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3 REVISÃO DE LITERATURA

3.1 TELEMEDICINA E TELESSAÚDE

A eSaúde responde às mudanças trazidas pela modernidade, a globalização de doenças, práticas em saúde e hábitos de vida, e tem como objetivo a busca de soluções de baixo custo e fácil acessibilidade a partir do uso das TIC, permitindo a difusão do conhecimento com equidade (MELO; SILVA, 2006).

Telemedicina foi o primeiro termo empregado para tratar do uso das TIC para suporte aos profissionais na promoção de cuidado a usuários do sistema de saúde (SILVA, 2013). Por telemedicina pode-se entender que seja o uso de tecnologias de informação e comunicação para prover acesso a informações médicas, ações e serviços de saúde (CÁCERES MÉNDEZ et al., 2011).

O termo telemedicina data da década de 1970 e surgiu como área de pesquisa nos Estados Unidos com a ideia de levar cuidados médicos aos pacientes sem precisar deslocá-los de um lado para outro, sendo vista também como forma de garantir a oferta de exames, consultas, acesso a especialidades e a cirurgias à distância, para educação e pesquisa de profissionais em formação (URTIGA; LOUZADA; COSTA, 2004).

Há registros de experiências nessa área no Canadá, ainda na década de 50, com aplicações para: teleconsultas, telepatologia, telerradiologia, telepsiquiatria, tele-educação, telemonitoração, sistemas de informação para registros clínicos e troca de dados entre instituições e como bancos de dados de pesquisa em rede; como ação de redes de saúde pública e de informações de saúde comunitária (URTIGA; LOUZADA; COSTA, 2004).

Além disso, a National Air and Space Agency (NASA), na década de 60 já se preocupava e requeria o emprego de comunicação à distância para troca de informações entre os astronautas e a equipe médica que os acompanhava (NASA, 2013; ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD; ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 2016).

Para a NASA, telemedicina contempla a integração de tecnologias de telecomunicação, informação, interface homem-máquina e de cuidados médicos para a melhoria dos cuidados com a saúde em vôos espaciais (EL-KHOURI, 2003; NASA, 2013).

A primeira fase da telemedicina, chamada por Bashshur, Reardon e Shannon de “era da telecomunicação” vai até a década de 80 e evidencia as várias barreiras tecnológicas que limitam a oferta dos serviços sendo dependente da televisão e do rádio para difundir as informações (CÁCERES MÉNDEZ et al., 2011; ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD; ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 2016). Em 1993 a palavra telemedicina é indexada como termo MeSH no Medline (CÁCERES MÉNDEZ et al., 2011). Este período – décadas de 80 e 90, Bashshur, Reardon e Shannon denominam de “era digital”, quando começa a digitalização da informação e a integração em redes de telecomunicação orientadas por protocolos que ampliam a capacidade de transmissão conjunta de sons, imagens e dados de forma rápida (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD; ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 2016). E a época atual é designada pelos autores de “era Internet”, com ampliação e intensificação da anterior, maior acesso e custos menos elevados

(ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD;

ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 2016).

Como termo indexado, telemedicina contempla a oferta de serviços de saúde por meio de telecomunicação à distância (DECS, 2018; MESH, 2018), incluindo consulta interativa e serviços de diagnóstico. Para que isso seja possível, inclui o uso das TIC como veículo para a construção e comunicação de saber e de informações científicas aplicadas à saúde, oportunizando educação na saúde, ampliação do acesso a cuidados em saúde adequados e alcance à informação de qualidade, eliminando a distância e outras barreiras físicas e temporais (ASCENCIO, 2012).

O emprego e as descrições dos termos telemedicina e telessaúde servem à forma como seu uso se dá por diferentes entidades, mas sempre têm a distância como parte do conceito e a busca por favorecer o acesso rápido e seguro a apoio qualificado, levando educação e assistência aonde for necessário (SILVA; MOREL; MORAES, 2014). Para isso necessita uma rede tecnológica estruturante e recursos humanos qualificados e em quantidade suficiente para preparar para seu uso e manter o sistema, que deve sempre respeitar os preceitos éticos, em busca da melhoria dos serviços de saúde prestados.

