• Nenhum resultado encontrado

O TRAJETO DO PROJETO DA CONVENÇÃO NO INTERIOR DA UNSECO Como vimos anteriormente, no conjunto de sua atividade normativa, a Unesco pode

3 O MESMO E O DIVERSO: O CONCEITO DE CULTURA NA UNESCO O élan que motivou a constituição da Organização das Nações Unidas para Educação,

5 RITUAIS E PERFORMANCES: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA CONVENÇÃO

5.2 O TRAJETO DO PROJETO DA CONVENÇÃO NO INTERIOR DA UNSECO Como vimos anteriormente, no conjunto de sua atividade normativa, a Unesco pode

lançar mão de modalidades diferenciadas de instrumentos internacionais (convenções, declarações, recomendações) para criar marcos regulatórios sobre questões que possam a vir a ganhar o status de interesse multilateralizável entre os seus Estados-membros. Ao optar pela elaboração de uma convenção o que se busca é estabelecer um acordo entre as partes envolvidas, através do estabelecimento de compromissos jurídicos obrigatórios de modo a contemplar a vontade em comum que mobiliza os Estados. A partir do momento em que um tratado é ratificado ou aprovado pelos Estados signatários, ele passa a ser incorporado ao direito interno de cada um desses países, passando então a ter força legal.

Como nos lembra Fonseca Junior (2008, p.23), a atividade de cooperação internacional – tarefa que dá sentido mesmo às ações das agências-satélites que gravitam em torno da ONU – pressupõe a “criação de regras gerais que mostram como coletivizar interesses particulares”. Nos lembra ainda o autor que os organismos internacionais são criações dos próprios Estados para atender seus interesses. Contudo, paradoxalmente, os serviços prestados por instituições

multilaterais têm natureza coletiva, e, em tese, seus resultados devem beneficiar todos os seus Estados-membros. Nesse sentido, a tensa busca de equilíbrio dos distintos interesses entre os membros, através da execução de complexos processos negociadores, é o diapasão que marca a lógica mesma de funcionamento das organizações multilaterais. Para que um projeto de um instrumento normativo internacional, tal qual o da convenção da diversidade cultural, seja gerado e negociado no interior de uma organização como a Unesco, um longo e intricado percurso deve ser trilhado de modo a contemplar o cumprimento de várias etapas, dos protocolos e dos expedientes burocráticos que lhe constituem, garantindo assim uma moldura procedimental que atenda a acomodação dos diferentes interesses que mobilizam os seus distintos Estados- membros.

O processo de elaboração de convenções no âmbito da Unesco segue regras de procedimento preestabelecidas no artigo IV do seu Ato Constitutivo (Unesco, 2002). A norma descreve as etapas e os procedimentos necessários aos desdobramentos de um projeto de convenção no interior da instituição. As seguintes etapas devem ser cumpridas rumo à oficialização de uma convenção internacional: a) Elaboração de um estudo preliminar sobre os aspectos técnicos e jurídicos acerca da questão a ser regulada; b) Submissão do referido estudo a um exame prévio por parte do Conselho Executivo52 que, por sua vez, deverá indicar que a questão componha a agenda da Conferência Geral; c) Pronunciamento da Conferência Geral sobre a pertinência do tema, bem como sobre a forma que o regulamento deverá tomar (convenção ou recomendação); d) Elaboração pelo Diretor Geral de um relatório preliminar situando o estado da arte da questão a ser regulamentada e possível definição do escopo do instrumento; e) Abertura do processo negociador, através do qual os Estados membros são

52

Administrativamente, a Unesco é composta por três principais instâncias: a) Conferência Geral (CG) dos Estados Membros: órgão supremo da Unesco, reúne-se a cada dois anos e é responsável por determinar a orientação e as grandes linhas de conduta da instituição. Seguindo o princípio de um voto por país, a CG aprova o Programa e o Orçamento da organização, convoca as conferências internacionais, adota como documentos substantivos que sejam apresentados em sua plenária e elege os membros do Conselho Executivo e nomeia o Diretor Geral; b) O Conselho Executivo, composto de 58 representantes dos Estados Membros, reúne-se duas vezes por ano. Atuando como conselho administrativo da instituição, prepara o trabalho da Conferência Geral e é responsável pela execução efetiva das decisões da Conferência; c) O Secretariado é o braço executivo da organização. Sob a autoridade do Diretor Geral,o mais alto funcionário da organização, eleito para um mandato de seis anos, seus funcionários implementam o programa adotado pelos Estados-membros (UNESCO, 1987, p.XII).

