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7. INSTITUIÇÕES INFORMAIS

7.1. MARCO TEÓRICO

Interferindo no debate sobre consolidação democrática, Guillermo O'Donnell apresentou, na Conferência “Consolidating Third Wave Democracies: Trends and Chalenges”, realizada em Taipei, Taiwan, em agosto de 1995, uma versão do ensaio “Ilusions about Consolidation”, que foi publicado, em seguida, no Journal of Democracy (vol. 7, n. 2, pp. 34-51) e em outras publicações148.

No ensaio, O'Donnell (1996a:8) propõe a análise da institucionalização sob outra ótica e ressalta a importância das instituições informais. Constata que não existe nenhuma teoria que “nos diga por que e como as novas poliarquias que institucionalizaram as eleições 'completaram' seu conjunto institucional, ou se converteram em 'consolidadas'” e arremata:

sem uma teoria sobre como e por que pode ocorrer isso, remanesce quando menos prematuro supor que as poliarquias mais novas se consolidarão ou se tornarão 'altamente institucionalizadas', ou que deveriam fazê- lo. Em qualquer caso, tal teoria só pode elaborar-se sobre a base de uma discrição positiva dos aspectos principais dos casos pertinentes.

A partir daí, centra o foco de sua análise na distância que se abre entre as regras formais e as condutas reais, para concluir que a idéia de institucionalização não pode se vincular à concordância entre as regras formais e a conduta observada, porque regras informais amplamente difundidas podem estar altamente institucionalizadas (p. 9).

O distanciamento entre a prática e as regras formais, segundo O'Donnell, também ocorre nas velhas poliarquais, como

148 Por exemplo, Ilusiones sobre la consolidación, Nueva Sociedad, n.º 144,

julio-agosto de 1996, 70-89; Uma outra institucionalização, Lua Nova, n.º 37, 1996.

Japão e Itália. De outro lado, muitas poliarquias novas que não carecem de institucionalização podem sofrer problemas como o clientelismo e o particularismo. Daí a crítica que faz a autores como Linz, no que concerne aos requisitos que apontam para consolidação democrática, considerando tais concepções extremamente formalistas e ponderando que as democracias não consolidadas também são institucionalizadas, mas de uma forma diferente. Em suma, O'Donnell rejeita, no ensaio, a idéia de que o critério principal para a consolidação democrática seja a concordância razoável entre as regras formais e a conduta real e admite, expressamente, que muitas poliarquias estão institucionalizadas informalmente.

Mas as poliarquias institucionalizadas informalmente, ainda de acordo com O'Donnell, vão se caracterizar pelo particularismo generalizado, pelo governo delegativo e pela débil prestação de contas horizontal (horizontal accountability), o que conduz a alguns inconvenientes: a falta de controle permite a reafirmação de práticas autoritárias; a implementação da política costuma favorecer interesses altamente organizados e economicamente poderosos, quando a poliarquia foi instalada em condições de grande e crescente desigualdade. Assim, nesses países garantem-se as liberdades democráticas (sufrágio, liberdade de opinião, movimento e associação, etc.), mas as liberdades liberais básicas são esquecidas ou atropeladas em relação a amplos setores da população (p. 16-17). De modo que,

as poliarquias institucionalizadas formalmente exibem várias mesclas de democracia, liberalismo e republicanismo (entendido como uma opinião que concorda com o liberalismo no que respeita a trazer uma delimitação clara entre o público e o privado, mas que agrega uma concepção de participação na esfera pública habilitante e pessoalmente exigente). As poliarquias institucionalizadas informalmente são democráticas no sentido que acabamos de definir; quando, como sucede amiúde, agregam o componente plebiscitário de governo

delegativo, são também, fortemente majoritárias. Mas seus componentes liberais são extremamente débeis (p. 17).

Estas considerações lançaram as bases para uma ampla discussão sobre as instituições informais e sua importância para a democracia, especialmente na América Latina. Gretchen Helmke e Steven Levtsky (2006), Daniel Brinks (2003 e 2006), Zaverucha e Oliveira (2007), Joan Oriol Prats (2004), entre tantos outros, seguiram esta corrente teórica inaugurada por O'Donnell, com textos que buscam ressaltar, com algumas importantes variações conceituais, o papel das instituições informais nas democracias contemporâneas.

Antes de o tema passar a ser uma das importantes linhas de pesquisa da Ciência Política, a importância das instituições informais vinha sendo ressaltada, especialmente, no campo da economia. Para North (1992), por exemplo,

as instituições são as regras do jogo em uma sociedade, ou mais estritamente, são os limites que os homens impõem à interação social. Em consequência, estas formas estruturam os incentivos em qualquer intercâmbio humano, seja de tipo econômico, político ou social.

Já para O'Donnell (1996b:10), instituições são

pautas regularizadas de interação que são conhecidas, praticadas e regularmente aceitas (ainda que não necessariamente aprovadas normativamente) por agentes sociais que mantêm a expectativa de seguir interagindo conforme as regras e normas – formais ou informais – que regem essas pautas.

Nessa mesma linha, Helmke e Levitsky (2006:5) definem instituições como as regras e os procedimentos que estruturam a interação social por estimular ou inibir o comportamento dos atores. Já instituições informais, segundo os autores por último citados, seriam “regras socialmente compartilhadas, geralmente não escritas, criadas, comunicadas e impostas fora dos canais sancionados oficialmente” (2006:5).

