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2. ADMINISTRAÇÃO DOS TRIBUNAIS E CONTROLE DA MAGISTRATURA

2.6. TENTATIVAS DE MUDANÇAS NA REFORMA DO JUDICIÁRIO

O Brasil, a exemplo da quase integralidade dos países da América Latina, submeteu-se a um processo de reforma constitucional, especificamente para alterações da estrutura do Poder Judiciário.79

79 Em junho de 1996, o Banco Mundial publicou o seu Documento Técnico número

319 - O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe - Elementos para Reforma (Washington, D. C., 1.ª edição, junho de 1996, tradução de Sandro Eduardo Sarda), produzido nos Estados Unidos, com suporte técnico de Malcolm D. Rowat e Sri-Ram Aiyer e pesquisa de Manning Cabrol e Bryant Garth. Os autores procuram deixar muito claro que a reforma do Judiciário faz parte de um processo de redefinição do estado, para reforçar o

Em todos os lugares, a tendência foi a de centralização do poder de designação dos juízes e da administração dos tribunais, além do controle externo da magistratura.

A Proposta de Emenda Constitucional que estabelecia alterações na estrutura do Poder Judiciário tramitou na Câmara Federal a partir de 199280, sob o número 96-A/92. Aprovada na Câmara Federal, seguiu para o Senado, em junho de 2000, onde tramitou, agora sob o n.º 29/00, até ser aprovada, parcialmente, em dezembro de 2004. A parte remanescente voltou para a Câmara dos Deputados, onde permanece desde 2005 (PEC 358/05).

O que poderia ter sido excelente oportunidade para a reestruturação do Judiciário, com vistas a tornar mais eficiente a prestação jurisdicional, ampliação do acesso às camadas menos favorecidas da população, redefinição dos critérios de seleção de magistrados e democratização da magistratura, serviu para atender a outros interesses.

Sobrelevam a verticalização, a concentração do poder na cúpula do Judiciário, notadamente mediante a adoção do instrumento da súmula vinculante81. Quase nada foi alterado no sentido da democratização interna do Poder.

desenvolvimento econômico. Todos os países que levara a efeito a alteração de sua estrutura judicial, na América Latina, inclusive o Brasil, seguiram as linhas gerais desenhadas no documento técnico, que sugere sejam contemplados três aspectos principais: 1) o controle externo do Judiciário; 2) a prevalência jurisprudencial da cúpula do Judiciário e 3) a criação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos. O resultado aparente é a fragilização da expressão institucional do Poder Judiciário, tornando-o menos operante nas garantias de direitos e liberdades, em face das exigências do mercado. Cf. BANCO MUNDIAL (1996).

80 O jurista Dalmo Dallari, em depoimento ao Jornal do Magistrado (AMB, ano

XI, n.º 56), afirmou que "o texto inicial [do Projeto de Reforma], de autoria do deputado Hélio Bicudo, que visava apenas a aspectos específicos, foi totalmente modificado por força de objetivos puramente econômicos".

81 Em sentido contrário, Prillaman (2000:75 e ss). O autor fala da plena

independência dos juízes brasileiros e de um Judiciário “tão autônomo que ficou desprovido de qualquer responsabilidade, predominantemente nepotista e corrupto” (tradução livre do autor). Pode-se dizer que o diagnóstico de Prillaman, embora acerte em alguns pontos, de um modo geral, não encontra consonância com a realidade brasileira.

Além da tentativa de alteração dos mecanismos de escolha dos membros do CNJ, já narrada, e a mudança na composição do órgão especial dos Tribunais, também vista, a proposta de eleição direta dos dirigentes dos Tribunais pelo conjunto dos juízes vitalícios foi, inicialmente, apresentada em Emenda oferecida à PEC 112/9582 pelo Deputado Régis Fernandes de Oliveira, em outubro de 1995.

Em maio de 1999, a Associação dos Magistrados Brasileiros apresentou proposta de alteração do art. 96 da Constituição, para que, nos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais a escolha do Presidente, do Vice-presidente e da metade dos membros do órgão especial fosse feita pelos seus membros e pelos juízes vitalícios de primeiro grau, em atividade83.

