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Bibliografi a

Brito, R. H. P. (2004) ‘A língua adormecida: o caso Timor-Leste’ in Bastos, N. (org.) Lín- gua portuguesa em calidoscópio, São Paulo: EDUC/FAPESP, pp. 319-329.

Brito, R. H. P. & Corte-Real, B. (2003) ‘Língua Portuguesa em Timor-Leste: análise de algumas especifi cidades fonético-fonológicas’ in Actas do VIII Simpósio Internacional de Comunicacion Social, Santiago de Cuba, V. 1, pp. 147-151.

Hull, G. (2001) Timór-Lorosa’e - Identidade, Lian no Polítika Edukasionál (Timor Leste - Identidade, Língua e Polística Educacional), Lisboa: Instituto Camões.

Thomaz, L. F. (2002) Babel Loro Sa’e. O problema linguístico de Timor-Leste, Lisboa: Instituto Camões.

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Angola – O português como veículo de inserção cultural

e comunicacional no mundo globalizado

Joaquim Paulo da Conceição

Resumo

Este estudo constitui uma refl exão sobre o percurso tomado por Angola na valorização das línguas portuguesa e angolana. O português, tal como compre- endido neste artigo, é um bem precioso para Angola, embora apenas algumas pessoas no país falem esta língua. Para além de um potencial factor de união para todas as províncias nacionais, constitui também uma oportunidade de internacionalização para Angola. Contudo, isto não deve ser visto como um processo hermético, fechado ao desenvolvimento. Apesar de dever haver uma observância das regras gramaticais, a língua tem que estar em constante actu- alização para permanecer viva. Esta é uma refl exão sobre a língua portuguesa dentro do espaço angolano.

Palavras-chave: lusofonia, português, globalização, linguagem, Angola

A realização desta Conferência Internacional sobre Comunicação e Lusofonia e a nossa presença em particular no painel de Políticas da Língua e Identidade, mais concretamente para colocarmos as nossas inquietações sobre as políticas da língua no contexto do desenvolvimento de uma área cultural e comunica- cional, como é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), num mundo cada vez mais globalizado, afi gura-se um desafi o gratifi cante.

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Isto porque a realização desta Conferência abre-nos mais uma oportunidade de refl exão sobre os passos que foram dados e os caminhos a percorrer por cada um dos Estados-Membros da CPLP na valorização do português e, no caso de Angola, na valorização das línguas angolanas, em particular.

São sobejamente conhecidas as situações factuais que ditaram a política lin- guística de Angola no tempo colonial:

– uma sociedade plurilingue e subdesenvolvida

– codifi cação das línguas angolanas ainda exígua e defi ciente

– a língua ofi cial ainda estranha à esmagadora maioria da população, resultado óbvio do processo de colonização a que o país esteve sujeito. Sabendo que as línguas angolanas constituíam parte integral da cultura dos povos por si explorados e um factor de resistência, as autoridades coloniais tiveram-nas como algo a abater para destruir o sentimento nacionalista, repri- mindo ou desvalorizando socialmente o seu uso, proibindo inclusivamente o seu estudo e ensino. Isto bloqueou o desenvolvimento das nossas línguas a favor da língua portuguesa.

Mas observando o próprio estado de implantação da língua portuguesa em todo o território, constata-se que o colonialismo não atingiu o seu objectivo de substituir as línguas angolanas pelo português, para o que seria necessário massifi car o ensino, por um lado, e, por outro, enviar agentes colonizadores, isto é, recursos humanos qualifi cados. Portugal não tinha recursos necessários para tal, aliás não estava interessado. Bastava que o colonizado obtivesse ape- nas um nível mínimo de educação para poder servir o sistema.

Logo após a independência nacional, num censo realizado nos anos 80, parece realista assumir que as línguas angolanas dizem respeito virtualmente a todos os angolanos: 97,6 por cento dos angolanos falam pelo menos uma destas línguas e apenas dois por cento tem o português como língua materna, alguns dos quais podem, além disso, conhecer uma língua angolana. Os dados mos- tram também que 70 por cento falam exclusivamente uma língua angolana, enquanto 28,7 por cento pode falar tanto uma língua angolana como a língua portuguesa.

A política linguística colonial deixou-nos uma pesada herança de um índice alto de analfabetismo, não apenas em relação ao português, língua ofi cial, mas também em relação às línguas angolanas. Continuamos analfabetos nas nossas próprias línguas.

Em relação ao português, houve um tremendo esforço no sector da Educação em direcção a redução do analfabetismo. Contudo, estamos ainda longe dos índices desejados.

Este é um dos factores que têm trazido difi culdades nos programas de desen- volvimento, de divulgação dos valores democráticos e do envolvimento dos

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cidadãos, que se pretende cada vez mais intenso. É de destacar o papel da Rádio Nacional de Angola, o órgão de maior alcance no domínio da comuni- cação social em línguas angolanas e na difusão de programas informativos e formativos em línguas angolanas.

Já desde o período colonial que à rádio era reconhecida esta importância. Não é por acaso que, logo após a independência, este meio de comunicação mere- ceu uma atenção especial. Hoje, orgulhamo-nos de ter uma rádio que cobre o país todo e tem a preocupação de inserir programas de produção própria, e não apenas em português.

Os programas radiofónicos em português e em línguas angolanas também abrangem as áreas informativas, culturais, educativas, formativas e recreati- vas. Os valores da nova etapa da democratização do país, a consolidação da unidade nacional, os diversos programas de desenvolvimento encontram neste órgão um instrumento de inegável impacto social.

Factores históricos, políticos e até pragmáticos ditaram que, aquando da pro- clamação da independência, a língua portuguesa fosse declarada a língua ofi - cial e de ensino.

O português chegou a Angola como uma língua colonial e foi usado, por muitos anos, como meio ofi cial de comunicação em contextos coloniais buro- cráticos e institucionais. O uso das línguas angolanas foi desencorajado, pois era visto como algo que agia contra a “missão sagrada de retirar os nativos da barbárie e selvajaria para um mundo civilizado”. Assim, o uso exclusivo do português como meio de instrução acabou o traço característico permanente da política educativa colonial. Mesmo nos círculos religiosos protestantes, que no passado conseguiam organizar programas educativos bem sucedidos usando línguas angolanas, a tradição de alfabetizar nestas línguas tendeu a desaparecer. Desta maneira, em comparação com as línguas angolanas, o por- tuguês levava vantagem em termos de estar preparado para servir como língua de Estado.

Por outro lado, embora fosse falado pela minoria de angolanos, o português era a única língua sem base regional por os seus falantes estarem espalhados por todo o país, e era a língua etnicamente não-marcada por os seus falantes provirem de todos os grupos étnicos.

Com o advento da Independência de Angola, a língua portuguesa é a única possibilidade de entendimento a nível nacional, embora não seja dominado pela maioria da população.

A língua portuguesa é a língua Ofi cial da República de Angola, desde 1975, constituindo-se assim no principal veículo de comunicação e factor básico para a estruturação da Unidade Nacional e principal instrumento de comuni- cação internacional dos angolanos.

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