A American Telemedicine Association (ATA) – uma das primeiras organizações no mundo a se dedicar ao estudo da telemedicina (EL- KHOURI, 2003) relaciona os termos telemedicina e telessaúde, mas destaca a telemedicina como a prestação de cuidados clínicos com o uso de informações médicas para cuidado e educação de paciente ou provedor do cuidado buscando melhorias para o paciente, e a telessaúde como mais ampla, com apoio a áreas remotas, que extrapola os limites da clínica médica (ATA, 2016), com o que corrobora a European Health TelemaTIC

Observatory (EHTO) (EL-KHOURI, 2003).

Para a OMS, a telessaúde trata da interação entre um provedor de cuidados em saúde e um paciente quando ambos se encontram distantes fisicamente, sendo que essa interação pode ocorrer em tempo real (síncrona) ou por meio do armazenamento e encaminhamento posterior de informações (assíncrona) (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016). Estes formatos servem à intenção no uso: tipo de informação a ser passada, natureza e quantidade, urgência na transmissão, condições gerais, recursos, segurança, privacidade (ASCENCIO, 2012). E são apoio para as diversas áreas e especialidades clínicas, administrativas e educacionais em saúde a quem está distante (SILVA, 2013).

O potencial da telessaúde é ampliado quando há legislação para orientar as práticas e interesse no uso em busca de melhorias na assistência a partir de profissionais de saúde capacitados e qualificados (BILL; CRISCI; CANET, 2014). Assim, a telessaúde pode permitir cuidado ao paciente, a promoção de saúde, a educação na saúde e em saúde, prevenção de doenças, vigilância epidemiológica, gerenciamento de serviços de saúde, proteção ambiental (HEAD et al., 2011), colaborar com a melhoria da qualidade do atendimento, possibilitando até o atendimento do paciente que está na própria casa (LEE et al., 2011) e contribuir para o acesso a informações gerais em saúde sem precisar ir até outras cidades (ASCENCIO, 2012).

A ATA propõe uma classificação para os serviços que nomeia como telemedicina (ATA, 2016):

a) cuidados primários e serviços de referência especializada: apoio para cuidados primários que podem ser por meio de consulta com pacientes ou entre profissionais;

b) monitoramento remoto de pacientes: acompanhamento a distância de pacientes que requerem cuidados continuamente, incluindo o repasse de informações clínicas e dados de exames e servindo como complementação de visitas domiciliares;

c) informações médicas e de saúde para as pessoas: uso das TIC para obter informações especializadas de saúde por meio de grupos de discussão on-line;

d) educação médica: critérios e recursos para a formação continuada, especialmente para grupos em locais remotos.

No Brasil, a telessaúde tem seus objetivos atrelados à melhoria da resolubilidade no SUS por meio de tele-educação e teleassistência, com foco na Estratégia Saúde da Família (ESF) (ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DE SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2018).

A Declaração de Tel-Aviv (TEL-AVIV, 1999) trata das responsabilidades e normas éticas para a utilização de telemedicina. No Brasil, o exercício das ações de telessaúde regulamentado pelo Ministério da Saúde por meio do Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes (Telessaúde Brasil Redes) se restringe ao apoio entre profissionais de saúde, não sendo permitida a interação direta entre profissional e paciente a distância (BRASIL, 2012a; SCHMITZ et al., 2017). O Conselho Federal de Medicina (CFM) destaca ainda que a tomada de decisão é de responsabilidade do médico assistente (CFM, 2002), que pode buscar auxílio de outros profissionais por meio da telessaúde. Em relação à regulamentação para utilização de telessaúde, o CFM regulamenta ações de telessaúde por meio de diversas Resoluções CFM: 1.643/2002, 1.931/2009, 1.974/2011, 2.107/2014 e 14/2017, mantendo a impossibilidade da telessaúde em substituição a atendimentos presenciais, mas tem discutido a reformulação da resolução CFM 1.643/2002.

