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CAPÍTULO 2 – OBJETO

3.3 A 2ª tela

Atualmente, é possível perceber hábitos da audiência em seguir textos de mídia ou gerar conteúdos por meio da “segunda tela” - o computador ou “terceira tela” - o celular, DELLER (2011), MARTIN (2011) e DOUGHTY, ROWLAND E LAWSON (2012), além da tendência de consumo da chamada TVSocial, HARBOE (2008).

Dados do Relatório de Tendências de Consumo de TV e Vídeo80 publicado pelo

ConsumerLab, laboratório de pesquisas de comportamento da Ericsson revelam que assistir

TV e participar de sites de redes sociais vem tornando-se prática comum da audiência em diversos países. No Brasil, em 2013, dentre os entrevistados na pesquisa, 86% compartilhavam o hábito de navegar na Internet enquanto assistiam TV e 73% visitavam sites de redes sociais enquanto assistiam TV. As novas formas de assistir TV têm forçado

80 Relatório de Tendências de Consumo de TV e Vídeo 2014 – ConsumerLab – Ericsson. Amostra: 23.000 entrevistas online realizadas em 23 países com pessoas entre 16-59 anos. A pesquisa é realizada preferencialmente nas grandes praças de consumo – grandes metrópoles. No Brasil, desde 2011, é aplicada em São Paulo (capital) com 1.000 respondentes. Todos os respondentes possuíam conexão de Internet banda larga e assistiam TV/vídeo ao menos uma vez por semana. Disponível em:

http://www.ericsson.com/res/docs/2014/consumerlab/tv-media-2014-ericsson-consumerlab.pdf Acesso em 23 jul. 2014.

produtores a reinventar formatos de ficção televisiva e demais produtos:

"[...] Forte impacto da Internet no mercado de mídia tem sido sentido na construção de sistemas alternativos para a circulação de textos da mídia. [...] mudanças fazem alusão a novos modos de produção, gêneros alternativas de conteúdo e novas relações entre produtores e público ". (JENKINS, FORD e GREEN, 2013, p. 232).

De acordo com JUNIOR, (2014, p. 2) o termo “2ª tela” é utilizado para definir a convergência entre TV e redes sociais, com ênfase na oferta de uma experiência personalizada para a audiência, “principalmente no que diz respeito às ficções e eventos transmitidos ao vivo. Sob este aspecto, a segunda tela funcionaria como um espaço comunicativo e de recepção de conteúdos relacionado a uma outra tela – geralmente a da televisão[...]”, JUNIOR, (2014, p. 2). Para o autor, apesar de a audiência transitar entre diferentes meios “perseguindo” conteúdos, a função da TV permanece como “tela principal” que simultaneamente reforça e é reforçada por meio do uso de demais dispositivos para consumo de mídia.

Corroboram com esta ideia JENKINS, FORD e GREEN (2013) ao ressaltar que apesar de a TV expandir o conteúdo de sua grade de programação, o poder de influência do meio não deve ser desprezado, uma vez que ainda é o principal divulgador de conteúdos de mídia. Esse fato foi demonstrado no relatório The U.S. Total Video da comScore81, realizado em 2014. A maioria dos respondentes que participaram da pesquisa continua utilizando a TV como principal veículo para assistir aos programas favoritos: as séries norte-americanas. De acordo com o relatório, hábitos de uso de 2ª tela, são mais frequentes entre pessoas na faixa etária entre 18 e 34 anos, acostumados também a assistir séries de TV via streaming para revisitar episódios ou assistem por meio de consoles de videogames, sites agregadores de conteúdos e aparelhos Blue-ray. Nessa faixa etária, 49% dos respondentes utilizam o celular para assistir conteúdos disponíveis no site Netflix.

