/! O historiador trabalha sobre o passado, mesm o /que proximo, isto é, sobre o que está abolido. Não que
ele conceba sua prática unicamente como uma espé- cie de retorno das cinzas do passado a um presente " ! que s,eria totalmente desconectado daquele. Bem ao contrano, esse historiador, qualquer que seja sua es pe cia lid ad e cro nol ógi ca, be be em se u pr es en te e, lo n-
8u f ensar que "é de nenhum tempo e de país ne nh um ”, ele sabe que está ligado por múltiplas fibras a seu tempo e a comunidade à qual pertence . Podería mos, de sobra, multiplicar os exemplos. Limito-me aqui a constatação, significativa, do impacto da guer ra sobre a obra de grandes historiadores, trabalhando de resto, em domínios cronológicos afastados uns dos outros. Em dezembro de 1991, Philippe Contamine, quando da cerimônia de sua recepção no Instituto, as sinalava explicitamente em seu discurso que, perten cendo a geração da guerra da Argélia, e tendo servido na Argélia, esse episódio de sua vida tinha tido um pe so na esc olh a d e se u te m a e s eu ca m po de est ud o: a guerra dos Cem Anos7. A correlação entre o historia- or e sua própria história - mesmo se esta só consti tui um parâmetro - é, portanto, real aqui, e o fato é
L ?hlIlP/ e C°ntamine' Guerre, Eta t et société à la fin du Moyen Age. Etudes sur les armées des rois de France,1337 - 1494, Paris, La Haye, Mouton, 1972, XXXVIII - 75 7 p Como síntese dos amplos e fecundos trabalhos de Philippe Contamine, poderemos reportar-nos a seus capítulos no tomo I da Histoire militaire de la France
pubhca da sob su a dir eção (Paris, PUF, 1992).
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tanto mais notável quanto não diz respeito a um his toriador do presente, mas a um medievahsta .
Outro exemplo, Antoine Prost, que, na intro dução de sua tese dedicada aos antigos combatentes na sociedade francesa do entre-guerras, diz também até que ponto sua participação na guerra da Argélia teve um papel em seu interese e depois na com preen são de um a ou tra geração do fogo5, aquela da G rande Guerra. No calor desse conflito, também, forjaram-se fortes reflexões de historiadores. Relendo, por exem plo , a li ção in au gu ra l d e L uci en Fe bv re na Um ver sid a-
8 A primeira frase da introdução de sua tese j a evo cava por antífrase, "a experiên cia vivida : Se eu deixo de lado o essencial, ou seja, o papel das expe riências vividas, o peso dos problemas contemporâ neos, na origem desse livro coloca-se a leitura de A arte militar e os exércitos na Idade Média na Europa e no Oriente Próximo "(Estado e sociedade..., ref. cit., p. influência do livro de Ferdinand Lot não foi, portan to mais decisiva, de fato, que suas "expenenci as vi vidas" - sem dúvida Philippe Contamine pensa t am bém na de seu pai Henry Contam ine, grande espe cialista em história militar e antigo combatente na Grande Guerra - nem mais decisiva que o impac to dos "problemas contemporâneos".
9 Antoine Prost, Le anciens combatants et la societe française 1914-1939, vol. 1, Histoire, Paris, Presse de la
Fondation nationale des sciences politiques, 1977. A introdução (Op. cit., p. 1) começa com estas palavras "É preciso confessá-lo? A idéia desta obra nasceu na Argélia". E o autor relata: "Por mais breve e limitada que tenha sido, minha experiência argelma me per mitiu imaginar o que foi, na sua rea idade vm da a guerra de 1914" (ibid.). A mesma palavra, portanto, que Philippe Contamine, "experiência".
de de Estrasburg o no reinicio de 19 1910, comp reend e- se melhor por que , dez anos mais tarde, e no decur so dos anos 1930, os Ann ales trouxeram um firme in teresse pela história de seu tempo.
, . . A Portanto' um fato incontestável: o contexto historico influi sobre as orientações historiográficas, e isso quaisquer que sejam os períodos estudados. Mas as relações entre u m e outro n ão se restringem a tal in- tluencia. Tambem a observação desse contexto históri co ajuda o historiador na sua compreensão dos fenô menos que estuda. Permito-me, a esse respeito, intro duzir uma nota pessoal nesse texto. Para a preparação de min ha tese, eu trabalhei sobre os alunos dos cursos que preparam para a École Normale Supérieure e nor- malistas dos anos 1920, isto é, com jovens que eu pe gava com a idade de 18 a 20 anos e que seguia em seus engajamentos cívicos, no curso dos anos 1930 quando eles tinham entre 25 e 35 anos“. Ora, os onze anos de preparo dessa tese fizeram com que eu traba lhasse sobre esses jovens intelectuais qu ando tinha en- trC2a C? 6 an0S- Havia' P°rta nto, já uma concom itân cia de idade, observação em si banal se não se acres centa que essa tese foi preparada en tre 1974 el985 pe rí od o qu e viu su rgi r a pa rt ir de 197 9 um a "se gu nd a
guerra fria". É a época em qu e a União Soviética pare ce ir de vento em popa, nas relações de força geoestra- tegicas (Jean-François Revel, Comment les démocraties
10 Lucien Febvre, "L'histoire dans le monde en rumes", aula de abertura do curso de história moder na na Universidade de Estrasburgo em 4 de dezem bro de 1919, Revue de synthèse historique, t. XXX n 88
fevereir o de 1920, pp. 1-15. ' ' ' 11 Jean-François Sirinelli, Génération intellectuelle Khagneux et normaliens dans l'entre-deux-guerres,Paris Fayard, 1988 (tese defendida em 1986).