Outros conselhos regulamentadores de classe apresentam algumas publicações disponíveis. O Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) regulamenta o cumprimento de prescrições à distância por meio da Resolução COFEN 225/2000, atualizada por meio das Resoluções 0456/2014 e 487/2015, que incluem e consideram prescrições médicas em atendimento de telessaúde. Os Conselhos Federais de Psicologia (CFP) e de Fonoaudiologia (CFFa) regulamentam atividades de telessaúde nas profissões por meio das Resoluções CFP 11/2018 (que revogou a Resolução CFP 11/2012) e CFFa 427/2013, respectivamente. No caso da Psicologia, a Resolução foi publicada em maio de 2018 e contempla regulamentação para atendimentos e procedimentos entre profissionais de saúde – psicólogos, e pacientes a distância, utilizando teconologias de informação e comunicação. A Fonoaudiologia regulamenta a teleconsulta com restrições à avaliação clínica a distância.

É importante que se discuta mais sobre a regulamentação das práticas e que sejam pensadas de forma ampla a preservação da relação profissional-paciente, a necessidade de infraestrutura de tecnologias para comunicação que aprimore a legalização das práticas e garanta a privacidade dos pacientes e o sigilo na troca das informações, o reconhecimento e financiamento de serviços de telessaúde, e o alcance da telessaúde por meio da compreensão acerca da importância e benefícios possíveis (CÁCERES MÉNDEZ et al., 2011).

No que se refere às barreiras para a implementação da telessaúde, diferentes autores propõem classificações distintas, mas que envolvem centralmente questões técnicas, regulatórias e culturais. Em relação ao âmbito das tecnologias, temos o acesso ainda desigual e insuficiente à infraestrutura necessária e à internet de qualidade, a não interoperabilidade entre os sistemas de informação, a diversidade dos mesmos e a dificuldade para garantir o manejo seguro das informações. No âmbito regulatório temos a falta de políticas sólidas que regulamentem e organizem, por meio de normas claras, as questões éticas, de financiamento e sustentabilidade para o uso dos serviços disponíveis, de forma que assegurem os interesses de todos os atores envolvidos e que contemplem as possibilidades em diferentes cenários. Quanto ao âmbito cultural, temos as dificuldades relacionadas às necessidades de repensar as práticas profissionais, reorganizar os processos de trabalho de equipes multiprofissionais, pensar a relação profissional de saúde/paciente e o insuficiente aparato ético e legal disponível – que torna as práticas inseguras-, e lidar com diferentes opiniões sobre telessaúde e distintas capacidades de profissionais nos serviços para aceitar e utilizar informática (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD; ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 2016; MALDONADO; MARQUES; CRUZ, 2016).

Em relação à implementação da telessaúde como uma política de estado, é necessária a colaboração de diferentes Ministérios, já que a saúde tem dimensões econômica – processo de inovação, acumulação e eficiência econômica-, e social – interesses da população e equidade em saúde como direito de cidadania-, que andam juntas (MALDONADO; MARQUES; CRUZ, 2016). Assim, a telessaúde respeita a organização interna de cada serviço na medida em que promove inovação tecnológica orientada para a realidade, observando a estrutura material, humana e econômica, a capacidade de assimilar, trabalhar e gerir novos conhecimentos de cada local.

Incorporar a telessaúde pode tornar a gestão em saúde mais eficiente quanto aos serviços que oferta, quantos aos seus resultados – promovendo economia de escala, e quanto à prática de recursos humanos, além de favorecer o intercâmbio cultural e a adaptação facilitada das equipes a diferentes situações, já que, conectadas em rede, podem inovar suas práticas e tornar a oferta de serviços mais completa e continuamente atualizada (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD; ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 2016). Então, o sistema público de saúde conectado em rede, qualificado e dinâmico a partir da telessaúde, torna as suas organizações mais qualificadas e competitivas, contudo, interdependentes, interativas e eficazes, com benefícios para seus gestores, trabalhadores e usuários.

3.2 TELESSAÚDE NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: