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Agnes Chauveau & Philippe Tetart (Orgs) - Questoes Para A Historia Do Presente.pdf

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Chauveau, Agnès Chauveau, Agnès

Questões para a história do presente / Agnès Questões para a história do presente / Agnès Chauveau, Philippe Tétart; Tradução Il

Chauveau, Philippe Tétart; Tradução Ilka Stern ka Stern Cohen._ Cohen._   _ Ba

 _ Ba uruuru , , SP: EDUSC, SP: EDUSC, 19991999 132 p.; 21 cm.

132 p.; 21 cm. _ __ _ (Coleção História)(Coleção História) ISBN 85-86259-99-3

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1. HistóriaHistória -Filosof-Filosof ia. I. ia. I. TétartTétart , Philippe. D, Philippe. D. . Título.Título. Hl. Série Hl. Série CDD 901 CDD 901 ISBN 2-87027-458-0 (original) ISBN 2-87027-458-0 (original) Copyright O

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Questões para a História do presente

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Podese fazer uma história do presente?

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73 Ideologia, tempo e história - por Jean-

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Jean-François Sirinelli

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93 A visão dos outros: um medievalista

A visão dos outros: um medievalista

diante do presente - por Jacques Le Goff 

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1033 Questões para as fontes do presente - por 

Questões para as fontes do presente - por 

Robert Frank 

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—119 Entre história e jornalismo - por Jean-

Entre história e jornalismo - por

Jean-Pierre Rioux

Pierre Rioux

127

127 Conclusão - por Serge Bernstein e Pierre

Conclusão - por Serge Bernstein e Pierre

Milza

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capítulo 1

QUESTÕES PARA A

HISTÓRIA DO PRESENTE

 po r Ag nès CHAUV EAU e P hil ipp e TÉTART

*Seria vão tentarmos nos tomar nosso próprio historia dor: o historiador é também criatura histórica

 Jean Pau l Sartre1

O imediatismo do trabalho histórico diante da história a acontecer, do fato, a presença ainda prenhe dos fatos no que chamamos de história imediata, de história próxima ou de história do presente, colocam num erosos problem as metodológicos, epistemológicos e, em certos aspectos, deontológicos.

Em sua relação com a história, na sua maneira de fazer história - de fazer a história - o homem, o ci dadão, intervêm como o cientista. Qual é então a par te de "verdade" não histórica? Qual pode ser a na  tureza da deformação da análise e que elementos con correm para esta deformação? Quais são os jogos de influência entre os climas ideológicos e os contextos históricos? Qual é sua parte de responsabilidade na emergência e na afirmação dos movimentos históricos e historiográficos? Enfim, há um a responsabilidade do historiador em seu papel cada vez mais valorizado de comentarista do presente ou do imediato?

1In Situations II, Gallimard, 1964, p. 41.

(6)

f

Tais são as questões às quais os historiadores aqui reunidos tentarão responder e que permitirão abrir pistas a fim de apreen der a epistemologia da his tória do p resente2.

Questionar a história do presente de maneira exaustiva exigiria, entretanto, um verdadeiro aprofun damento comparativo das diferentes vias de pesquisa  pr óp rio s à epi ste mo log ia, à h ist ori ogr afi a ou à m et od o

logia de nossa especialidade. Para ser completo, seria  poi s nec es sár io de te rm in ar um pr oj eto ma is va sto qu e aproximasse e confrontasse testemunhos e análises mu ito numerosos de historiadores - um corpo tem áti co e arquivístico representativo. Tal estudo deman da ria igualmente a intervenção de não-historiadores,  poi s as coisa s nã o po de m ser des cri tas so m en te de se u interior. Enfim, seria necessário considerar o indivi dualismo metodológico de cada historiador, particula-rismos das escolas, dimensão extranacional.

 Nã o é est a no ssa in ten çã o e es ta co ntr ibu içã o constitui uma afinação visando fazer o historiador pro gredir na com preensão e na prática de sua disciplina. O objetivo deste estudo não é, antes de tudo, o de lhe fornecer um instrumento teórico, mas o de propor-lhe uma percepção renovada da história do presente. Além disso, esse deveria permitir melhor mensurar a  pr es en ça do hi st or ia do r e m seu tem po , ass im com o as conseqüências dessa relação, qu e nós declinaríamos de modo interrogativo: climas ideológicos, modas histo-riográficas, culturais, orientações científicas.

2 Sob esta fórmula não exclusiva, agrupamos a his tória imediata, a história próxima e a história do  presente.

8

O ATESTADO HISTORIOGRÁFICO

Comecemos por debruçar-nos sobre a historio grafia e a genealogia da história do presente. Dois ei xos determinam esta primeira observação: de um lado a dimensão epistemológica e metodológica, de outro o aspecto historiográfico, universitário e social da afir mação do presente.

Para o primeiro ponto, é inevitável constatar que, no fim dos anos 70, a investigação metodológica e epistemológica voltou-se essencialmente para o es tudo d a Nova História, herdeira dos Anna les de Lucien Febvre e Marc Bloch. Se tomarmos as três obras fun damentais que balizam essa interrogação: Faire de VHistoire  em 1974,  La nouvelle histoire  em 1978 e

 La teli er de Vhistoire  em 1982, veremos que o presente nelas é quase inexiste nte3.

Por que essa ausência? Pensamos que primeira me nte essas diferentes obras são o trabalho de medie-valistas e modernistas que se interessaram sobretudo  po r s eu s p ró pr ios cam po s. Ma s, an te s diss o, se m dú vi 

da é preciso considerar o próprio procedimento da História nova. Considerando as estruturas duráveis como mais reais e mais determinantes que os aciden tes de conjuntura, os fenômenos de longa duração como mais decisivos do que os movimentos de curto alcance, erodindo a cadeia factual com o propósito de

3 Faire de l’histoire,  sob a direção de Pierre Nora e Jacques Le Goff, très volumes, Gallimard, 1974 [edi ção brasileira pela Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1976. N. do T.] ; La nouvelle histoire,

sob a direção de Jacques Le Goff, Retz, 1978 (nova edição, Complexe, 1988) ;  L'atelier de l ’histoire,

François Furet, Flammarion, 1982.

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substituí-la pelo sentido econôm ico e social do tempo, essa "escola" histórica ignorou freqüentemente o con temporâneo, a fortiorio presen te e imediato.

Mas o problema ultrapassa largamente o dos tempos históricos. Questão de hegemonia ou exclusi vamente de escolas? Incompreensão ou desinteresse? Todos esses elementos puderam contribuir para a si tuação de ruptura entre o presente e a escola históri ca dominante, além de que, durante os anos 70, o do mínio da história do presente era, sem dúvida, muito novo, ou muito pouco cristalizado no plano editorial,  po r ex em pl o, pa ra ir co nt ra esse es tad o de fat o.

Entre tanto, os pais dos Ann ales tinham dado um lugar particular ao imediato, ao presente e mesmo ao  pol ític o. Ma rc Bl och esc revi a: in co m pr ee ns ão do  pa ssa do na sc e afi na l da ig no rân ci a do pr es en te ." Quanto a Lucien Febvre, num curso intitulado "A His tória na vida contemporânea", / ele afirmava que "a análise do presente" podia d ar "a régua e o compasso" à pesquisa histórica4. Os Annales d'Histoire économique et sociale faziam eco a essa análise. No curso dos anos 30, encontra-s e aí um a série de artigos tratand o da evolução política da Alem anha e do fascismo europeu. Assim, em 1934, aparecia um artigo de Borkenau: "Fascisme et syndicalisme". Nessa ocasião, Febvre es crevia a Bloch: "Eu adociquei algumas fórmulas para não assustar a casa editora (alusões a Arm and Collin). De resto ele (o artigo) não é nem um pouco brilhante mas evid entem ente mu ito atual"5. Este exemplo, ao

4 Peter Schõttler, Lucie Varga. Les autorités invisibles,

Cerf, 1992, p. 101. O curso teve lugar no Collège de France na primavera de 1936.

