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Tempo para descobrir: o currículo emergente

No documento Espaço(s) da educação: relatório final (páginas 94-96)

CAPÍTULO III – EXPERIÊNCIAS-CHAVE EM EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

3.2. Espaço Tempo : “A Educação Lenta”

3.2.2. Tempo para descobrir: o currículo emergente

Para Zavalloni (2008, p. 68), “a educação, como a aprendizagem, é um processo dinâmico que, a partir de um motivo anedótico, quer dizer, a realidade, nos leva ao conhecimento”. Também Osberg e Biesta citados por Rogério (2016) afirmam que o conhecimento deve emergir através da participação ativa no mundo. Ideias que, segundo Rogério (2016), remontam aos escritos de Dewey e do seu olhar sobre a educação.

Foi com base nesta visão que Malaguzzi e Rinaldi desenvolveram o conceito de currículo emergente (Edwards, Gandini, & Forman, 1999), um currículo negociado, planeado e responsivo (Edwards, Gandini, & Forman, 2016), e com base no qual se desenvolveu o projeto “Momentos”. Na aprendizagem negociada os adultos procuram perceber quais as teorias das crianças acerca do funcionamento do mundo através do discurso, da documentação e da representação de soluções (design) (Edwards, Gandini, & Forman, 2016).

O planeamento convida os educadores a elaborar objetivos gerais elaborados com base no conhecimento da criança e suficientemente flexíveis para permitir o ajuste às necessidades e interesses das crianças ou de necessidades inferidas pelos adultos durante o desenvolvimento dos projetos ou atividades (Edwards, Gandini, & Forman, 1999). Este planeamento prende-se com a organização de espaços e materiais, das situações e circunstâncias de aprendizagem (Edwards, Gandini, & Forman, 1999) . Como por exemplo, quando durante o projeto “Momentos” a equipa se deparou com a dificuldade de criação de um mapa que pudesse orientar o Tomé numa eventual visita a Coimbra e sentiu necessidade de propor às crianças um conjunto de atividades que as poderiam ajudar a resolver essa situação; ou como na preparação dos indutores para o lançamento dos projetos, a equipa refletiu sobre que materiais utilizar para provocar as crianças em relação aos interesses que tinha observado. “Os professores seguem as crianças e não planos” (Edwards, Gandini, & Forman, 2016, p. 77), podendo, como refere Zavalloni (2008), ter tempo para trilhar caminhos inexplorados, indiretos, que permitam a descoberta e a fruição das coisas mais

pequenas. Promovendo a abertura ao inesperado e ao imprevisto, permitindo a cada criança os seus tempos e modos de descoberta (Malavasi & Zoccatelli, 2013).

A observação é uma ferramenta importante para o planeamento pois permite à equipa educativa perceber os interesses e necessidades da criança e assim refletir sobre as eventuais linhas investigativas dos projetos a desenvolver em conjunto com as crianças (Malavasi & Zoccatelli, 2013). As questões que vão surgindo servem para manter vivo o interesse e fazer perdurar no tempo a vontade de pesquisa e o desejo de descoberta (Malavasi & Zoccatelli, 2013) e assim conduzir o educador no planeamento. O currículo emergente é portanto um currículo respeitador do tempo da criança, da sua capacidade de descoberta e de construção de conhecimento e que permite dar resposta atempada às suas necessidades. O seu desenvolvimento está então dependente da observação e manifestação dos interesses da criança, o que está por sua vez dependente de um clima de bem-estar em que a criança esteja disponível para o que a rodeia.

A abordagem experiencial entende o bem-estar emocional “como um estado particular de sentimentos que pode ser reconhecido pela satisfação e prazer, enquanto a pessoa está relaxada e expressa serenidade interior, sente a sua energia e vitalidade e está acessível e aberta ao que a rodeia” (Portugal & Laevers, 2010, p. 20). O bem- estar afere a qualidade da relação da criança com o contexto e depende diretamente da satisfação das necessidades básicas físicas (fome, frio, entre outras), de afeto, segurança, reconhecimento e afirmação, de competência, de significados e valores (Portugal & Laevers, Avaliação em Educação Pré-Escolar - Sistema de Acompanhamento das Crianças (SAC), 2010). É avaliado com base em diferentes indicadores: abertura e recetividade, flexibilidade, autoconfiança e autoestima, assertividade, vitalidade, tranquilidade, alegria e ligação consigo próprio (Portugal & Laevers, Avaliação em Educação Pré-Escolar - Sistema de Acompanhamento das Crianças (SAC), 2010). Segundo Figueiredo, Portugal e Neto (2012), este parâmetro é pré-requisito para outro igualmente importante, a implicação. Sendo esta definida por Laevers (1994) citado por (Portugal & Laevers, Avaliação em Educação Pré- Escolar - Sistema de Acompanhamento das Crianças (SAC), 2010, p. 25) como “uma qualidade humana que pode ser reconhecida pela concentração e persistência,

caracterizando-se por motivação, interesse e fascínio, abertura aos estímulos, satisfação e um intenso fluxo de energia”.

Csikszentmihalyi (1991) descreve a “flow experience” como sendo um estado em que as ideias nos vão chegando enquadradas com o objetivo estipulado, num fluxo energético que o cérebro mantém sem esforço, sendo uma das características deste estado a distorção da noção de tempo que parece suspenso. O autor afirma ainda que atingir este estado ajuda a desenvolver a confiança pois permite ao indivíduo atingir com sucesso os objetivos a que se propôs, e que após estas experiências, a organização do “eu” se torna mais complexa. Este aumento de complexidade conduz aquilo a que o autor se refere como “crescimento” (Csikszentmihalyi, 1991).

A implicação espelha, segundo Portugal & Leavers (2010), o reflexo das condições ambientais na criança e por tal representa um indicador da qualidade do contexto educativo. Pode então dizer-se que uma pedagogia da lentidão que preconiza o respeito pelos tempos da criança para criar laços, para desenvolver interesses, para se fascinar e para descobrir, esta pedagogia que perde tempo para ganhar tempo, estará vocacionada para a construção de um contexto educativo de qualidade e portanto poderá refletir-se na implicação e o bem-estar. Mais ainda, esta experiência chave tem feito várias referências às escolas de Reggio Emilia que são, nas palavras de Vasconcelos (2009), consideradas como uma das experiências em educação de maior qualidade do mundo.

Uma vez que vai ao encontro dos interesses da criança, o currículo emergente conduz muitas vezes ao trabalho em pequeno grupo durante o desenvolvimento projetual, havendo diferentes projetos a decorrer ao mesmo tempo. Em pequeno grupo os tempos e modos de expressão individual são mais facilmente respeitados e por conseguinte podem levar a múltiplas interpretações e construção de diferentes significados (Malavasi & Zoccatelli, 2013).

No documento Espaço(s) da educação: relatório final (páginas 94-96)