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Tecendo os fios filosóficos da linguagem nos diálogos com seus tempos e

No documento Paulo Freire (páginas 76-79)

2.1 Tecendo os fios filosóficos da linguagem nos diálogos com seus tempos e espaços

Os princípios epistemológicos e metodológicos constituintes da arquitetônica filosófica das proposições bakhtinianas têm suas vertentes no pensamento de reconhecidos filósofos, bem como no de outros pensadores dos mais diversos domínios discursivos: Freud, Einstein, também responsáveis por reflexões acerca do estar no mundo, viabilizado por meio da linguagem.

No livro Bakhtin: conceitos-chave, organizado por Brait (2005, p. 123), o artigo Filosofias (e filosofia) em Bakhtin, da autoria de Sobral, traz uma breve descrição do arcabouço filosófico que serviu de referência ao Círculo, quer para assimilação, quer para refutação.

Nesse texto, o autor esclarece que

quando se fala em filosofia no contexto eslavo, fala-se tanto de princípios epistemológicos como metodológicos que norteiam as abordagens seguidas, o que se distingue da concepção de metodologia até há pouco tempo dominante no Ocidente, isto é, de técnica de análise tout court, que muitas vezes degenera em toscas formas de aplicação (SOBRAL, 2005, p. 131).

Por princípios metodológicos, compreendemos o modo de abordagem de um determinado objeto de estudo. No caso de Bakhtin, o modo de abordagem era dialógico, ou seja, o movimento empreendido era sempre no sentido de desconstruir dicotomias. Seu pensamento consiste em princípios epistemológicos.

De acordo com Sobral (2005, p. 124), há uma enorme presença de filosofias

nas obras do Círculo de Bakhtin, nas quais a forma de argumentação predominante é de cunho filosófico. Entretanto, advertiu o autor (2005, p. 124), não devem ser consideradas filosóficas apenas obras de reconhecidos pensadores como Freud e Einstein, bem como de teóricos de outras áreas como a da estética. Filosófico, neste caso, remete a reflexões sobre os seres humanos, de seu agir no mundo, de sua

Sobral (2005, p. 125) apontou três modos como o Círculo dialogava com os

parceiros filosóficos de seu tempo, classificando três tipos de diálogos: maiores, menores e indiretos. Tais diálogos ora se constituíam de assimilação, ora apresentavam oposição a princípios que norteavam concepções de linguagem, ao tempo em que contemplavam outras discussões, que versavam sobre ética, estética, literatura.

Os indicados como menores seriam as citações e\ou as descrições feitas, o

que não lhes diminuiria a importância. Esclarecendo tais presenças, Sobral (op. cit.,

p. 129) afirmou haver ainda nas obras do Círculo o que são apenas menções, em

alguns casos mera indicação de fontes, sem incorporação às teses nem refutação mais ampla. Trata-se de ‘andaimes’ da argumentação, e, como tais, ‘desmontados’ depois que ela se processa.

Em tal classificação, foram elencados por Sobral (2005) nove autores, dos quais a maioria discute questões no âmbito da estética da criação verbal. Para citar apenas alguns, temos:

• a hagiografia - Díon Crisóstomo, filósofo grego;

• o gênero biografia na Antiguidade – Plutarco;

• a estética da simpatia – Rudolf Hermann Lotz (1817-1881), Volket

(1818-1930), Wilhelm Wundt (1832-1930) todos filósofos alemães.

Presenças ainda menos exploradas, de acordo com Sobral (2005, p. 129), teriam sido: o teólogo e filósofo francês Santo Abelardo (1079-1142); Santo Agostinho (354-430); Epíteto (50-138), filósofo romano. Outro filósofo alemão cuja presença é mencionada seria Hartmann (1842-1906), expressivista, como Schopenhauer.

No que concerne aos diálogos maiores – assim considerados provavelmente por terem suas concepções discutidas por um maior contingente de interlocutores e

gerado maior quantidade de proposições – Sobral (op. cit.) citou Immanuel Kant, a

cujos fundamentos Bakhtin foi apresentado desde a infância, quando instruído por uma preceptora alemã que o iniciou nas concepções fenomenológicas kantianas. Por essas leituras de Kant, Bakhtin conheceu o embate entre empiristas e racionalistas, o que Sobral (2005, p.135) classificou como o mais relevante dos

No dizer de Sobral (op. cit., p. 130) outro diálogo complexo, relevante, trata-se de um diálogo maior que é ao mesmo tempo indireto, dado que acentua sobremaneira certos aspectos das proposições teóricas de Sigmund Freud, discutindo-as a partir do modo como ele era visto na Rússia.

Na década de 1920, duas tendências se confrontavam em lingüística: o formalismo e o chamado sociologismo vulgar, o marrismo, tendências não partilhadas por Bakhtin.

A revolução bakhtiniana, no dizer de Ponzio (2008, p. 13) consistiu em voltar a propor a dialogia de uma diferença que, por sua constituição, está impossibilitada

de ser indiferente ao outro. E o trajeto dessa reviravolta teve como registro inicial o

ano de 1919, data provável de seu primeiro trabalho – Arte e Responsabilidade – cuja publicação não foi efetuada pelo próprio autor. Sua discussão se dá em torno da relação entre a vida e a arte, afirmando a necessária e indissolúvel relação entre ambas.

Em seguida, entre 1920 e 1924, teria sido escrito Para uma filosofia do ato, de acordo com Clark, Holquist e Emerson, renomados biógrafos de Bakhtin. Não foi publicado integralmente, tampouco o foi pelo próprio autor; nem chegou a ser conhecido o título original. Tecendo considerações sobre esse escrito, cuja provável publicação data do início dos anos 1920, Tezza (2003) observa que nele não se encontram explicitados registros do cenário caótico do momento da produção. Outra estudiosa da obra bakhtiniana, Amorim (2009) considera Para uma

filosofia do ato a matriz filosófica de toda a produção posterior. Ao tecer

considerações sobre esse escrito de Bakhtin, no ensaio Para uma filosofia do ato:

válido e inserido no contexto, a autora aponta as idéias fundamentais registradas pelo filósofo:

Aqui, a questão é: qual é a ética de um pensamento? Ou ainda: em que condições um pensamento teórico pode ser ético? A dimensão ética de um pensamento teórico não pode ser apenas buscada no (ou deduzida do) seu conteúdo. Do conteúdo de um pensamento, podemos e devemos exigir que seja verdadeiro, mas isso não é suficiente para que ele seja ético. Porque a verdade do conteúdo de uma teoria diz respeito a leis universais e a um universo de possibilidades (AMORIM , 2009, p. 03).

Em análise do referido texto, Amorim (op. cit.) aponta a perspectiva fenomenológica como mais proveitosa no que se refere ao evento, pois permite abarcar os aspectos singular e universal de cada evento ou objeto. Tratar-se-ia, então, no dizer dessa autora, de uma proposição na perspectiva fenomenológica, segundo a qual o evento do ser consiste no movimento de instauração do ser no mundo, do enfrentamento entre o ser e a consciência dos sujeitos; esta, por seu turno, não apreende o ser como dado, mas como evento, remetendo-se a ele como tal.

Embora os tópicos linguísticos não tenham sido o foco de seus primeiros

escritos, nestes já se encontram esboçadas o que a autora chama de categorias de

origem, não necessariamente retomadas mais tarde de forma explícita; também já consta dessas discussões a condição para que o sujeito se configure como tal: ser completado pelo outro, que lhe lança um olhar responsável por sua natureza (AMORIM, op. cit. p. 27).

No documento Paulo Freire (páginas 76-79)