5 Peter Scottler, ibid., p. 29.

mesmo tempo em que mostra a parcela de descon fiança com relação ao estudo do presente, revela bem o interesse que então se voltava para as lições de uma história do presente.

Foi, portanto, a despeito de um interesse inicial convicto que a Nova História ignorou o presente, dei-xando-o "sob controle"- para retomar a expressão de René Rémond. Essa ignorância conheceu ainda notá  veis exceções, pois foi no próprio interior da citade-la, com o acordo e a participação de Pierre Nora e Jacques Le Goff, que tiveram lugar duas reflexões es senciais sobre o presen te. Provas disso são o artigo de Pierre Nora , "Le retour de l'événement", páginas ca  pit ais pü bl ica da s em Faire de VHistoire, e o capítulo de Jean Lacouture: *L' Histoire immédiate", p áginas sim  ból ica s pu bl ica da s em La Nouvelle Histoire  (que consti tuem o único ensaio sobre a noção de imediato). As sim, em 1978, às vésperas do nascime nto do Institut d'Histoire du Temps Présent e do Institut d'Histoire Moderne et Contemporaine, só dois artigos notórios tinham sido publicados. Nesse mesmo ano, em seu  pre fác io a La Nouvelle Histoire,  e à época em que ocu  pa va co m R en é R ém on d o nú cl eo da com iss ão qu e

discutia a c riação do IHTP, Jacques Le Goff reafirmava , entretanto, que a história do presente é freqüente mente melhor feita pelos sociólogos, politólogos, al guns grandes jornalistas, do que pelos historiadores.

Em decorrência dessa divisão bastante parado xal, evitou-se largamente a problemática do presente e há um desequilíbrio entre o estudo dos tempos his tóricos em geral e o do nosso tempo e das questões que lhe são inerentes.

Há mais ou menos quinze anos, entretanto, essa ignorância recuou de modo singular e a aproxi mação se efetua por meio de um a interrogação meto 

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dológica e historiográfica tomada comum: o interesse  pe las m en ta lid ad es , pe lo po lít ico e p el o cu lt ur al tr an s

cendend o as sociabilidades dos historiadores6. Com efeito, num movimento que não se pode dissociar dos "retornos" (retorno do fato, retorno do  pol íti co) , em erg ia um a pr eo cu pa çã o cr es ce nt e co m o estudo do passado próximo e com o imediato7. Ora, esse movim ento finca raízes bem antes destes anos 80. O pós-guerra e os anos 50 tinham enterrado duas as sociações consideradas, desde os anos 20, como pro fundamente antinômicas: História e imediato, História e presente8. Trata-se pois de um movimento em pro 6 Uma transcendência que devemos igualmente aproximar da complementaridade cada vez mais marcada e voluntária da história, da sociologia, da  politologia ainda que a incom preens ão de princípio  persista freq üente ment e.

7 O que não significa retorno à história política posi tivista, o u u m retrocesso.

8 Não se deve, no entanto, fazer disso uma regra. As sim, a Histoire de France contemporaine, editada por La-rousse em 1916 cobre o período 1871 /1913. A exem  plo de outras obras, an terio res ou não, lê-se no pre  fácio: "A história contemporânea é, como se disse muitas vezes, aquela que menos conhecemos. Os fa tos que lhe darão no futuro sua fisionomia destacam-se confusamente, primeiro do caos de informações contraditórias e tendenciosas, e é lentamente, à luz dos documentos dos arquivos, que aparecem distin tamente as idéias mestras nas quais se inspiraram os homens de Estado e as caraterísticas da sociedade na qual eles viveram. Um autor de boa fé pode, entre tanto, expor os acontecimentos contemporâneos tal como lhe parecem e, sem pretender fazer uma obra  pur ame nte objetiva, ter a pre ocupaç ão const ante de

não ferir qualquer convicção."

12

fundidade, não de uma atitude científica pontual; até essa época , o interesse pelo tempo próximo nã o tinh a sido traduzido pela afirmação de um novo campo científico.

Podem-se fixar algumas referências cronológi cas representativas dessa dupla afirmação do imediato e do presente. Depois que muitos universitários e in telectuais inauguraram o costume das análises ime diatas na imprensa, no centro dessa abundância de re vistas e periódicos do pós-guerra, foi a vez da Univer sidade de patente ar o presente. No meio dos anos 50, o trabalho inovador de René Rémond sobre as direi tas, por mais isolado que fosse, recebia uma acolhida favorável e emblemática. Sabe-se, aliás, qua l é o papel de René Rém ond na promoção e na defesa da história do presente.

Em 1963, Jean Lacouture lançav a a coleção " A História imediata" enquanto se tomava o hábito de es tender a pesquisa contemporânea aos anos muito pró ximos (particularmente os anos 30 e o pós-guerra).  No de co rr er dos an os 70, a his tor iog raf ia do pe río do  po st er io r a 1945 se de sd ob rav a à m ed id a qu e alg un s dos talentos marcantes da história do político e do  pr es en te ac ab av am sua s tes es. En fim , em 1978 , o CNRS decidia a criação do IHTP e do IHMC, concreti zando assim o caminho percorrido e as novas aspira ções, as novas necessidades.

OS

VETORES DE UMA AFIRMAÇÃO

Essa cronologia e essas observações historiográ-ficas muito breves mascaram vários fatores conjuga dos que favoreceram a afirmação depois a expansão da história do presente.

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 Ness e pro ces so, o es tu do do pol ític o, o re to rn o da história política tiveram e têm ainda um papel aglutinador e dinâmico. Entretanto, o presente e o imediato não podem nem devem limitar-se à história renovada do político, mesmo que esta aja como um agente dinamizador9.

Antes de tudo,^a história é mutável, e não se  po de lim ita r a in te rr og aç ão so br e o pr es en te so m en te aos campos, aos métodos, às teorias do político. jQual-quer obra sobre o político e a história política não  po de tr az er se nã o re sp ost as par cia is. Ou en tã o ser ia necessário considerar, num movimento extensivo, que o político é a chave de tudo; mas se ele é dete r minante, a transcendência é tal entre os campos so cial, econômico, intelectual, cultural, que não nos po deríamos prender às referências epistemológicas e metodológicas propostas por um só entre eles.

Deve-se, no en tanto, pond erar esse julgamento na medida em que é verdade que a história política aparece como ponto de partida e de ligação desse fe nômeno de transcendência. Aliás, em numerosas abordagens de historiadores, o político leva ao cultu ral, à opinião, etc.; inversame nte, o econôm ico e o so cial podem determinar um desvio para o político, que aglutina o presente. Cada campo conexo guarda, en tretanto , sua autono m ia.10Mais simplesmente, não se deve esquecer que os historiadores do político consti tuíram a vangua rda da história do presente.

9 Cf. René Rémond.Pour une histoire politique.  Seuil, 1998, pp. 7-31. [edição brasileira pela Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1996.N. do T.] Ver igualmente a contribuição do mesmo autor nesta obra.

10 Cf. René Rémond,ibid., p. 25.

O retorno do político desempenhou, pois, cien tifica e intelectualmente, um papel essencial na afir mação da história do presente. Se deixamos aqui em suspenso a história do imediato, é porque ela nos pa rece antes de tudo tributária dos dois outros fatores que determinaram o desabrochar da história do pre sente: o impacto "de geração" e o fenômeno concomi tante de demanda social.