No ano seguinte, após um arquivamento e duas mudanças de relatores, a PEC 96-A/92 foi votada na Comissão Especial da Reforma do Judiciário. O Substitutivo apresentado pela Relatora, Deputada Zulaiê Cobra, contemplava a eleição direta dos dirigentes dos tribunais pelos juízes vitalícios. Destaque apresentado pelo PSDB, objetivando a retirada do texto do inciso que estabelecia a eleição direta, foi aprovado. Restou mantida a forma de escolha da direção dos Tribunais. Houve tentativas de alteração no Senado, sem sucesso84.

Posteriormente, no trâmite da PEC 358/2005, a chamada “PEC Paralela do Judiciário” a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho propôs, mais uma vez, a alteração do artigo 96, I, a, da Constituição, para consagrar a eleição pelo conjunto dos juízes85. A apreciação da matéria não avançou na Camada dos Deputados.

82 Que fora apensada, em 30.9.95, à PEC original, 96-A/92, do Deputado Hélio

Bicudo. Cf. ANAMATRA (1999).

83 AMB (1999).

84 O autor acompanhou pessoalmente o trâmite da Reforma do Judiciário no

Congresso Nacional.

85 A justificativa da ANAMATRA foi vazada nos seguintes termos: “Pretende-se

estabelecer que os presidentes, vice-presidentes, corregedores e vice- corregedores dos Tribunais de segundo grau serão eleitos pelos juízes a ele vinculados, inclusive os de primeira instância, vedada a reeleição. Todos os juízes são igualmente membros do Poder Judiciário, não havendo

O principal argumento utilizado pelos opositores da proposta – especialmente, claro, os desembargadores – foi o da politização do Judiciário. Mas a eleição dos dirigentes das Cortes pelo conjunto dos juízes constitui providência tendente à democratização do Judiciário. A politização, em seu mais elevado sentido, é extremamente positiva para a magistratura e para os Tribunais. Quanto ao perigo do surgimento de facções, também suscitado, parece evidente que ocorreria o contrário. O novo critério poria fim às facções que hoje existem em quase todos os tribunais brasileiros. Com efeito, ninguém ignora a existência de grupos nas Cortes, formados na disputa pelo poder de um número reduzidíssimo de juízes. São notórios os malefícios decorrentes de compromissos assumidos antes da eleição, como favorecimentos, nomeação de parentes, entre outros. Adotado o novo sistema, a responsabilidade pela escolha dos dirigentes seria partilhada pela integralidade dos magistrados – ao menos dos vitalícios. E a ampliação do universo de votantes inviabilizaria pactos ditados por interesse pessoal, o que favoreceria a satisfação do interesse público. Talvez por isso mesmo a iniciativa não tenha obtido êxito.

Prillaman (2000:173) enfatiza que uma reforma judicial bem sucedida pode contribuir significativamente à causa da consolidação democrática. Mas as falhas na reforma judicial – como as estudadas em El Salvador, Argentina e Brasil deixaram claro – podem contribuir para o declínio do processo

razão adequada para que os magistrados de primeira instância permaneçam alijados do processo de definição das prioridades administrativas que compete aos tribunais pelo disposto no art. 96 da Constituição da República. Com tal procedimento para a escolha dos dirigentes dos Tribunais de segundo grau se está garantindo o necessário debate sobre as prioridades administrativas que devam ser adotadas no âmbito de cada órgão judicial. Além disso, será ampliado o controle sobre a gestão administrativa dos órgãos do Poder Judiciário, já que serão ampliados os participantes desse processo, o que certamente contribuirá para o aperfeiçoamento do atual modelo de organização administrativa do Judiciário, excessivamente verticalizado e hierarquizado, eliminando inúmeras falhas”. Cf. Arquivo ANAMATRA. Emenda 358/05: propostas da Anamatra.

democrático. Neste caso, o futuro da América Latina pode ser notavelmente parecido com o passado.86