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3.4 T EORIA M ULTIMODAL DA S EMIÓTICA S OCIAL

Para analisar o uso de analogias em uma sala de aula de Química e a participação, nesse processo, de múltiplos modos de comunicação, nós utilizamos a Teoria Multimodal da Semiótica Social cujos fundamentos são apresentados, por exemplo, em Hodge & Kress (1988). De acordo com Lemke (1990), essa teoria pode ser definida como uma síntese de várias abordagens que levam em consideração o papel de contextos sócio-históricos específicos para entender como significados podem ser construídos e compartilhados, por meio da ação social, a partir de diferentes recursos semióticos disponíveis (verbais, visuais, gestuais e acionais).

O trabalho de Kress et al (2001) contempla uma boa diversidade de modos de comunicação envolvidos nos processos de construção de significados em diversos episódios de sala de aula investigados pelos autores. A partir da análise desses episódios, os autores argumentam que a linguagem é apenas um modo de comunicação e que diversos outros modos participam, tanto da construção do conhecimento científico, quanto de sua reconstrução em sala de aula. Esses autores afirmam que a linguagem não está ausente de suas preocupações ou discussões, mas também não constitui sua preocupação exclusiva.

Entre os diversos modos semióticos que integram os processos de construção e compartilhamento de significados entre professores e estudantes no plano social de uma sala de aula, destacamos, em nossa pesquisa, os seguintes tipos de modos: (i) verbais: oral e escrito; (ii) visuais: projeção de imagens, interação com gráficos e tabelas, uso de recursos de realce em inscrições, layout da lousa; (iii) gestuais: formas de se movimentar partes do corpo, normalmente mãos e braços; e (iv) acionais: movimentação da cabeça, manipulação de objetos, mudanças de postura corporal, direcionamento do olhar, proxêmica.

A proxêmica refere-se tanto à distância física estabelecida espontaneamente entre as pessoas e os objetos que usam no convívio social, quanto à variação dessa distância que pode ou não ser intencional, mas que certamente tem grande potencial comunicativo. A proxêmica está relacionada à maneira como um indivíduo se organiza, ocupa e utiliza o espaço no qual está envolvido (MORTIMER et al, 2014).

Nos trabalhos de autoria ou coautoria de Gunther Kress, uma série recorrente de quatro conceitos-chave é usada para caracterizar um modo de comunicação: meio, materialidade,

66 especialização funcional e intenção retórica. Resumidamente, podemos compreender o meio como a substância material moldada pela cultura ao longo do tempo em formas socialmente específicas de representação que são organizadas e regulares (KRESS et al, 2001, p. 15).

Na condição de substância material moldada pela cultura, o meio pressupõe uma materialidade, mas é também um produto cultural. Utilizando dois exemplos dados por Fonseca (2014), nós podemos dizer que o meio som, constituído materialmente por ondas mecânicas, tem sido culturalmente moldado para possibilitar a existência dos modos verbais-orais, em inúmeras línguas, mas também para configurar a música como modo de comunicação, em seus diferentes gêneros. Assim, também, o meio luz, que do ponto de vista material é constituído por fótons ou por ondas eletromagnéticas, foi culturalmente moldado no modo de comunicação fotografia, mas também nos modos de comunicação pintura em tela, cinema, etc.

De acordo com a Semiótica Social, a escolha que um sujeito enunciador (p.ex. um professor) faz dos signos e dos modos de comunicação em uma interação com outros sujeitos enunciatários (p. ex., os alunos de um professor) é orientada por uma ou mais de uma intenção retórica. Em outras palavras, essa escolha nunca é arbitrária, mas motivada pelos efeitos de sentido que o enunciador pretende produzir em seus enunciatários. No contexto de nossa pesquisa, a intenção retórica atribuída ao professor enunciador durante um episódio de ensino mediado por uma analogia está vinculada aos aspectos pragmáticos da analogia, tal como concebidos por Holyoak & Thagard (1989).