O primeiro ponto é um elemento fundamental na evolução historiográfica e científica que acabamos de descrever. Como mostrava recentemente Jean-Pierre Rioux , a afirmação da história do presente é um fenôm eno de geração11. Quer nos coloqu emos do lado de uma história imediata para os jornalistas, po-litólogos, sociólogos, ou do lado da história do p resen  te para os historiadores e alguns outros especialistas, nota-se um efeito "de geração" muito nítido. Um fa tor é comum às diferentes profissões: o impacto dos acontecimentos deste último século sobre os homens e sobre sua vontade de "reagir", isto é, de tenta r expli car o presente. Mas pode-se também determinar fa tores próprios a cada profissão. Para os jornalistas, adiantaremos, entre outras razões, o papel da decom  pos içã o da im pr en sa no s an os 30 e o su bs eq üe nt e de  sejo de propor, desde 1945, um comentário m ais rigo roso do presente, do imediato. Para os historiadores, trata-se, sobretudo, como dizíamos acima, da germi nação de um pressuposto metodológico maior: a his tória não é somente o estudo do passado, ela também  po de ser, co m um m en or re cu o e m ét od os pa rt ic ul a

res, o estudo do presente.

11 Cf. Jean-Pie rre Rioux, pp. 192-204 in Histoire et  médias. Journalisme et journalistes français 1950/1990 ;

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Essa evolução induz uma novidade essencial que não se pode omitir na observação da história do  pr es en te : a co nc or dâ nc ia cro no lóg ica en tr e a "ba na li-zação" dos estudos tratando do período posterior a 1945 e o fato de que hoje os historiadores não" se re cusam mais a trabalhar sobre os acontecimentos que  pu de ra m vive r. Essa sin gu la rid ad e no s lev a a ref let ir sobre a natureza dessa presença física do historiador em

seu tempo e noseu tema. Essa questão nos ajuda na de finição da história do presente e, integrando uma di men são "da geração", permite antes de tudo refletir um percurso científico no tempo. Por enqu anto, lem   br em os qu e essa co nc or dâ nc ia co rr es po nd e ao fe nô  meno científico, historiográfico e institucional cujos contornos traçamos.

Esta apresentação seria subjetiva, porque leva ria diretamente ao cientista ou ao jornalista, ao co mentarista, se não abordássemos em último lugar a dimensão social da afirmação da história do presente. Pois ela determinou também a evolução histórica, ao mesmo tempo que é um dos fatores de definição da noção de geração de historiadores. Esta questão de mandaria um estudo específico e nós nos restringire mos a algumas observações sobre ela.

Hoje em dia, a história do presente e do im edia to é traduzida por uma vasta produção editorial, jorna lística e por uma difusão que ultrapassa os meios ex clusivamente universitários.|No momento este desen volvimento corresponde à progressão dos gêneros his tóricos que estudamos.»Assim, o crescimento editorial não data de ontem. vEla tamb ém deita raízes nos anos 50, no momento em que a situação nacional e interna cional demandava esclarecimentos.VNão nos demora remos sobre as razões desta simetria entre produção histórica e demanda social, mas devemos ao menos

16

observar que, nesse processo, o aumento e a acelera ção da comunicação, a renovação progressiva da im  pr en sa e da ediç ão, a ele vaç ão do nív el de es tu do e a força dos engajamentos ideológicos, morais, dos anos 50-60, tiveram um papel determinante. A demanda social é, portanto, um vetor cen tral./

Se nos restringirmos a uma observação sobre os anos 80, vemos o extraordinário desabrochar das coleções de bolso. Algumas ja tem valor de referen cia: Seuil, Complexe, Champs-Flammarion, Folio-Gallimard. Elas consagram, às vezes, coleções inteiras ao presente. Nesse ponto, a evolução desde as cole ções Idées-NRF ou Kioske-Colin, duas das grandes coleções dos anos 60, é marcante tanto na forma quanto no fundo. Podemos também mencion ar os múltiplos manuais universitários e escolares que tra  zem a menção "de 1945 a nossos dias", lema dos pro gramas de ensino. Notaremos de outro lado a publi cação cada vez mais freqüente das atas de coló quios,fenômeno em plena expansão, revelador da vi talidade simultânea da oferta e da demanda. A este respeito, a publicaçao quase sistematica dos trabalhos do IHTP é significativa. Enfim, não nos devemos es quecer das coleções como "UHistoire immédiate", "UUnivers historique"... Na verdade, nenhuma das grandes editoras ignora esse fenômeno. Enfim, é pre  ciso citar algumas revistas: VIngtième Siècle, Les Cahiers de V IHTP, e para um público mais amplo, UHistoire^  No qu e co nc er ne ma is es pe cif ica me nte à hi st ó ria imediata, nota-se a multiplicação das edições de compilação de artigos (Le Monde),  de números espe ciais de sem anários12sobre tal aco ntecimento,

presen-12 Nos quais se encontram lado a lado universitários,  jornalis tas e intele ctuais.

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te ou imediato, como a publicação de obras de histo riadores ou não-historiadores sobre os problemas cru ciais desses anos.

Enfim, não se pode negligenciar a dimensão ra diofônica, cin ema tográfic a13, ma s sobretu do televisi va14, dessa presen ça da hist ória do p resen te.

i

O INÍCIO DE UMA REFLEXÃO

Em vinte anos, portanto, a história do presente se impôs, e desde o fim dos anos 70, uma reflexão m e todológica e epistemológica foi naturalmente em- pr ee en di da . Po de -se le m br ar es pe ci al m en te a jo rn a

da dos correspondentes departamentais do IHTP, em 1980, consagrada aos Tempos Atuais. Lembre-se igualmente um seminário dirigido por François Bédarida na Ecole des Hautes Études en Sciences sociales. E para coroar esta curta lista, devemos lem  br ar a ex ist ên ci a do Dictionnaire des Sciences Historiques

dirigido por André Burguières, a única obra a consa grar algumas páginas - de comprimento desigual - aos objetos de nosso estudo: Presente, História Imediata, História Política.

Estas balizas não representam a totalidade das contribuições coletivas ou individuais que ajudam a compreensão ou a definição da história do presente e

13 Dois filmes acabam de sair consecutivamente, La guerre sans nom  de Bertrand Tavernier e Patrick Rotman, que se constitui de depoimentos sobre a guerra da Argélia (o livro aparece simultaneamente  pela Seuil), Diên Bien Phû de Pierre Schoendorfer.

14 Pensamos particularmente em Histoires Parallèles,

apresentado por Marc Ferro no canal Sete.

haveria ma téria para pesquisa nesta história da epis-temologia, bem como na história da evolução histo-riográfica. Mas, no final das contas, contin uamo s sem munição. Para o presente, não dispomos de um a refe rência comoFaire de VHistoire.

O mérito principal dessa obra é o de ter baliza do o terreno da maneira mais exaustiva possível, pres tando assim um eminente serviço aos historiadores de todos os períodos; é de ter, além disso, aberto a porta ao contemporâneo, abrindo um espaço para o político e para o concei to de fato15. En treta nto, esse balanço aparecia isolado num estudo voltado antes de tudo  pa ra os te m po s m od er no s e m ed iev ais .

| Hoje em dia, só Pour une histoire politique pode respond er à expectativa dos historiadores do presente, j Mesmo se essas respostas permanecem parciais -como vimos, é quase a única baliza historiográfica e epistemológica desses dez últimos anos. Por causa dis so, a obra figura como finalização no processo de afir mação da história do político - e por extensão da his tória do presente - ao mesmo tem po em que marca a  pa rt id a d e um a av en tu ra cie ntí fic a q ue co nq ui st ou daí em diante sua carta de nobreza. Convém, portanto, considerá-lo como um texto fundador.

Mas no que concerne diretamente à história do imediato, só nos resta contemplar o deserto que a nós se oferece. Não há instrumento de referência, tudo está po r fazer.