Parece que o conteúdo da TV igualmente pauta o uso da segunda tela, principalmente no que diz respeito a publicações da audiência no Twitter durante a exibição de ficções, eventos esportivos, shows ou competições de música transmitidas ao vivo, conforme descrito em HIGHFIELD; HARRINGTON e BRUNS (2013, p. 320). Isso permite aos fãs descrever e compor suas próprias narrativas sobre eventos mundialmente transmitidos pela televisão. O site de rede social Twitter funcionaria como um "backchanel" para a TV ao vivo nessas

81 The U.S. Total Video: pesquisa realizada por meio de questionário online durante o período de 21 a 28 de agosto de 2014. Amostra baseada na população que utiliza Internet nos Estados Unidos. Obteve 1.159 respondentes. Disponível em www.comscore.com/TotalVideo Acesso em 13 dez. 2014.

ocasiões.

Essas experiências de consumo de mídia foram abordadas pelo relatório Nielsen

Twitter TV Ratings82, fruto da parceria entre o Twitter e a multinacional de pesquisa com o propósito de mensurar conteúdos de TV em smartphones e tablets, parceria em vigência desde 2012. Os indicadores do relatório apontam o número de pessoas que discutem programas de TV no Twitter enquanto esses, simultaneamente, estão sendo exibidos na grade horária das emissoras. Semanalmente a Nielsen divulga indicadores do Top Ten ou Daily Top Five da programação de séries e shows de TV nos EUA, bem como a repercussão de eventos esportivos diante da participação da audiência no Twitter.

A grade fixa da TV, segundo CHURCH E OLIVEIRA (2013) e CANATTA (2014), participa e constrói interações de usuários no Twitter. Discussões entre usuários no site de rede social acompanham “em menor ou em maior grau, a sequência de programas da grade televisiva”:

A conversação em torno de uma atração pode começar horas antes da exibição e seguir por muito tempo depois do término da transmissão. A discussão provocada pela programação da televisão se tornou um processo contínuo, cujo ápice permanece durante a exibição do show. Verifica-se assim a importância da grade de programação na orientação da conversa ao se constatar que a alteração na lista dos assuntos mais comentados acompanha, em menor ou maior grau, a sequência de programas da grade televisiva. (CANATTA, 2014, p. 109)

No CETVN, verificamos esse comportamento ao acompanharmos os Trending Topic no Twitter ao longo de semanas durante o horário de exibição de telenovelas na TV. Foi comum observamos esse fenômeno e verificar diariamente alterações nas hashtags (que aparecem em somem) mencionadas por fãs sobre ficções, personagens e polêmicas, à medida em que o conteúdo percorre a grade horária da TV, principalmente durante o período noturno. Comportamento similar foi observado em DELLER (2011, p. 235). A autora fala da “sensação de vida” experimentada por fãs que participam, em conjunto de discussões no Twitter enquanto simultaneamente assistem aos programas de TV. Algumas hashtags podem se tornar

hits e perdurar até muito depois da exibição da telenovela mas, nesses casos, quando a

polêmica sobre acontecimentos da ficção implica fãs de tal maneira, pode-se dizer que o site de rede social Twitter, passou a ser, portanto, a primeira tela.

O uso da 2ª tela exige do espectador, em ALMEIDA (2014, p. 7) “ a necessidade de uma capacitação afetiva e social para coordenar diversas conversas” ao mesmo tempo em que publica conteúdos em meios distindos, interagindo o olhar e o corpo com proporções distintas

de telas e teclados. Durante essa interação a audiência ainda é capaz de identificar relevância de determinadas mensagens, usuários e discussões para republicação e troca de mensagens com outros fãs. Isso se configura, para a autora como a experiência social da televisão:

A experiência social na televisão multiplataforma inclui formas novas de relação entre os telespectadores por meio das diferentes interações realizadas nas redes sociais. Os dispositivos digitais permitem, por exemplo, que ao assistir a um conteúdo interessante os telespectadores acessem e enviem o material por e-mail ou

WhatsApp a um amigo ou o disponibilize em seu perfil no Facebook […]

(ALMEIDA, 2014, p. 7).

