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CAPÍTULO III O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO

3.6 Tempos e Espaços

O Decreto nº 7.083/2010, no artigo 1º, § 3º, dispõe que as atividades poderão ser desenvolvidas dentro do espaço escolar, de acordo com a disponibilidade da escola, ou fora dela, sob sua orientação pedagógica, mediante a utilização de equipamentos públicos e do estabelecimento de parcerias com órgãos ou instituições locais. Dentre o rol dos princípios da educação integral, no âmbito do Programa Mais Educação, o artigo 2º elencou, dentre outros:

II - a constituição de territórios educativos para o desenvolvimento de atividades de educação integral, por meio da integração dos espaços escolares com equipamentos públicos como centros comunitários, bibliotecas públicas, praças, parques, museus e cinemas;

V - o incentivo à criação de espaços educadores sustentáveis com a readequação dos prédios escolares, incluindo a acessibilidade, e à gestão, à formação de professores e à inserção das temáticas de sustentabilidade ambiental nos currículos e no desenvolvimento de materiais didáticos.

A fim de subsidiar o desenvolvimento das atividades propostas nos macrocampos, o decreto nº 7.083/2010 definiu que o tempo integral corresponde à jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, englobando o tempo total em que o aluno permanece na escola ou em atividades escolares em outros espaços educacionais. Assim,

“falar sobre educação integral implica considerar as variáveis tempo, com referência à ampliação da jornada escolar, e espaço, com referência aos territórios (BRASIL, 2011, p. 19).

A proposta de educação integral do Programa Mais Educação se baseia nos conceitos de cidades educadoras e territórios educativos.

O movimento das cidades educadoras, iniciado na década de 90, em Barcelona, despertou a consciência de que as pessoas que moram em uma cidade são educadas pelo modo como ela se expressa, isto é, no modo como suas ruas, vielas e praças são estruturadas e usadas, pelos serviços públicos que possui e como esses serviços são oferecidos, pelas diferentes formas como os seus moradores habitam, trabalham, se transportam e se comunicam. (BRASIL, 2011, p. 9).

Dessa forma, surgiu a ideia de que as cidades educam/ensinam. Consequentemente, os indivíduos devem estar atentos para aproveitar as oportunidades educativas oferecidas por ela.

Ao tratar dos espaços onde a educação integral se desenrola, Leclerc e Moll (2012) destacam o conceito de intersetorialidade. Para as autoras, esse conceito pressupõe que, para além do espaço específico da sala de aula e dos espaços da escola, os espaços educativos são compreendidos naqueles espaços significativos da vida do bairro e da cidade, de modo a recriar a experiência cultural e civilizatória da humanidade nas formas de cinema, teatro, música, museu, parques, vizinhanças e outros, vivenciadas como ação curricular. Para as autoras,

Essa perspectiva apresenta-se na contramão da segregação em que vivem milhões de crianças, adolescentes e jovens no Brasil, desnaturalizando a compreensão de uma “educação em tempo integral” que deva ocorrer em uma “escola-instituição total”. [...] Ratifica-se, então, a idéia de ação intersetorial e de forte incidência na relação entre escola e comunidade, tendo por base a compreensão de que o projeto educativo das novas gerações deve radicar-se em um sólido compromisso entre distintos atores que compõem o território em que a instituição escolar está situada (LECLERC e MOLL, 2012, p. 101).

Retomando as estratégias dispostas na meta 6 do PNE (ver quadro 1), verifica-se uma visão rumo à ampliação dos horizontes formativos (6.1, 6.4, 6.9). Essas estratégias se referem a atividades de acompanhamento pedagógico e interdisciplinares, inclusive culturais e esportivas; à combinação de atividades recreativas, esportivas e culturais; e ao fomento da articulação da escola com diferentes espaços educativos, culturais e esportivos e com equipamentos públicos como centro comunitários, bibliotecas, praças, parques, museus, teatros, cinemas e planetários. Para alcançar esses espaços, a vida escolar não pode se restringir a sua delimitação física. É necessário desbravar outros territórios.

A definição de um paradigma contemporâneo de educação integral entende que o território da educação escolar pode expandir-se para além dos muros da escola, alcançando seu entorno e a cidade em suas múltiplas possibilidades educativas. Para Moll,

[...] O debate das cidades educadoras – cidades que se comprometem com a inclusão e a diversidade social e que organizam pedagogicamente seus espaços, de modo intencional, para educar e educar-se com os cidadãos – foi importante fonte inspiradora para essa proposição de articulação da escola com seu território. (MOLL, 2014, p. 375).