O estudo historiográfico, metodológico e episte-mológico dos tempos atuais está apenas desbravado.  Nã o p od em os fica r ni sso . A h is tó ri a d o i m ed ia to e a do 15 Jacques Julliard, "La politique", inFaire de l'histoire,

Gallimard, 1974, tomo 2.; Pierre Nora, "Le retour de l'événement",ibid., tomo 1.

(12)

 pr es en te de m an da m um a def ini çã o m ais pre cis a, em seu próprio funcionamento, a fim de ser melho r per cebidas, individualmente, e uma em relação à outra.

D O EMBARAÇO SEMÂNTICO À

LEGITIMIDADE CIENTÍFICA

A questão prévia a esta epistemologia da histó ria dos tempos atuais é dupla, uma vez que concerne ao mesmo tempo à pertinência da terminologia usual e à legitimidade científica das histórias das quais falamos.

História do presente, história próxima, história imediata: estas três locuções não fazem referência às mesmas cronologias. Entretanto, esses três tempos históricos pertencem ao campo do "muito contemp o râneo", o do século XX amp utado de seu primeiro terço. Sob muitos aspectos, as questões que se colo cam a um são válidas para os outros dois, porque a contração cronológica, o tipo de arquivos e a nature za dos objetos, dos campos fundam um só e mesmo tema. Antes de tudo o problema concerne também à conformidade das expressões e ao valor real de cada gênero. Ele se situa mesmo numa interpelação mais embaraçosa para nós: o próximo, o presente e o ime diato são indistintamente objetos de história?

A história imediata é a que mais suscita descon fiança, pois é a que parece engendrar o maior parado xo fazendo rimar dois termos contraditórios: imediato

e história.  Pode-se falar de uma história do imediato? Essa história é legítima?

O fator cronológico não é nem suficiente, nem satisfatório para embasar uma definição de história

20

imediata. Percebe-se a dificuldade quando se quer es  pec ific ar com pre cis ão o esp aço cro nol óg ico qu e cob re

o imediato. E, caso se faça uma escolha, ela logo pare  ce arbitrária. A noção é obstinadamente fluida: algu mas horas? algumas semanas? alguns anos? Parece que pode ser tudo isso ao mesmo tempo.

Em compensação, sabemos que o princípio des sa literatura não é em nada particular aos últimos anos, nem mesmo a este século: sempre existiram análises judiciosas escritas no calor do acontecimento ou antes que seu eco se atenuasse.

Mas não é um sofisma dizer: escritos no calor do acontecimento ? Para ser fundamentada, a análise, mes m o a minima, implica "tempo" necessário à consulta e à síntese dos docum entos logo disponíveis. Por conse qüência, porque o ato de escrita e análise imprim e um certo recuo em relação ao acontecimento, a leitu ra imediata pertence ao presente antes que ao imedia to em sua definição primitiva de instante.

Além disso, todos os que se exercitam na histó ria imediata, jornalistas, historiadores, politólogos, so ciólogos, tendem espontaneamente a se colocar, em graus diversos, na horizontalidade cronológica e não na verticalidade sincrônica da análise pontual, verda deiramente imediata, porque tal não é o método his tórico, porque o próprio público espera um esboço do futuro e um esclarecimento do presente pela "rever  be ra çã o his tór ica ".

Se nos restrin girm os a essa visão das coisas, a história imediata não existe, e não passa de conse qüência de uma manipulação lingüística fundada numa antinomia.

Mais precisamente, o estudo do jornalismo his tórico é instrutivo, porque a história do imediato foi

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 pr im ei ro m ar ca da pe lo selo jo rn al íst ico . De ce rta m a neira, ela é mesmo filha da imprensa. De fato, foram a pressão jornalística e a demanda social conjugadas que impuseram o princípio da história imediata a par  tir da metade dos anos 50.

A vida política francesa sob a IV República é n o tavelmente caprichosa; no mesmo m omento, os múl tiplos aspectos da guerra fria fornecem temas volumo sos, candentes e pertinazes. Pela intensidade dos en gajamentos inerentes à situação de precariedade polí tica, diplomática e militar, pela elevação do nível de estudo, o período se prestava, pois, ao desenvolvi men to de um a literatura cujo papel devia ser o de es clarecer a nação sobre a instabilidade governamental, sobre as guerras, sobre a descolonização, sobre as ten  sões internacionais. Mas esta afirmação é igualmente inseparável dos progressos audio-visuais, da acelera ção da com unicação , do vigor da edição. Enfim, esse  pe río do é t am bé m o de um a du pl a co nf irm aç ão ed it o rial e universitária: a da ciência política e da sociologia que reclamavam, ambas, uma maior capacidade de análise do presente.  __ 

De fato, o procedimento da história imediata é mais parecido com as técnicas jornalísticas do que com as da ciência histórica. Os fatores conjugados que lhe deram nascimento não resultam, em primeiro lugar, do princípio inicial da história: o recuo, o desprendi mento com relação ao fato. Isto não implica , aliás, que a história imediata seja exclusivamente determi nada por essas técnicas e que não seja tributária da  pe sq ui sa cie ntí fic a .

Da mesma forma ela é determinada pelo estatu to dos homens que inauguraram de m aneira perene o recurso à história imediata. Dois nomes vêm natura l

mente à memória, Jean Lacouture, autor de L'Egypte en mouvement   (1956), do (Le) Maroc à l'épreuve em 1958, Charles André Julien, autor de  L’ Afr ique du  Nord en marche, publicado em 1972, depois de ter sido co-signatário (com Charles Albert Ageron) de uma

 Histoire de l ’Algérie contemporaine,  publicada em 1964, apenas dois anos depois do acordo de Evian.

De Jean Lacouture, pode-se dizer que é um jor-nalista-historiador. De Charles André Julien, diremos que é historiador-jornalista. Encontramos aqui essa mestiçagem metodológica. Mas como o nota Jean-Pierre Rioux, nem por isso há confusão de gêneros. Acontece que a ambivalência ou a ambigüidade que nasce dessa interseção leva a pensar a história imedia ta como um gênero híbrido. Essa ambivalência, no en tanto, não é própria das obras dos anos 50-60, e esse hibridismo se encontra em outras mais recentes.

Assim em 1991, Solange e Christian Gras escre vem uma Histoire de la première République miterrandienne16.

Eles têm acesso aos arquivos de Mauroy e Fabius; eles têm a possibilidade de constituir arquivos orais interro gando alguns "figurões" políticos; enfim, eles compulsam os dossiês de imprensa. Mas nun ca eles dta m suas fontes, suas provas,  exceto aquelas que já foram publicadas. Como distinguir, então, a parcela das informações tiradas dos arquivos daquela nascida do boato, de suas próprias hipóteses ou do pré-julgamento? Problema tanto mais complicado pelo fato de que Christian Gras não é s omen  te historiador e testemunha do período: ele foi também seu ator como memb ro do gabinete Mauroy. No limite,

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tanto na forma q uanto no conteúdo, a obra não se distin gue daquelas que a tinham precedido e cujos autores eram jorna listas17.

O problema se coloca em termos análogos para Charles-André Julien. Ele foi conselheiro da Union Française, mem bro da SFIO, anticolonialista convicto, colaborador do  Monde, e, na ocasião, associado a pu  bli caç ões be m m ar ca da s à es qu er da co m o France Observateur.  Se sua Histoire du Maroc permanece ainda como referência, se ela resistiu ao tempo, como diz Jean-François Sirinelli, acontece que, escrita no curso dos acontecimentos, na época do fechamento progres sivo do Marrocos, ela comporta necessariamente um certo número de falhas, esquecimentos voluntários ou não , devidos a pressões exteriores ou não, devidos, eventualmente, à pressão do tempo e ao desecadear dos acontecimentos que vai sempre mais rápido do que o historiador.