A tendência observada pela autora, de produção de programas com menor duração para a TV e “filmagens que facilitem a exibição [do produto] nas telas de menor tamanho” também são indicadores de que indústrias criativas desenvolvem estratégias para facilitar a adapatação de conteúdos de TV para celular e tablets. CAMPANELLA (2010) observa ao entrevistar fãs do programa Big Brother Brasil que uma das discussões que mais atraíram e foram responsáveis pela formação de comunidades de fãs foi a divergência entre narrativas ou conteúdos do programa ao circular por diferentes plataformas:

Na entrevista que realizei com Manga, o blogueiro declarou que uma das principais razões que motivaram a criação dos primeiros blogs da Net.BBB, no ano de 2003, foi o desejo de se ter um espaço para discutir as edições feitas pela Rede Globo. Sylvia, uma das pioneiras na comunidade de fãs, mantém uma posição semelhante, quando alega que a expansão acentuada da comunidade ocorreu principalmente a partir da quinta edição do Big Brother, quando teriam acontecido as maiores discrepâncias entre as diferentes plataformas de exibição do reality show. De acordo com esses fãs, a insatisfação gerada pela maneira de a produtora do programa no Brasil decidir sobre as imagens editadas é um dos principais combustíveis para o crescimento da comunidade de discussão do BBB. (CAMPANELLA, 2010, p. 152).

De acordo com PADIGLIONE83, em 2013 o IBOPE84 iniciou testes em pesquisa de audiência de TV linear em aparelhos móveis na região metropolitana de São Paulo. A soma da audiência móvel com a audiência da TV fixa pretende estabelecer “um saldo balizado de uma plateia que já se divide entre plataformas diversas incluindo a TV sob demanda, via sinal de TV ou streaming […] quem tem crescido aceleradamente como hábito no País”, PADIGLIONE (2013).

Questionamentos sobre novas métricas capazes de dar visibilidade ao engajamento e modos de consumir TV pela audiência foram abordados no IX Seminário Internacional

83 PADIGLIONE, Cristina. Ibope inicia pesquisa de audiência de TV linear em aparelhos móveis. O Estado de São Paulo, 17 jul. 2013. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,ibope-inicia-pesquisa- de-audiencia-de-tv-linear-em-aparelhos-moveis-imp-,1054312 Acesso em 29 jul. 2013.

OBITEL - 201485 pela gerente de Learning & Insights do IBOPE Media, Juliana Sawaya, ao comentar sobre novas tendências da audiência. A gerente caracterizou o consumo de conteúdos de mídia em diversas plataformas como “sofisticado”, principalmente no que diz respeito à TVSocial. Sobre a ficção televisiva, comentou a formação de grupos específicos no

WhatsApp86 que se dedicam a diferentes tramas e discutem, ao longo do dia, tópicos sobre

personagens e roteiros. Ao longo da palestra, apresentou um perfil interessante de consumo dos meios através de metáforas de afeto:

A TV seria como se fosse uma “pessoa da família”, ela nos lembra a infância, o aconchego do lar; o celular e por meio desse, atualmente, o consumo de rádio seriam como “amigos” que te acompanham nas horas mais difíceis do dia, no trânsito, no trabalho, em também em momentos de diversão; já a Internet seria “o amante”, com quem mais gostamos de estar e aproveitar o nosso tempo de prazer juntos, sempre para fazer algo interessante e que corresponda a nossos desejos e anseios”. Desse modo, a revisão de metodologias torna-se imprescindível para valorizar o chamado “conteúdo” protagonista. (SAWAYA, 2014).

De acordo com o IBOPE Media, no Brasil, 55% da população afirma utilizar dois ou mais meios ao mesmo tempo87. Entre eles, o que apresenta maior consumo simultâneo é a televisão consumida em conjunto com a Internet (30%). No seminário, o IBOPE anunciou parceria com o Twitter, em 2014, como primeira iniciativa em integração de indicadores de audiência e conteúdos gerados por usuários sobre programas de TV e a participação da audiência no site da rede social. Variáveis há muito estabelecidas e consideradas suficientes para mensurar hábitos da audiência passam exigir revisões metodológicas para dar conta de acompanhar novas práticas de espectadores.

