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3 O MESMO E O DIVERSO: O CONCEITO DE CULTURA NA UNESCO O élan que motivou a constituição da Organização das Nações Unidas para Educação,

4 EM DIREÇÃO À CONVENÇÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL: ANTECEDENTES SÓCIO-HISTÓRICOS

4.2 A OMC E O TEMA DA CULTURA

Tendo em vista a posição central que uma organização como a OMC ocupa hoje na conformação do quadro das instituições internacionais do mundo globalizado, cabe aqui se debruçar mais minuciosamente sobre as características e objetivos desta instituição e seu papel para a deflagração do debate em torno da idéia de diversidade cultural.

A OMC é uma organização internacional relativamente jovem, tendo sido criada através de um acordo em 1994, na ocasião do encerramento do oitavo ciclo de negociações – a antológica Rodada do Uruguai, iniciada em Punta del Este em 1986 e que só conheceu seu fim no ano de 1993 –, rodadas essas que cadenciaram a existência do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT28. A criação da OMC concretiza uma das mais importantes

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O GATT surge no rescaldo do final da Segunda Guerra Mundial, no momento de reestruturação de uma ordem econômica e jurídica internacional, fundada sob o princípio da livre troca. Sua criação é contemporânea ao surgimento de instituições que comporiam o quadro econômico financeiro do pós-guerra, entre elas o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. O GATT foi a saída institucional encontrada pelo sistema internacional de comércio para preencher a lacuna deixada pelo fracasso da criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), em 1948. Inviabilizada pela resistência norte-americana, o projeto da OIC não foi adiante sendo substituída então pelo GATT – uma solução que a princípio seria provisória. Ainda que não tenha se

reformas institucionais que o sistema comercial internacional experimentou desde que começou a ser forjado no ocaso da Segunda Guerra Mundial (JOUNNEAU, 2003, p.27). Ainda que seus moldes administrativo-burocráticos sejam recentes – é apenas em 1995 que ganha o status de uma organização internacional – sua criação é caudatária de uma trajetória mais longa, representando uma história de cinqüenta anos em que as principais potências econômicas mundiais estiveram reunidas, sob a égide do GATT, com o objetivo de estabelecer as normas regulamentadoras do comércio mundial. Hoje, a instituição congrega mais de 140 países, configuração que responde a mais de 96% das transações comerciais efetuadas em escala mundial (CESNIK, 2004).

Nesse sentido, a OMC é uma espécie de prolongamento do antigo GATT, porém agora revestida pelas características institucionais e jurídicas próprias de uma organização internacional, passando a dispor de meios para aplicar acordos, solucionar conflitos, regulamentar e fiscalizar as políticas comerciais internacionais. Dentre as principais missões que lhe foram confiadas, destacam-se: a) assegurar a execução dos acordos comerciais, derivados da Rodada do Uruguai; b) constituir-se num fórum permanente de negociações relativas ao comércio internacional; c) examinar as políticas comerciais dos estados-membros, buscando eliminar possíveis obstáculos às trocas comerciais e d) instaurar um novo procedimento de resolução de controvérsias29 (JOUNNEAU, 2003).

Uma das mais longas rodadas de negociação voltadas para normatizar as trocas comerciais internacionais, a Rodada do Uruguai ganha proeminência no cenário internacional, pois amplia o raio de atuação dos ciclos encetados pelo GATT – antes predominantemente voltado para a regulamentação de tarifas aduaneiras e medidas antidumping – incluindo em seu escopo temas como agricultura, propriedade intelectual, medidas sobre investimentos, serviços (abrangendo atividades da chamada “indústria cultural”) e comércio eletrônico. Esses constituído jurídico-administrativamente como organismo internacional – o GATT é, na verdade, um acordo internacional -, acabou assumindo durante quatro décadas a legitimidade de um fórum internacional voltado para a política comercial. Por não possuir uma arquitetura organizacional consistente (era apenas um acordo), o GATT foi ganhando estofo institucional, através do estabelecimento das rodadas de negociação periódicas. Sendo assim, a partir de 1957, os ciclos de negociação se transformaram em fóruns provisórios onde eram estabelecidas as regras do comércio internacional, até que em 1993, ao fim da Rodada do Uruguai, foi criada a OMC.

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Para um estudo mais aprofundado sobre as histórias, as especificidades institucionais e as principais rodadas de negociação engendradas pela OMC ver: JOUANNEAU (2003).

novos temas passam a ser regulamentados através de acordos específicos, tais como o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) e o Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS).

Enquanto ator social ilustrativo do quadro institucional que se forma no ambiente da globalidade, a inclusão de novas pautas na jurisdição da OMC revela, ao tempo que constitui, as novas feições políticas, econômicas e culturais que hoje conformam a contemporaneidade. A inclusão de novas temáticas portadoras de características tão singulares como o comércio eletrônico e as trocas de bens portadores de sentido, como as obras audiovisuais, livros, revistas, CD’s e congêneres sinalizam o alinhamento da OMC à emergência do fenômeno que alguns estudiosos têm chamado de economia simbólica ou economia da cultura. A transformação na dinâmica do sistema capitalista é um dos significativos dispositivos para a elevação da cultura a um lugar de destaque na agenda mundial. As mutações na forma de auto-remuneração do capital deslocaram a ênfase do paradigma do industrialismo, a força- motora do capitalismo clássico, na contrapartida da ascensão do fenômeno que Manuel Castells cunhou de capitalismo informacional – sistema de produção amparado na “tecnologia de geração de conhecimentos, e processamento da informação e de comunicação de símbolos” (CASTELLS, 1999, p.35). Tal alteração possibilitou a conformação de um terreno fértil para o desenvolvimento das indústrias de bens simbólicos. Hoje o comércio de produtos derivados dessa indústria representa uma portentosa fonte de geração de riqueza. Françoise Benhamou, em sua obra Economia da Cultura (2007), nos fornece a ilustração da efervescência da produção e consumos de bens ligados ao entretenimento e lazer, através de alguns números.

Nos Estados Unidos, o consumo cultural doméstico (livros, equipamentos de audiovisual, instrumentos de música, saídas para o cinema, o teatro e concertos) chegou, em 1995, ao elevado montante de 138,6 milhões de dólares (...). Na França, calcula-se a importância do setor cultural a partir de suas fontes públicas e privadas de financiamento, ou seja, em 2001 12,9 bilhões de euros de gastos públicos, 0,2 bilhão de mecenato e 34,1 bilhões de despesas das famílias (incluindo compras de jornais e revistas) (BENHAMOU, 2007, p.21).

Não é por acaso que os Estados Unidos são tão ciosos em relação à sua “fábrica de fantasia” representada pelas produções hollywoodianas. A indústria do entretenimento comparece hoje como um dos setores mais importantes no conjunto das trocas comerciais que os Estados Unidos travam com outros países, perdendo apenas para indústria aeroespacial.

Desse modo, não poderiam deixar de contemplar no rol de seus interesses comerciais internacionais o tema relativo às negociações de bens e serviços culturais – um setor tão significativo para sua economia. Sendo fiéis à sua tradição liberalista, os Estados Unidos não pouparam esforços para levar o tema da liberalização dos bens e serviços culturais (essencialmente o audiovisual) para a grande arena das trocas comerciais internacionais, a OMC. Assim, no início dos anos noventa, a delegação americana, contando com o apoio de alguns países como o Japão, estabeleceu como demanda que os filmes e programas audiovisuais figurassem na lista de produtos a serem comercializados internacionalmente, sob as regras da livre-troca praticadas no âmbito da OMC.