 No exe rcí cio da hi st ór ia im ed iat a, est e nã o é muito mais livre do que o jornalista. Estes exemplos  pe rm it em col oca r be m o pr ob le m a da na tu re za e do

grau de legitimidade científica desta história.

Vista como objeto, a história do imediato é tes temunho. Este é seu valor intrínseco. Esse testemu nho pode tomar a forma de uma análise que, hierar quizando um a primeira vez as questões, os fatos, for nece conjuntamente arquivos, depoimentos, pistas de  pe sq ui sa e esb oço s de in te rp re ta çã o. Ai nd a qu e m a n 

tenha um aspecto científico, a história do imediato  pe rm an ec e pr in ci pa lm en te um a m at ér ia pa ra ref le

-17 Por exemplo Pierre Favier, Michel Martin Roland,

 La décennie Miterrand,  Le Seuil, Paris, 1990.

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xão, como todas as histórias, é verdade, mas ao preço de uma releitura18.

Esta análise formulada no calor da hora, que seja a obra de um historiador reputado, de um jor na lista experiente, e mesm o se o público pôde referir-se a ela (imediatamente ou mais tarde), deve ser consi derada antes de tudo como testemunh o, como objeto histórico. A qualidade dos autor es e a realidade da d e manda social não estão em causa, mas não são fatores de cientificidade. Certamente, aquele que escreve his tória imediata é testemunha e historiador (enquanto (d)escreve a história), ele nunca ignora o rigor cientí fico. Mas ele é igualmente ator, está em relação direta com seu tema. Ele pode ser passivo ou ativo, neutro ou engajado, e sua obra pode se tom ar tomada de po  sição ideológica, moral, benevolente ou combativa. E se seu trabalho adota a forma de uma observação 18 Sobre este pont o, as opini ões de um jo rnali sta -historiador e de um -historiador-jornalista concor dam. Jean-Raymond Tournoux escreve: “A História escrita pelos contemporâneos é polêmica. Mas esse livro não tem a intenção de escrever toda a História de alguns acontecimentos; em compensação, sem alimentar controvérsias partidárias, ele espera trazer,  para o futu ro, uma contribu ição p or me io de depoi 

mentos, de documentos, de precisões." In Carnets secrets de la politique, Plon, 1958, p. 1. Jacques Julliard confidencia a propósito de seu papel de cronista no

 Nouvel Observateur: “(...) Para além do jornal, supos to de refletir o presente imediato em sua diversidade  barroca, cabe-lhe fazer as primeiras seleções, em   pre ende r essa prime ira organização da atualidade,

destinada a torná-la legível a nossos contemporâ neos, antes que a História por sua vez opere suas es colhas". InChroniques du septième jour, Le Seuil,1991,  p. 9.

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científica rigorosa, de uma dedução dos fatos procu rando a maior neutralidade, esta, nós bem o sabemos, não é menos objeto da história do que a leitura dos fa tos através de um prisma ideológico, filosófico, moral ou religioso.

 Ni ng ué m esc ap a a es ta lei do gê ne ro . Re dig ind o

 Létr ange défaite  em 1939, Marc Bloch é historiador, observador perspicaz19. Mas ele é igu almen te te stem u nha e ator e apesar da clarividência de suas análises, imprime, como qualquer outro, esperanças e inquie tações de seu tempo sobretudo porque não está ins truído pelo fut uro . O mesmo ocorre quando a história imediata é estudo ou avaliação da realidade. Na biblio grafia esquelética indispensável ao estudo das dissi dências socialistas da IV República, o n úm ero especial de Temps Modernes sobre as Novas Esquerdas, publica do na primavera de 1955, é central. Mas, apesar da  pr eo cu pa çã o com a ob jet iv ida de e d o va lo r da rev ist a, a redação de Jean-Paul Sartre estava, bem mais que outras, ancorada em seu tempo, implicada nos deba tes contemporâneos20.

Voltado para seu tempo, insuficiente ou incom  pl et am en te pr ov id o do re cu rs o ne ce ssá rio pa ra da r a tal fato, a tal crise, seu verdadeiro valor, o docum ento de história imediata deve ser lido com distância. No li mite, entretanto, a dimensão analítica ou prospectiva

19Uétrange défaite, Edition Franc Tireur, 1946. 20 Quando essa subjetividade não é reconhecida de imediato por um autor no trabalho exemplar. "Nós nos ocupamos constantemen te com nossa época; fal ta-nos qualquer recuo ou perspectiva; corramos o risco de nos enganar." Conclusão de Maurice Nadeau no prefácio de Le Roman français depuis la guerre,

Gallimard, 1963, 1970 (reedição, Le Passeur. 1992).

das obras (ou dos "últimos" capítulos) de historiado res, sociólogos, politólogos ou de jornalistas especialis tas no presente é talvez mais justa do que a dos sim  ple s "cr oni sta s", na m ed id a em qu e, pr ec is am en te , o

ato histórico consiste em pôr a história em perspecti va depois de ter re tirado desta os aspectos factuais que são apenas sua trama.

Apesar de sua imperfeição, de sua inexatidão virtual, a história imediata tem um a função social. Ela é o complemento da história do presente. Ambas for mam um todo. As duas são vetores da legibilidade do  pr es en te pa ra um pú bli co am pl iad o e sol ici tan te: a

história do imediato como a historia do presente res  po nd em a essa de m an da . E nt re ta nt o, essa co ns ta taç ão

não se deve prestar a confusões. Certamente, há uni dade cronológica com a história do presente. Certa mente, há uma demanda multiforme e uma resposta. Mas é preciso definitivamente distinguir o que se apu ra de uma verdadeira pesquisa histórica daquilo que não faz parte inteiramente desta: a história do imedia to pertence a essa segunda categoria.

O debate terminológico é menos caloroso no que tange às duas outras expressões corren teme nte empregadas: História Próxima, História do Presente. Alguns confessam sua preferência pela primeira, ou tros defendem, ou mais simplesmente, utilizam a se gunda. Aqui as sensibilidades pessoais prevalecem so  br e a es co lha se m ân tic a. Af ina l de con tas , po uc o im   po rt a qu e a hi st ór ia pr óx im a lev e va nt ag em se gu nd o

alguns, sobre os últimos trinta anos, e que a história do presente englobe, segundo outros pontos de vista, os cinqüenta ou sessenta últimos anos. As duas fun cionam de um m esmo modo, definem-se por caracte rísticas comuns: a natureza dos arquivos e sua forma de acessibilidade, a natureza dos métodos, o círculo

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dos historiadores, a continuidade cronológica num sé culo. As duas possuem, além disso, o recuo necessário  pa ra de sa pa ix on ar a ab or da ge m cie ntíf ica .

A locução "história do presente" é, entretanto, a mais corrente, a mais reconhecida, aquela que se utiliza por convenção. O próprio nome do Institut d'Histoire du Temps Présen t traduz essa generalização. Generalização fixada porque o valor científico dessa história é doravante incontestável.

Mas nosso tema não se contenta com um sim  ple s at es ta do his tor iog ráf ico , edi tor ial , soci al ou u n i versitário, pois, se o balanço respondesse apenas à exi gência científica, ele não teria razão de ser: a história do prese nte deu p rovas de sua distinção21. Convém,  po rt an to , qu e no s vo lte m os pa ra o hi st or ia do r pa ra tentar especificar critérios de definição diferentes da queles da própria ciência.

