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A Taxa de Cˆambio como ˆ Ancora Nominal na Am´erica Latina

M´exico em 1988, Argentina em 1991 e Brasil em 1994 implementaram programas que seguem um modelo geral de estabiliza¸c˜ao e integra¸c˜ao internacional. O modelo geral constitui- se dos seguintes elementos centrais:55

1) Uso da taxa de cˆambio como instrumento de combate `a infla¸c˜ao;

53 Segundo Fanelli (1998, p. 7). 54 De acordo com Fanelli (1998, p. 7).

2) Abertura da economia `as importa¸c˜oes por meio da dr´astica redu¸c˜ao das barreiras tari- f´arias e n˜ao-tarif´arias;

3) Abertura financeira externa, com a ado¸c˜ao de pol´ıticas de estimulo `a entrada de capitais externos e de curto prazo;

4) Medidas de desindexa¸c˜ao da economia; 5) Ajuste fiscal e austeridade monet´aria; 6) Venda de empresas p´ublicas.

O interesse principal na discuss˜ao seguinte ´e a articula¸c˜ao desses diversos elementos entre si. Observa-se primeiramente a importante conex˜ao entre a ˆancora cambial (1) e a abertura comercial (2). Uma economia de infla¸c˜ao alta enfrenta uma queda abrupta na taxa de infla¸c˜ao com a ado¸c˜ao de uma ˆancora cambial. A desacelera¸c˜ao do processo inflacion´ario resulta numa expans˜ao expressiva da demanda interna. Esse surto da demanda interna explica-se pela transferˆencia de recursos para as classes mais pobres, que tˆem uma alta taxa de propens˜ao marginal de consumo.56 Esse aumento da demanda exerce uma press˜ao inflacion´aria. A ˆancora cambial, combinada com a abertura do mercado interno `as importa¸c˜oes, ´e um fator de repress˜ao `a alta dos pre¸cos. Os produtores dos bens comercializ´aveis, i.e., os importados, os export´aveis e aqueles produzidos com insumos importados ou export´aveis, enfrentam a concorrˆencia internacional.57 Com isso, n˜ao desaparece o problema do aumento da demanda. A pol´ıtica fiscal (5) tem um papel nesse contexto. A contra¸c˜ao dos gastos do setor p´ublico deve compensar parte do aumento da demanda privada. `A pol´ıtica fiscal cabe, no contexto

56 A redistribui¸c˜ao de renda ocorre porque as classes mais pobres n˜ao disp˜oem de instrumentos financeiros que

as protejam do imposto inflacion´ario. Com a estabiliza¸c˜ao, o governo deixa de cobrar grande parte do imposto inflacion´ario.

do modelo geral de estabiliza¸c˜ao e integra¸c˜ao internacional, primordialmente impedir que d´eficits fiscais, financiados com cr´editos de curto prazo, tornem o programa mais vulner´avel a ataques especulativos.

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E necess´ario chamar a aten¸c˜ao para o conflito entre duas op¸c˜oes que um pa´ıs em desen- volvimento com alta infla¸c˜ao enfrenta no campo da pol´ıtica cambial: o pa´ıs pode usar a taxa de cˆambio para guiar a taxa de infla¸c˜ao para baixo (i.e., como ˆancora nominal), ou usar a taxa de cˆambio para manter a taxa de cˆambio real competitiva.58 No contexto dos progra- mas do M´exico, Argentina e Brasil, optou-se pela primeira op¸c˜ao: usar a taxa de cˆambio como ˆancora nominal, aceitando a perda de competitividade. A perda de competitividade expressa-se na deterioriza¸c˜ao da conta corrente, resultando numa queda das exporta¸c˜oes e num aumento das importa¸c˜oes.

Na pr´atica, o n´ıvel de pre¸cos dom´esticos n˜ao convergiu imediatamente para os n´ıveis internacionais e, com isso, a estabilidade cambial tende a produzir perda de competitividade. Batista (1996) relata o impacto da infla¸c˜ao sobre a competitividade:

As perdas de competitividade acabaram sendo muito significativas, uma vez que a convergˆencia da infla¸c˜ao foi bastante lenta. No caso da Argentina, a infla¸c˜ao s´o foi trazida para o n´ıvel registrado nos EUA em meados de 1994, cerca de trˆes anos depois do lan¸camento do programa.59 No caso do M´exico, a infla¸c˜ao nunca chegou a convergir plenamente. Antes do colapso cambial em fins de 1994, a infla¸c˜ao mexicana ainda estava em torno de 7% a.a., mais do que o dobro da observada nos EUA. Nesse contexto de lenta convergˆencia da infla¸c˜ao, a perda de competitividade internacional 58 De acordo com Edwards (1995, p. 70).