Margarita Batle (2008:2), analisando o trabalho de Helmke e Levitsky, produziu uma síntese preciosa da sistematização feita no capítulo introdutório da obra “Informal Institutions & Democracy: lessons from Latin America”, que merece transcrição:

Primeiro: as instituições informais devem ser diferenciadas daquelas que se consideram como débeis; o que leva a sustentar que a debilidade ou a força de uma regra nada tem a ver com seu caráter formal ou informal. Segundo: devem distinguir-se os comportamentos de tipo informal. As instituições supõem uma expectativa, a aceitação de uma regra compartilhada e internalizada; de outra parte, os comportamentos, por mais regulares e afiançados que pareçam, não cumprem estas características. Terceiro: as instituições informais devem estudar-se como um fenômeno distinto das organizações informais. Quarto: evidencia-se a inconveniência de empregar a dimensão 'cultura' na definição das instituições informais (...). Além disso, os autores afirmam que a literatura costuma estudar as instituições informais a partir de dois ângulos contrapostos: aquele que sustenta que elas resolvem problemas e são funcionais; e um segundo que as entende como disfuncionais porque são criadoras de problemas. Extraindo os elementos conceituais do texto de Helmke e Levitsky, constatamos que segundo estes autores para que se configure uma instituição informal é necessário que estejam presentes a) regras socialmente compartilhadas, o que supõe

expectativa e aceitação; b) produzidas, divulgadas e impostas fora dos canais oficiais. Além disso, c) as instituições

informais podem ser débeis ou fortes; d) não se confundem com

comportamentos, ainda que regulares, porque estes não

pressupõem aceitação; e) não se confundem com organizações informais; f) não dependem dos fatores culturais; g) podem ser funcionais ou disfuncionais.

Daniel Brinks (2006a:86) afirma que um dos argumentos propostos para explicar as deficiências democráticas na

América Latina é o de que “as instituições informais contradizem as instituições formais democráticas”. A partir dessa constatação, sustenta que “não se tem prestado suficiente atenção nem à definição de instituições informais nem à análise empírica de seus efeitos” (p. 86). Brinks entende que o problema fundamental do déficit democrático está em que as leis não conseguem estruturar suficientemente a realidade social e política, o que não se confunde com um quadro de anomia (pp. 87-88). “Ao contrário, o que se observa em muitos casos não é uma ausência de regras senão a presença de regras alternativas, amiúde denominadas instituições informais ou regras informais”, que condicionam ou afetam de alguma maneira a validez das regras formais (p. 88). Brinks concorda com Helmke e Levitsky no que concerne ao uso de

maneira imprecisa da definição de cultura para explicar as

instituições informais e aponta para a necessidade de uma definição precisa do fenômeno. Baseia-se em Hart (1961) para afirmar a primeira característica de uma regra informal: é aquela que não foi promulgada de acordo com as regras de

reconhecimento vigentes (portanto sem seguir as formalidades

do caso). Depois, adverte para o fato de que regularidades de comportamento não se confundem com regras informais (que criam instituições informais): as primeiras são regras meramente preditivas, enquanto que as últimas são regras de algum modo

prescritivas. Aqui está a segunda característica das regras

informais. Em terceiro lugar, as regras informais têm um componente interno, segundo o qual “ao menos algumas pessoas

devem considerar o comportamento em questão como um standart geral que deve ser seguido por todo o grupo” (normatividade).

Em quarto lugar, as regras informais devem influir no comportamento daqueles aos quais está dirigida e produzir consequências.

Pode-se constatar, facilmente, que as características das instituições informais reconhecidas por Brinks coincidem,

basicamente, com aquelas apontadas por Helmke e Levitsky. Há, entretanto, um aspecto que deve ser ressaltado. Refiro-me à limitação admitida por Brinks que não se encontra em Helmke e Levitsky. Com efeito, estes condicionam a existência da instituição informal à circunstância de as regras que a criam serem socialmente esperadas, compartilhadas e aceitas. Já aquele admite configurada a regra informal quando determinado comportamento é tido como padrão a ser seguido por todo um grupo, ainda que seja por “ao menos algumas pessoas”. Esta questão é importantíssima. Por exemplo, não poderia ser considerada instituição informal a execução de criminosos pelas polícias de São Paulo e de Buenos Aires, analisada pelo próprio Brinks, se adotados os requisitos de Helmke e Levitsky, uma vez que o comportamento dos policiais não é, certamente, esperado, compartilhado e aceito socialmente. Mas, sem dúvida, algumas pessoas consideram “o uso regular e ilegal da força letal por parte da polícia” (p. 92) um comportamento a ser seguido. Do mesmo modo, as milícias do Rio e Janeiro, examinadas por Zeverucha e Oliveira (2007) não seriam instituições informais, porque rechaçadas por considerável – talvez majoritária - parcela da sociedade fluminense.

É importante registrar, a propósito, que estes últimos autores, a partir das linhas gerais indicadas por Helmke e Levitsky, apontam definição sobremodo sintética – e restritiva - de instituições informais: seriam os procedimentos criados e

sancionados fora do aparelho de Estado. Fixados tais

contornos, procedimentos que, embora criados no âmbito do aparelho estatal, não seguiram as regras de reconhecimento vigentes, não seriam considerados instituições informais.

Assim é que, para os fins desta investigação, instituições informais serão consideradas aquelas criadas por regras de conteúdo prescritivo, produzidas e sancionados fora do aparelho de Estado ou promulgadas em desacordo com as regras de reconhecimento vigentes, consideradas, ao menos por algumas

pessoas, como padrão geral que deve ser seguido por todo o grupo, e que influam no comportamento daqueles aos quais está dirigida, em face das consequências que podem produzir.