Antes de ser analista, o historiador é homem, cidadão, ator ou espectador, e há alguns anos, tanto em seus escritos como em seus cursos, ele reivindica ou reconhece cada vez mais seu próprio pertencimen-to à história, - e esse olhar que n ão foi necessariam en te o do historiador, mas talvez o do inocente ou da tes temunha, engajado ou não. O estudo da história do  pr es en te , a in te rro ga çã o epi ste mo ló gic a sob re se u va 

lor, não dizem respeito ao questionamento de sua existência social ou científica, nem à pertinência de sua denominação, mas a seu próprio funcionamento, como testemu nham as linhas seguintes:

21 Ver a contribuição de Jean-Pierre Rioux, "Peut-on faire une histoire du temps présent? "

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"O autor destas linhas confessa que em 1944, aos cinco anos de idade, son hava prazerosamente diante das vitrines vazias das confeitarias, mas que em 1958, estudando em Paris, ele acreditava ter o que dizer contra essa guerra da Argélia que marcou dolo rosamente a entrada de sua geração na política. No ajuste de contas, lembranças felizes perturbaram-no. Ele não mais importunará seu leitor com eles, mas esse espectro de emoções o impede de almejar uma objetividade cuja fragilidade e equívoco a prática da históri a lhe revelou ."22

"Para terminar, permitiremos ao aut or falar - uma vez só - de si mesmo. A geração à qual eu pertenço ouviu apenas ecos longínquos e já abafados do segundo conflito mundial e seu despertar também não se dá, cronologicamente, sob o signo da Argélia. Por isso, essa geração de historiadores tem uma relação com o  passado pré- quinta -repúb lica sem paixões, o q ue não quer dizer sem convicções. De resto, a corporação de historiadores não esperou essa nova extração de pes quisadores para calcular e demonstrar que era possí vel fazer uma história do tempo próximo oferecendo todas as garantias de rigor e seriedade. Então, por que essa declaração de princípio? De fato, por essa razão evidente mas que é preciso relembrar mais uma vez: a história dos intelectuais é, em essência, uma histó ria de forte teor ideológico, ainda mais se se pode ler nela em filigrana uma relato das grandes paixões francesas. Também o pesquisador, se baixa a guarda no exercício de seu ofício, arrisca-se, consciente ou inconscientemente, a ceder seu lugar ao moralista. (...) Nem por isso o perigo deve proibir uma refle-xão(...) Uma história serena não significa uma histó ria asséptica(...): assumir a subjetividade é meio cami nho andado para con trolá-la" 23.

22 Jean-Pierre Rioux, in La France de la IV. République,

Seuil, tomo 1,1980.

23 Jean-François Sirinelli,  Intellectuels et passions  françaises,  Fayard, 1991.

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Essas advertências falam por si. Devemos, en tretanto, completá-las a fim de compreender bem o sentido e as causas destareivindicação pessoal - reivindi cação que toca várias gerações de historiadores asso ciados no estudo do presente.

 Não de ix a de ser sig nif ica tiv o qu e Je an -P ie rr e Rioux e Jean-François Sirinelli, nascidos respectiva mente em 1939 e 1944, tenham a necessidade de (se)  pô r e m al er ta co nt ra os efe ito s da su bje tiv ida de , p ois é  pre cis o re co nh ec er qu e es ta at itu de ca rac ter iza um a certa geração. Certam ente, eles não viveram os m es mos eventos, as mesmas tensões históricas e o dizem. Entretanto, tanto um quanto o outro, porque traba lham com as elites, com a sociedade e a cultu ra de sua  pr óp ria épo ca, po rq ue fa ze m pa rt e da ge ra çã o de hi s

toriadores que emancipou os campos históricos, que descobriu suas armadilhas, associam-se e insistem de liberadamente sobre as eventuais deformações, sobre as dissimulações de uma história do presente. Isto não quer dizer que outros não tenham tido essa intuição que permanece um princípio fundamental da hones tidade intelectual. \

Mas esta interrogação está ligada a duas outras novidades: o crescimento e a reputação da história cultural e intelectual, e a moda da ego-história, que

 pertencem, ambas, antes de tudo, a esta geração de his toriadores. Hoje em dia, a mistura das idéias, dos m é todos, dos campos e das gerações (os autores reu nidos aqui nasceram entre 1919 e 1965) é tal que este alerta contra a subjetividade dos historiadores se generalizou.

É, portanto, indispensável refletir em termos de

 presença do histori ador em seu tema  - presença direta ou indireta no tempo, presença intelectual, moral, filosó fica, ou mais simplesmente psicológica e física.

Se não se devem subestimar os fatores de defi nição anexos ou cone xos da história, especialmente os que pudemos evocar nestas páginas, permanece o fato de que a observação da relação física entre o historia dor e seu tema, o historiador e seu tempo, mostra que a definição de história do presente passa principal mente pela referência de uma nova relação entre o cientista e seu cam po de investigação.

Essa imersão do historiador do presente em seu tema distingue-se, parece-nos, da relação natural que todo historiador tem com seu tema, seja ela passional ou não. Jamais um medievalista ou um m odenista po derá "viver" o que descreve. Ele deve recompor uma realidade que lhe escapa fisicamente. Não é senão no  pr es en te , po r re ve rb er aç ão de su a rel aç ão no pr es en 

te, que ele pode (re)conhecer ou imaginar aquilo de que fala investindo-o de u ma presen ça física "real" . A metáfora histórica nasce da associação entre ima gens do presen te e representaçõe s do passado. Sobre este ponto, Jacques Le Goff faz uma relação demons trativa entre a representação da guerra medieval e seu valor de realidade ilustrada, encarnada pela guerra contemporânea.

Uma outra questão se coloca no próprio interior da família de historiadores do presente. Os pesquisado res nascidos no meio dos anos 60 têm a m esma percep  ção do acontecimento que seus mestres, a mesma rela ção física ou intelectual com o pre sente? Se não é este o caso, isto induz a evoluções fundamen tais?

Sobre a forma, nada há de novo. Como nossos antecessores, nós funcionamos com uma memória dupla: direta/indireta, mesmo que ela seja cada vez mais deformante e ativada por causa do desenvolvi mento incessante da comunicação e da comemoração.

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Pode-se, no entanto, pensar que é uma falsa si militude, pois nós não conhecemos a crise aberta, vive mos no mito de acontecimentos e engajamentos en cerrados24. Nada há em comu m e ntre a crise econô mi ca difusa dos anos 70-80 e as crises abertas dos anos 50-60. Esta diferença é decisiva quand o a conjugamos com dois fenômenos novos, correspondendo, desta vez, a nossa memória direta: o não-acontecimento e o recuo das grandes mitologias revolucionárias ou utopistas.

Pierre Nora definia magistralmente "o aconteci-mento-monstro". Mas, para nosa geração, essa mons truosidade parece ser paradoxalmente responsável por uma banalização do fato, tornado repetitivo, derreado e sem substância. Por sua onipresença audio-visual,  po r seu ca rá te r un iv er sa l e i ns ta nt ân eo , po rq ue se p o

deria finalmente apelar para seu caráter de normalida de, o acontecimen to se esvazia. Nós temos u ma relação física com a história em movimento, mas ela não está mais carregada - cumulada - das mesmas representa ções nem das mesmas esperanças que há vinte ou trin ta anos porque, justamente, a história avançou.

 Ne sta evo luç ão , o re cu o dos ide ali sm os e o des -'iocamento do político para uma política de gestão (econômica, social, ecológica, ética, humanitária...) desempenham um papel central. Mesmo se ele é por tador de uma grande violência ou de uma simbólica histórica impressionante (Tchernobil, queda do muro de Berlim, morte de Ceaucescu, guerra do Golfo,  pu ts ch co nt ra Go rba tch ev, êx od o do s alb an ese s, de s

mem bramento da URSS), o acontecimento não é m ais

24 Pensamos em particular na crise argelina, em maio de 1958, mais ainda em maio de 1968.

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Investido do mesmo valor. O que não significa de modo algum, aliás, que nós não estejamos presentes a esses acontecimentos, ao contrário.

Encontra-se essa ambivalência na ação hum a nitária: consciência ou implicação moral de um lado,  ba na liz açã o e ges tão in st itu ci on al da ca tás tro fe de

outro.