Em pesquisa sobre o uso do celular, CASTELLS et. al. (2007, p. 100) ressaltaram que essa mídia especificamente pode funcionar como forma de engajamento subordinada e “co- presente” a outras mídias em situações que são denominadas pelos autores como “engajamentos secundários”. São engajamentos esses baseados em trocas de mensagens de

85 IX Seminário Internacional OBITEL: realizado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em 26 e 27 ago. 2014. Disponível em:

http://redeglobo.globo.com/globouniversidade/noticia/2014/08/ix-seminario-internacional-obitel-aborda- producao-ficcional-televisiva.html Acesso em 28 Ago. 2014.

86 WhatsApp: aplicativo de mensagens instantâneas multi-plataforma para smartphones. CHURCH e OLIVEIRA (2013) analisaram o comportamento de usuários do aplicativo que permite enviar e receber informações de localização, imagens, vídeo, áudio e mensagens de texto em tempo real para indivíduos e grupos de amigos, sem nenhum custo. Em abril/2014 o aplicativo apresentou 400 milhões de usuários ativos e média de compartilhamento ao dia de 700 milhões de fotos e 100 milhões de vídeos. Disponível em:

http://www.whatsapp.com/ Acesso em 25 fev. 2014.

87 Fonte: IBOPE Media. Acesso à Internet impulsiona o consumo dos meios tradicionais de mídia. Disponível em: http://www.ibope.com.br/pt-br/relacionamento/imprensa/releases/Paginas/Acesso-a-internet- impulsiona-o-consumo-dos-meios-tradicionais-de-midia,-aponta-IBOPE-Media.aspx Acesso em 25 fev. 2014.

texto que podem incluir conversas rápidas em situações como, por exemplo, enquanto aguardamos o metrô ou quando estamos esperando por um amigo para um jantar e, ao mesmo tempo, lemos, acompanhamos notícias e conteúdos de TV e assim por diante. Segundo os autores, estas rotinas podem ser desenvolvidas, “reinterpretando, ou revitalizando a interação mediada subseqüente. O slogan da peça de teatro ou o sermão podem ser reinterpretados nas conversas por celular, ou o jogo de futebol pode ser dissecado nas mensagens de texto trocadas entre fãs ". (CASTELLS, et. al., 2007, p. 118-119).

Relatórios de pesquisa apresentados demonstram tendências de expansão do capitalismo digital e sua relação com o hábito de consumo da ficção televisiva. Mas podemos pressupor que há um longo caminho a ser percorrido até que a maioria da audiência de TV no Brasil desenvolva hábitos de perseguir conteúdo ficcional por meio da 2ª Tela. Como abordou RADAFAHRER (2010):

“[...] estudar tendências e desenhar cenários é uma atitude estratégica, muito mais complexa que determinar a nova “cor da moda” ou um estilo “descolado”. Não tem nada a ver com futurologia, mas com o desenho de cenários de situações que estão para começar a acontecer. Com experiência e um pouco de sorte, é possível se vislumbrar algo que dure para os próximos anos. (RADAFAHRER, 2010, p. 223).

Limitações quanto ao consumo de mídia via 2ª Tela devem considerar, em primeiro lugar como mencionou ALMEIDA (2014), a necessidade de o consumidor adquirir certas habilidades motoras e comunicacionais durante esse tipo de prática. E, antes, precisamos observar a necessidade básica de acesso à Internet, seja por meio de computador ou celular. Enquanto o acesso à TV é fato em 97% dos lares brasileiros, o acesso à Internet ocorre em 48% dos domicílios, conforme resultados apresentados pela pesquisa TIC Domicílios 2013 publicada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI)88. O acesso via banda larga predomina em 66% dos domicílio e o acesso via celular alcança algo em torno de 20%. Além desses critérios que limitam os hábitos de consumo via 2ª Tela, precisamos observar características culturais de uso de sites de redes sociais no Brasil e como o consumo de TV tem se relacionado com comportamentos desenvolvido por usuários nesses locais.