Frise-se que as atividades desenvolvidas no âmbito da educação integral têm o condão de tornar a escola um ambiente mais atrativo e, com isso, contribuir para a redução dos índices de evasão. Nessa concepção, o espaço físico das instituições de ensino não constitui o único local onde o saber ocorre. Ao alterar esse ambiente e propor a realização de ações em novos espaços, incluído outros temas, a proposta inserida na educação integral demonstra que a formação do indivíduo rompe as fronteiras físicas delimitadas pela escola.

Silva e Silva (2013) chamam a atenção no sentido de que a proposta de educação integral com base nos conceitos de cidades educadoras e territórios educativos, no Brasil, não levou em consideração a realidade de muitos bairros de cidades brasileiras, onde o único equipamento público existente pode ser a própria escola. Para os autores, a proposta de cidades educadoras é forte, mas requer um regime de colaboração:

[...] no qual os municípios tenham condições financeiras e políticas para colocar o projeto de educação em todos os cantos da cidade, porém, fortalecendo a instituição escolar como socializadora do conhecimento acumulado. Apelar para a oferta de espaços educativos por meio de redes da sociedade civil acaba sendo sinônimo de espaço precário para uma educação também precária (SILVA e SILVA, 2013, p. 712).

De outra feita, Moll (2014) alerta que o rebaixamento simbólico dos muros da escola e seu encontro com o entorno comunitário através do uso e da articulação com outros espaços da cidade não descompromete o Estado brasileiro com a melhoria das condições físicas da escola. Inclusive, a estratégia 6.2, do PNE, prevê a instituição, em regime de colaboração, de programa de construção de escolas com padrão arquitetônico e de mobiliário adequado para atendimento em tempo integral. Já a estratégia 6.3, determina ao Estado institucionalizar e manter, em regime de colaboração, programa nacional de ampliação e reestruturação das escolas públicas, por meio da instalação de quadras poliesportivas, espaços para atividades culturais, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros, dentre outros.

No processo de aprendizagem, o tempo assume grande importância. A ampliação da jornada escolar necessária à educação integral não objetiva apenas ser um canal para solucionar os problemas que os alunos enfrentam em decorrência do baixo desempenho dos nos sistemas de avaliação. Aliás, constata-se, em alguns casos, que o aumento da jornada escolar dos estudantes em disciplinas específicas, como Matemática ou Língua Portuguesa, tem gerado processos de hiperescolarização, que não apresentam os resultados desejados

(BRASIL, 2009c). O aumento da carga-horária escolar deve vir acompanhado de qualidade, de modo a contribuir para o desenvolvimento do aluno.

Alguns estudos consideram que a qualidade do ensino está baseada na relação entre tempos e espaços educativos. “Eles demonstram que ampliar os tempos e os espaços de formação dos estudantes fará com que o acesso à educação pública seja complementado por medidas que garantam a permanência e a aprendizagem desses alunos nas escolas” (BRASIL, 2011, p. 19). No entanto, nem toda escola oferece as condições necessárias para a permanência dos discentes durante todo esse período. Mais uma vez, frisa-se que não basta ofertar mais tempo escolar, é preciso garantir qualidade no aproveitamento desse tempo.

Da mesma forma, a ampliação da jornada escolar não pode ficar restrita à divisão em turnos, pois isso pode denotar a distinção entre um tempo de escolarização formal, em sala de aula, com o cumprimento do currículo pedagógico, e outro tempo, com o desenvolvimento de atividades mais lúdicas, aparentemente sem compromissos educativos. Cavaliere (2002) defende que a expansão do tempo escolar tem o potencial de incrementar a qualidade da educação desde que essa extensão signifique uma conjunção qualitativa de trabalhos educativos.

Ante o exposto neste capítulo, que apresenta o Programa Mais Educação a partir da legislação, de documentos produzidos pelo MEC e das contribuições teóricas de estudiosos, verifica-se que a formulação de uma proposta de educação integral no âmbito deste Programa implica a ampliação qualificada do tempo, mesclando atividades educativas diferenciadas, que ocorram dentro e fora da escolar. Ao proceder dessa forma, é possível “contribuir para a formação integral do aluno, superando a fragmentação, o estreitamento curricular e a lógica educativa demarcada por espaços físicos e tempos rígidos.” (BRASIL, 2011, p. 24).