3.4.1 - M

ODOS DE COMUNICAÇÃO NA

T

EORIA

M

ULTIMODAL DA

S

EMIÓTICA

S

OCIAL

O termo modo se refere ao uso sócio-histórico que uma determinada comunidade de sujeitos faz de um sistema de recursos semióticos que foi cultural, social e historicamente construído. O modo deve permitir a construção e o compartilhamento de significados ligados aos objetos e eventos evocados discursivamente, mas também serve para estabelecer, manter ou modificar as relações sociais entre enunciadores e enunciatários no contexto do discurso. Fala, escrita, música, gestos, fotografias, cinema ou trilhas sonoras são exemplos de modos de comunicação (KRESS, 2009, p. 54).

A história cultural da construção de um dado modo de comunicação, bem como a materialidade dos sistemas semióticos que o constituem contribuem para que cada modo apresente uma especialização funcional. Assim, alguns modos se mostram mais apropriados que outros, em certos contextos comunicativos, para expressar ou compartilhar certo conjunto de significados, a depender da intenção ou motivação daqueles que os utilizam. O modo verbal oral, por exemplo, possui como meio material as variações na pressão do ar, que são percebidas pelo aparelho auditivo e interpretadas pelo cérebro do enunciatário, poucos instantes após terem sido geradas pelo aparelho fonador do enunciador. Esse aspecto material do modo verbal oral dá

67 ao mesmo uma efemeridade no tempo, que é diferente da constância temporal associada ao aspecto material do modo verbal escrito. Por essa diferença, resgatando Fonseca (2014), poderíamos dizer que, para quem não quer se comprometer, no futuro, com algo que pretende dizer, é melhor falar do que escrever. Essa afirmação, é claro, não é independente do contexto sócio-histórico no qual a palavra é utilizada. Há comunidades e circunstâncias nas quais o que é dito, oralmente, tem tanta permanência, quanto o que está escrito.

3.4.2 - F

UNÇÕES DOS MODOS E SIGNIFICADOS IDEACIONAL

,

INTERPESSOAL E TEXTUAL

Kress & van Leeuwen (1996) expandem o uso do conceito de metafunções da linguagem, proposto por Halliday (1978), para os modos de comunicação visuais e, assim, introduzem os critérios usados por Kress et al (2001), Kress (2009) ou por Cappelle & Paula (2013) para identificar um conjunto de recursos semióticos como um modo de comunicação. Segundo Halliday, independentemente das inúmeras funções sociais específicas desempenhadas pela linguagem nas interações sociais, existem três metafunções gerais sempre contempladas: ideacional, interpessoal e textual.

A metafunção ideacional está relacionada ao tema da comunicação. Por meio dessa metafunção o comunicador representa objetos, eventos, processos, qualidades, atributos, conceitos, sensações, sentimentos. O exercício dessa metafunção corresponde, por essa razão, ao uso de pelo menos um sistema de representação cuja existência está na origem de todo e qualquer modo. No contexto da interação, a metafunção ideacional de um modo de comunicação permite a um enunciador dar sentido e compartilhar com seus enunciatários significados para objetos, eventos, processos, qualidades, atributos, conceitos, sensações e sentimentos evocados discursivamente que são, por essa razão, denominados os significados ideacionais de um ato comunicativo.

A metafunção interpessoal está relacionada às relações sociais entre os sujeitos em interação no ato comunicativo. Por meio dessa metafunção, um enunciador estabelece, reitera ou busca modificar as relações sociais entre ele e o(s) sujeito(s) com o(s) qual(is) interage. Como diferentes relações sociais podem ser estabelecidas, reiteradas ou modificadas, podemos identificar um ou mais de um significado interpessoal em uma enunciação, discurso ou ato comunicativo concreto.

A metafunção textual está relacionada à necessidade de coerência interna entre as ideias e informações comunicadas, bem como de coerência das mesmas com o contexto no qual a interação acontece. Por meio dessa metafunção, um enunciador estabelece relações entre as ideias e informações comunicadas, com o intuito de produzir estruturas internamente coerentes e contextualmente adequadas. Como muitas relações distintas podem ser estabelecidas entre um mesmo conjunto de ideias e informações, as escolhas realizadas pelo enunciador são em si

68 mesmas significativas e nos permitem identificar um, ou mais de um significado textual em uma enunciação, discurso ou ato comunicativo realizado em um determinado contexto sócio- histórico.