59 Nota-se que a Argentina adotou um regime de caixa de convers˜ao que teoricamente fornece um alto grau de

decorrente da forte valoriza¸c˜ao da taxa de cˆambio bilateral com o d´olar dificilmente poderia ser compensada com ganhos internos de produtividade ou desvaloriza¸c˜ao do d´olar com rela¸c˜ao a outras moedas relativas para os pa´ıses em quest˜ao.60

Em suma, da combina¸c˜ao da ˆancora cambial com a abertura comercial decorre uma sobrevaloriza¸c˜ao da taxa de cˆambio que conduz a uma perda de competitividade. O resultado da perda de competitividade ´e um desequil´ıbrio grande na conta corrente do balan¸co de pagamentos. O M´exico registrou, entre 1988 e 1994, um d´eficit em conta corrente de nada menos do que US$ 109,8 bilh˜oes.61

A fun¸c˜ao das privatiza¸c˜oes (6) s´o pode ser entendida no contexto macroeconˆomico j´a delineado. Essa medida ´e capaz de gerar um impacto consider´avel sobre as contas do governo. Primeiramente, as empresas governamentais produzem, em muitos casos, lucros negativos. A venda dessas empresas melhora o or¸camento do governo. Segundo, a entrada de recursos internacionais permite o financiamento do d´eficit em conta corrente, porque melhora a conta de capital do balan¸co de pagamentos. Um argumento a favor das privatiza¸c˜oes ´e o ganho de eficiˆencia pela gest˜ao privada. Esse ganho de produtividade deve conter, pelo menos em parte, a sobrevaloriza¸c˜ao da taxa de cˆambio. Trata-se de um argumento controverso, quando se examina o impacto sobre a taxa de cˆambio.

Os trˆes pa´ıses M´exico, Argentina e Brasil empregaram a abertura financeira externa (3) e mostraram a disposi¸c˜ao de adotar pol´ıticas monet´arias, tribut´arias e cambiais compat´ıveis com a atra¸c˜ao de capitais de curto prazo. O intuito era atrair capital externo de maior estabilidade e em condi¸c˜oes mais favor´aveis de prazo e custo. Isso depende, em grande

60 De acordo com Batista (1996, p. 131). 61 De acordo com Batista (1996, p. 131).

medida, do restabelecimento da confian¸ca e da credibilidade internacional do pa´ıs.

O problema inerente a essa estrat´egia ´e que a credibilidade vai sendo conquistada aos poucos, e os desequil´ıbrios externos em conta corrente aparecem com grande rapidez, a de- pendˆencia com rela¸c˜ao a capitais de curto e m´edio prazos instala-se quase que inevitavel- mente.62 Batista (1996) cita dois pa´ıses da Am´erica Latina que adotaram outras pol´ıticas:

Chile e Colˆombia, por exemplo, adotaram nos ´ultimos anos pol´ıticas bastante dis- tintas das que prevaleceram no M´exico, na Argentina e, mais recente, no Brasil, em especial no que se refere `a pol´ıtica cambial, abertura financeira externa e dependˆencia de capitais de curto prazo. No Chile e na Colˆombia, por motivos que eu n˜ao discu- tirei aqui, as pol´ıticas cambiais foram mais flex´ıveis, voltadas em geral para a defesa da competitividade externa; al´em disso, em diversos per´ıodos foram adotadas fortes restri¸c˜oes `a entrada de capitais externos de curto prazo. Por isso mesmo, esses dois pa´ıses escaparam basicamente inc´olumes `as ondas de instabilidade desencadeadas pelo colapso do peso mexicano em fins de 1994.63

N˜ao h´a d´uvida de que a grande dependˆencia de capitais de curto prazo, junto com grandes d´eficits em conta corrente, foram as principais causas das crises financeiras dos anos 90.