convidados a emitir comentários e observações sobre o relatório, f) Redação de um relatório final por parte do Diretor Geral, contendo os resultados das negociações; g) Exame do relatório final pela Conferência Geral, e sendo o caso, a adoção do instrumento.

Ora, pode-se deduzir, então, que existe um ordenamento no desencadeamento desse processo, no qual os protocolos são formalizados e prescritos, fato que lhe confere uma certa sistematicidade e estrutura típica de um evento socialmente estruturado, constituído de hierarquias, atos e ritos específicos. Esta ordem estruturada nos fez optar então por tomar a dinâmica do processo de criação e elaboração da Convenção da Diversidade Cultural ao modo de um ritual, compreendido aqui na perspectiva, já evocada, de Mariza Peirano (2002). Um ritual em que as liturgias são performatizadas por seus diferentes agentes (intelectuais, ONG’s, redes sociais, delegações dos países-membros), engendrando, por sua vez, específicas visões de mundo. Funcionando como uma espécie de microcosmo social, o ritual encenado durante as negociações em torno do instrumento jurídico dedicado à promoção e proteção das expressões culturais, revela, acentua e amplifica as ambigüidades, contradições e disputa de interesses em torno da definição de um status para os bens culturais – contenda essa que se amplifica em escala macrossocial num momento histórico em que as expressões humanas ganham uma evidência talvez jamais presenciada com tamanha intensidade, catapultando assim a questão cultural a uma pauta candente para a agenda política internacional.

O objetivo a partir de agora é apresentar as principais etapas que o projeto da Convenção trilhou no interior da Unesco de modo a oferecer um cenário sobre seus bastidores. Parte-se aqui do pressuposto de que os expedientes burocráticos comparecem como uma interessante fonte de pistas para a compreensão do fenômeno que se quer aqui analisar, uma vez que eles se constituem na representação mesma dos rituais encenados. Para isso, será analisado um manancial significativo de documentos originados nas incontáveis reuniões realizadas nas mais diferentes esferas (Comitê de peritos independentes, Comitê de especialistas intergovernamentais, Comitê de redação, Conferência Geral) que englobaram o percurso do projeto da Convenção. Cabe ressaltar a expertise da organização no trato do registro de seus atos. É de fato impressionante a capacidade que a Unesco tem em registrar seus expedientes, gerando um volume substancioso de informação, e em última instância, de registro e preservação da sua memória. As principais etapas que conformam o complexo

processo que originou o instrumento estão todas registradas em uma caudalosa quantidade de relatórios e documentos, fato que facilita em grande medida a análise dos meandros que permearam o processo. Essa rica base de dados subsidiará a nossa análise a partir de agora.

O processo que culminou na promulgação da Convenção em 2005 levou dois anos para ser finalizado e ainda assim foi considerado célere por muitos especialistas, tendo em vista sua complexidade. Um longo caminho foi percorrido de modo a cumprir todas as etapas burocráticas que o processo exigia, implicando assim em longas e laboriosas rodadas de negociação nas diferentes instâncias e órgãos da instituição. Com o intuito de facilitar a compreensão do leitor sobre a emaranhada dinâmica de elaboração da Convenção, criamos um fluxograma de modo a ilustrar suas principais etapas, conforme Figura 1.

1º Etapa – ABR/2003 166ª Reunião do Conselho Executivo 2º Etapa – OUT/2003 32ª Sessão da Conferência Geral

3º Etapa – FEV a JUN/2003 Reunião de Peritos Independentes (3 sessões)

4º Etapa – SET/2004 a JUN/2005 Convocação da Reunião de Peritos Intergovernamentais

Procedimento:

Análise do documento “Estudo preliminar sobre os aspectos técnicos e jurídicos relativos à oportunidade de um instrumento normativo sobre a