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finisse nt,19 83) , e em que a Europa do Oeste oscila en tre uma atitude de firmeza - instalaçao dos mísseis Pershing - e tentações de fraqueza. Ora, os jovens in telectuais sobre os quais eu trabalhava tmham sido, nos anos 1930, confrontados com a ascensao do feno- meno totalitário e com as provocaçoes hitlenanas. Diante desse duplo desafio, providos de um a especie de ba ga gem ge né tic a pac ifis ta he rd ad a de seu s en ga ja
mentos da década precedente, eles se encontrarao di lacerados entre fidelidades tornadas contraditórias. Se gurame nte, o contexto histórico no qual eu circulava e a correspondência de idade com os atores estudados me ajudaram a compreender e perceber melhor a in tensidade dos importúnios aos quais foram submetidos esses atores.
Nes se i nv en tá ri o de rel açõ es en tr e co nt ex to hi s tórico e historiografia, a prática comemorativa é cru- dal. De certo modo ela é, de fato, um fenomeno de contexto histórico, uma vez que a decisão de come mo rar é um a decisão política. Ao mesm o tempo ela engendra, por indução, orientações histonograficas que podem, por sua vez, influir sobre o contexto cívi co, ou, pelo menos, contribuir para esclarece-lo. Na sua contribuição ao primeiro tomo das atas do colo- quio internacional organizado em 1990 pelo Institut Charles d e Ga ulle12, Pierre Nora insistia na densid ade do fenômeno comemorativo em três ou quatro anos: milênio capetíngeo, bicentenário da revoiuçaoem
1989, centenário do general de Gaulle em
pr op ós ito des se ce nt en ár io , ele m os tra va ta m be m como um a reflexão histórica sobre o gaullismo, vivih- 12 Pierre Nora, "L'historien devant de Gaulle" em De Gaulle en son siècle, 1.1., Dans la mémoire des hommes et
des peuples,Paris, La Documentation française - Pion, 1991, pp. 172-178.
cada pela efervescência comemorativa, podia desem bo ca r n u m "di agn ós tic o so bre a id en ti da de po lít ica da
França e finalmente (em) uma m aneira nova de enca rar as relações dos franceses com o poder e su a própria representação, numa palavra, com seu passado, seus sonhos e sua memória". A comemoração, produto - diferenciado - de uma história, pode estimular e reno var um a historiografia que por sua vez pode influen ciar na história ou, pelo menos, na representação que dela se fazem os franceses. O rastro de um aconteci mento ou o rastilho da ação de um h omem de Estado são amplificados pela comemoração e, assim reativa dos, podem agir de novo, indiretamente e por canais complexos, sobre a história de seu te mp o.13
Tudo o que expus acima demonstra, de um lado, que o papel do presente no ofício do historiador é inegável, mas que, de outro lado, as relações presen- te-historiografia não são unívocas. E, portanto, em vez de formular votos piedosos para que surja uma ciência histórica que, tal como um a pepita, poderia ser limpa da ganga lamacenta da história circunvizi nha - votos estes que estariam mais para o feitiço -, mais vale assumir o que chamamos comumente de subjetividade. A consciência dessa subjetividade per mite ao mesmo tempo freá-la - o historiador, insisti mos nisso, dominando seu "tempo" com seu "ofício", no sentido técnico do termo - e como vimos, utilizar- se dela quando pode ajudar na reflexão histórica. Há, po rt an to , de fat o, um a esp éci e de dia lét ica a m an te r
com o contexto histórico.
13 Sobre a produção suscitada pelo centenário de De Gaulle, cf. o recenseamento ao mesmo tempo que a análise propostos por Oscar Rudelle, L'année De Gaulle en France", Tocqueville Review, 1992, a publicar.
Com a condição, seguramente, de saber abs trair-se quando u m "tempo" mal dominado pelo his toriador leva ao risco de induzi-lo ao erro, falseando a pe rs pe cti va . Ass im, no lim iar dos ano s 1950 , qu an do a direita francesa parecia uma corrente durável e, tal vez, definitivamente enfraquecida, René Rémond fa zia,’no mom ento de começar La Droite en France, esse esforço de abstração com relação à percepção comum da ma ior parte de seus con temp orâneo s14. E quando, em junho de 1951, a direita moderada obtém mais de uma centena de deputados na Assembléia e volta a ser um ator essencial do jogo político, é na con tra-corren- te de uma outra opinião difundida, a do enterro defi nitivo da clivagem esquerda-direita, que ele precisará ir. Assim Jean-Jacques Servan Schreiber escrevia em 1953, a propósito dessa clivagem: "Fora os parlam en tares, mais ninguém compreende o que isto quer di zer. Na verdade, é um a língua morta" (Le Monde, 24 de ja ne ir o de 195 3). O h is to ria do r é t am bé m aq ue le qu e,
às vezes, não dá crédito automaticamente às crônicas de uma morte anunciada, sabendo por experiência que os fenôm enos históricos são, salvo fratura revolu cionária ou militar, de forte inércia e, portanto, de combu stão lenta 15. Quan do o "tempo" no qua l ele cir- 14 A obra foi escrita "entre 1951 e 1953"(cf. o "Pre fácio da quarta edição", Les droites en France, Paris, Aubier, 1982, p. 9).
15 A observação continua válida para uma outra
Histoire des droites, minha e de Eric Vigne, coletiva, co meçada em 1987-1988, num momento em que nu merosos observadores concluíam pela provável co bert ura do fosso entr e esque rda e d ireita (cf. sobre este ponto minha introdução geral no tomo I dessa
Histoire des droites en France, a publicar, com os dois outros tomos, no outono de 1992 pela Gallimard).
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