 Nã o se tra ta , po rt an to , de dis cu tir o va lo r re al dos fatos na história, mas sua percepç ão e as condições históricas nas e pelas quais eles são percebidos.

A presença do historiador em seu tempo evolui,  po rt an to , em fu nç ão da pr óp ri a his tór ia. Nã o há na da de novo nisso. Em compensação, a evolução da rela ção com o acontecimento, a mutação dos engajam en tos ou não-engajamentos intelectuais e políticos mar cam um a ruptura com as gerações precedentes de his toriadores. O contexto não é mais o mesmo. Isso ex  plica , tal ve z, o de sej o de ne ut ra lid ad e e de re co lh i mento cada vez mais marcado das novas gerações: re colhimento, neutralidade que se traduzem freqüente mente em termos de pessimismo, de desinteresse ou de resignação, mas que cientificamente, seriam os fru tos do encontro entre as lições epistemológicas da his tória do presente e a evolução do contexto histórico e da percepção imediata da história.

 Na ho ra em qu e a qu es tã o cu ltu ra l se so br ep õe  po r v eze s à qu es tã o pol ític a, co ns ta ta -se qu e a h is tó ria adota também um modo de análise centrado sobre a noção de cultura; e que a nova geração de historiado res do presente se atém primeiro a uma explicação só-cio-cultural,enquanto que no seu início, seus anteces sores favoreceram em primeiro lugar o político.

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(19)

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u a i s e i x o s d e p e s q u i s a

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Se nos ativermos à ordem que adotamos nesta apresentação, o historiador e sua disciplina  constituem um prim eiro eixo de pesquisa, e a história do p rese n te deve ser estudada por meio de três temas: os novos  pr ob le ma s, os n ov os ca mp os e as no va s a pr es en taç õe s. Esta observação da renovação metodológica permiti ria definir precisamente a disciplina e apreender sua natureza substituindo-a no concerto das diferentes histórias. E para ser completo, seria necessário fazer um estudo dos lugares de sociabilidade dessa história a fim de avaliar a natureza da sensibilidade comum aos historiadores desse período.

Definitivamente, tudo volta a colocar a questão da existência e da definição de um a "escola" histórica. E ainda aqui, qualquer resposta comporta seu corolá rio de interrogações. Por que a história política não se afiipiou abertamente como um a escola? Por que e como os diferentes direcionamentos históricos se aproximam e se enriquecem? Há, hoje, um desejo de homog eneização do m étodo em história25?

Ora, para responder a essas questões, é preciso abrir outros caminhos além da historiografia, da me todologia, da sociabilidade, e devemos abordar o pro  bl em a do percurso histórico.

Como e por que se faz história do presente? Como nos tornamos historiadores do presente? Quem 25 E além, num percurso fixado na antropologia, no sentido etimológico do termo, um desejo de homo geneização, de interdisciplinaridade real entre as "ciências irmãs": história, sociologia, etnografia, sociologia.

é o historiador diante de seu tem po? Quais são as con seqüências dessa presença do historiador em seu tem  po, e po r i sso me sm o, o qu e ele es tá pr op en so a es tu 

dar, com recuo ou no instante?

 Nes se do m ín io, a co nt rib ui çã o da eg o-h ist óri a, a vontade crescente de integrá-la como fator causal  pod e ser de gr an de aju da . A re ivi nd ica ção do bl oq ue io  pes soa l tr ad uz um a no va et ap a na s pos sib ilid ade s de Interpretação. E se na origem, a ego-história não é e x clusivamente feito dos especialistas em contemporâ nea- inaugurada que foi pelos medievalistas e moder nistas - nem por isso ela se torna menos importante  pa ra nó s. Ma s ne ssa ob ser vaç ão do pe rc ur so dos hi s

toriadores, é necessário igualmente interrogar orien tações historiográficas e climas ideológicos.

Ego-história, "atmosfera" e orientações historio  gráficas misturam-se no processo de pesquisa e de identificação do autor com seu tema. Jean-François Sirinelli mostra como um clima ideológico pode d eter minar as orientações historiográficas. No mesmo senti do, Jean-Jacques Becker alerta para os perigos de um a história que cederia ao peso do acontecimento rejei tando objetos históricos considerados moribundos.

Uma vez que o problema da disciplina coloca a questão da relação entre o historiador e seu tema, mas também da relação entre o historiador e seu tempo, qualquer resposta seria incompleta se esquecesse o

historiador, a história e a sociedade.

Quer seja em sua relação com a testemunha, com o arquivo oral, o que mostra Robert Prank, quer seja na sua relação com o público, com o jornalismo, como nos descreve Jean-Pierre Rioux, o historiador é cada vez mais parte integrante do contemporâneo - po rq ue a for ça da hi st ór ia pas sad ist a, fa ctu al e h ist or

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i-cista se esfumaça diante de uma demanda social insis tente, resolutamente ancorada no presente e no modo "interpretativo". Em sua intervenção pública, a histó ria, como a medicina ou a ciência da ecologia, é um fator de compreensão do presente e vetor de opinião  pa ra o co rpo soc ial. Co nv ém , po rt an to , sa be r co mo e  po r qu e ess a re la çã o en tr e a ciê nc ia e a soc ied ade

funciona.

Como se percebe, a interrogação sobre a histó ria do presente toca "um pouco de tudo". Ela é histó rica por essência, daí a dificuldade, e até mesmo o pe rigo, de separar uma visão da outra. Quer se analisem os objetos, as formas, o método o u os objetivos da his tória; quer se observe a disciplina, ou percurso ou a função social, devem-se explorar os terreno s limítro fes e conceber uma reflexão geral sobre a história do  pr es en te , sob re o h ist ori ad or .

O historiador deve, pois, abstrair-se o mais completamente possível das interferências da ideolo gia e da subjetividade, estudando-as e procurando apreender verdadeiramente seu objeto além de uma acepção puramente histórica. A epistemologia da his tória do presente consiste, portanto, em interrogar a história a fim de propor novos dados que aum entarão sua capacidade de explicitação  e de sug est ão26. Pôr em 26 Orientação bibliográfia suscinta ... Gilles Deleuze e Félix Guattari, Qu'est-ce que la philosophie?, Éditions de Minuit, 1991, p. I l l sq.; Reinhart Kosseleck, Le  fut ur passé. Contribution à la sémantiq ue des temps historiques, Éditions de l'EHESS, 1990, p. 19 sq.; Alain Testart, Éssai d'épistémologie,  Christian Bourgois, 1991, especialmente pp. 75-92, pp. 105-110; G. Gadoffre, Certitudes et incertitudes de l’histoire,  PUF, 1987.

questão a história do presente não é antes de tudo louvar sua capacidade explicativa. Não é defender e Ilustrar uma nova maneira de história, é ao contrário ol)servá-la e pô-la em dúvida para melhor conhecer seu funciona men to e assegurar-se de sua validade - de sua capacidade heurística.

Agnès Chauveau Philippe Tétart (Centre d'Histoire de l'Europe du vingtième siècle)

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capitulo 2

PODE-SE FAZER UMA

HISTÖRIA DO PRESENTE?

 pb r Je an -P ie rre RIOUX

Antes de adiantar uma argumentação que po deria tornar plausível uma resposta positiva a esta qu estão, é preciso estar de acordo acerca desta noção,

 a prior i desconcertante, de história "do presen te"1. Pois não se trata nem do "período" último de um recorte do passado para uso escolar e universitário, nem de um conceito de substituição por tempos de crise da temporalidade nas nossas sociedades invadidas pelo efêmero, nem mesmo de um paradigma regulador no caos das ciências sociais. Uma história dita do pre sen te participa de fato mais ou menos de todos esses vo cábulos. Houve, não duvidemos disso, uma boa parte de bricolage na sua construção, enquanto que aqueles que a questionam não depuseram as armas. Na Fran ça, a questão se estabeleceu no finzinho da década de

1970, qua ndo o CNRS, sem fazer alarde, criou um la   bo ra tó rio , o In st it ut d'H ist oir e du Tem ps Pr és en t, cuj a

missão, precisamente, consistia em refletir ativamente sobre a noção, conduzindo pesquisas específicas que resumiriam o movimento. Ela não parou de agitar os espíritos, e o dito Instituto nunca esteve resguardado das atribulações.

1 Uma primeira versão desse tjixto foi publicada em

 Historical Reflections. Réfléxions historiques,  1991, vol. 17, n. 3, alfred University, Nova York, p. 297-305.

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A formulação mais brutal da questão, aquela que suporta a carga epistemológica mais forte, é evi dentemente esta: pode o presente ser objeto de histó ria? Como de fato inscrever um presente fugaz na construção, ou reconstrução, necessariamente temp o ral ou retroativa , que elabora o historiador confron tando suas hipóteses de trabalho com a dura realida de da documentação e do arquivo recebidos? Avan çando um pouco a reflexão, percebe-se que essa dú  vida remete a uma inquietação propriamente filosófi ca: o presente tem sua chance diante de uma longa duração que parece ser - toda a obra de um Fernand Braudel foi construída em cima desse "parece" - a verdadeira modulação e a respiração vital do devir humano?

Por falta, sem dúvida, de ter recebido como seus colegas anglo-saxões, alemães ou italianos, uma for mação filosófica suficiente, os historiadores franceses contornaram com bastante frieza essa provocação e lhe dão muito freqüentemente uma resposta de or dem mais metodológica do que epistemológica ou m e tafísica. É verdade que um grande nome os ajuda a ul trapassar sua deficiência conceituai oferecendo-lhes o aval do bom Pai: o de Tocqueville, que enga stou so- be rb am en te co m o s e s abe , o t em po cu rto da de m oc ra 

cia, na França e na América, no tempo longo dos An tigos Regimes. Graças a ele, os acontecimento s inau di tos e os messianismos datados que tecem um p resen te entraram nesse jogo do distinguo  entre rupturas e continuidades ao qual o historiador francês se entrega com avidez e que, mais freqüentemente, faz as vezes de bagagem diante de qualquer novidade desconcer tante. Não nos espantaremos, pois, por vê-lo tratar tão à vontade a história do presente ao mesmo tempo como o término de uma periodização e a fina película

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cronológica que deseja apenas espessar-se, mas tam-liérn como um momento particularmente favorável à observação da ação do tempo passado sobre o presen -lc e, enfim, como uma perm uta tangível entre m em ó ria c acontecimento.

A

PROXIMIDADE E A INTELIGIBILIDADE

O argumento mais freqüente invocado contra essa história é o da proximidade. A objeção, de fato, é forte. Como traduzir em termos de duração um pre sente, por definição, efêmero? Presente esse cuja pro dução, além disso, é cada vez mais, ao longo do sécu  lo XX, fenômeno atual, cujos delineamentos são con fundidos nesse turbilhão denso e indistinto de mensa gens, nesse imenso rumor mundializado de um "atual" triturado, amassado, transformado sem tré gua, sob o triplo efeito da mediatização do acontecido, da ideologização do ato e dos efeitos de moda na nos sa apreensão de um curso da história? Se nosso pre sente é doravante u m a sucessão de flashes, de delírios  pa rti dá rio s e d e jo gos de esp elh os , co mo sai r d ele pa ra

erigi-lo, em objeto de investigação histórica?

Ainda mais que o próprio historiador, acrescen te-se, imerso em seu tempo, também oscila no curso da correnteza, mergulha nessa confusão de aconteci mentos sem hierarquia nem causas aparentes e toma a sopa do dia no noticiário da TV. E se ele quiser se li vrar da onda? Logo será grande nele a tentação de simplificar seu curso p ela aplicação de algum a filoso fia curta que secará esse real desorientad or no fogo de seu voluntarismo. A armadilha assim está montada: entre a marulhagem indistinta e a simplificação abusi va, a inteligibilidade não teria nenhuma chance.

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Admitindo mesmo que algum clarão pudesse advir de uma navegação ao acaso, no entremeio des ses recifes, a ausência de fontes completas e de docu mentos confiáveis tornaria muito vã qualqu er tentati va exploratória, acrescentam os céticos. Impõe-se, en tão, a conclusão, adocicada ou sentenciosa de acordo com o humor do detrator: que o historiador abando ne a partida, que ceda lugar aos jornalistas seriamen te documentados que produzem desde os anos 1960 uma "história imediata" sem pretensões supérfluas e mode lada por um T ournoux ou u m Lac outure2; que se contente em ler haja o que hou ver e reun ir entre eles, como materiais para uma história em gestação que ele deveria modelar, a produçã o dos sociólogos retrospec tivos, politólogos de geometria variável, economistas ruminando suas imprevisões ou etnólogos repatriados de seus longínquos rincões.

A

BUSCA DE IDENTIDADE

De fato, essa desistência não resolveria nada. É, pois, a própria sociedade que im pulsiona o historia  dor a não desistir, que lhe sugere não tropeçar diante do obstáculo da proximidade e até mesmo utilizá-lo  pa ra m el ho r salt ar. Visto qu e at or es e te st em un ha s, humildes ou não, não esperaram mais mu ito tempo e dizem alto e claro, como mostra a proliferação de de  po im en to s em livr os, qu e nã o pr et en de m de ix ar con

-2 Ver em particular Jean Lacouture, De Gaulle,  Paris, Le Seuil, 3 vols., 1984-1986. Sobre essa "história imediata e, mais geralmente, sobre a ligação entre história do tempo presente e jornalismo, ver Jean-Pierre Rioux, "Entre histoire et journalisme", infra.

mimlr suas forças e tornar insípidas suas lembranças rtirllando privar de sentido sua experiência. Alguns Ali queimam etapas, seja produzindo uma palavra incdlatizável e logo consumível, seja fazendo-se a si incsinos de historiadores por sua con ta e risco (leia-se,  por ex em plo , a feliz em pr ei ta da de Da nie l Co rdi er a  pro pó sit o de Je an M ou li n3).

 Nã o se tr at a m ais aq ui , pe rc eb e-s e b em , de um a versão atualizada desse gosto generalizado pela histó ria ou desse ativismo das raízes, das genealogias e das celebrações patrimoniais que atacaram nossas socie dades às vésperas de um fim de século4. É antes de u m vivo desejo de identidade que nasce essa ambição de uma história atenta ao presente, cuja originalidade será ser escrita sob o olhar dos atores e cuja vocação desabrochará no balanço das temerosas especificida-des do século XX. Ela será uma espécie de evangelho eterno para vivos, cujo historiador podera ser o após tolo; um depoim ento de boa qualidade científica sobre esse estranho sentimento próprio de nosso tempo, Inédito na torrente do tempo e que atrapalha tão fre qüentemente nossos contemporâneos: a consciência, dolorosa ou exaltante, de ter sido, por bem ou por mal, tomados, triturados e designados por uma histó ria catastrófica cujo curso eles jamais dominaram .

3 Daniel Cordelier,  Jean Moul in. L'inc onnu du Panthéon,  Paris, Jean-Claude Lattès, 2 vols., publica dos, 1989.

4 Ver sobre esse ponto Jean-Pierre Rioux, "L'émoi  patrim onial", em Le Temps de la réflexion,  VI, Paris, Gallimard, 1985, pp. 39-48 e, para uma comparação com antes de 1901, Chronique d ’une fin de siècle. France, 1889-1900, Paris, Le Seuil, 1991.

Referências

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