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2 A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO E O DESENVOLVIMENTO DA REDE FEDERAL TECNOLÓGICA

2.2. Tentativas de democratização do ensino superior

A Constituição de 1988 representou um passo na tentativa de tornar mais demo- crático o acesso à educação superior brasileira, uma vez que afirma ser um dos princípios da

educação a “igualdade de acesso e permanência” (Art. 206, inciso I), e ser dever do Estado,

com a educação, a garantia de “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da

criação artística” (Art. 208, inciso V)8

.

A autonomia das universidades e o princípio da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão também foram garantidos no seu Art. 207. As atividades de pesquisa e de extensão passaram a conquistar espaço no meio acadêmico, procurando evitar fragmenta- ções e o estabelecimento de “critérios alheios à lógica essencial de organização e de produção do trabalho que ocorre na universidade” (CATANI; OLIVEIRA, 2013), como acontece quan- do uma instituição tem como foco apenas o ensino e não investe em pesquisa ou extensão.

8O texto completo do inciso é: “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,

segundo a capacidade de cada um”. (Art. 208, inciso V). O trecho grifado será objeto de análise deste trabalho na seção que sobre os processos seletivos.

Outro aspecto democrático da organização do trabalho docente consta nos incisos II e VI do Art. 37, que tratam da forma de ingresso em cargo ou emprego públiconas Institui- ções Federais de Ensino Superior (Ifes), e que está condicionada à aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, bem como da garantia de os servidores públicos de se filiarem a sindicatos.

A Carta Magna também lançou os parâmetros para a elaboração de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que refletisse os anseios democráticos da popula- ção.

Assim, a nova LDB, n° 9.394/96, aprovada em 20 de dezembro de 1996, apresen- ta um capítulo específico sobre a educação superior, em que dedica os artigos 43 a 57 a esse nível da educação. Na nova lei, permaneceu a convivência da oferta pública com a oferta pri- vada em todos os níveis de ensino, ao reconhecer a “coexistência de instituições públicas e

privadas de ensino” (Art. 3º inciso V).

O Art. 43 estabelece as “finalidades da educação superior”, que vai desde formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, passando pelo incentivo à pesquisa e à di- vulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos, até a prestação de serviços à co- munidade.

O art. 44 revela uma contradição quanto ao padrão de ensino superior. O sistema torna-se mais diversificado e diferenciado, prevendo que, além dos cursos de graduação e de pós-graduação, esse nível de ensino poderá ofertar cursos sequenciais e de extensão. De acor- do com Catani e Oliveira (2003), a novidade nesse artigo é a criação dos cursos sequenciais por campo de saber, com diferentes níveis de alcance, de formação específica e com vistas a complementar os estudos, além da duração média de dois anos. Esses cursos não são de gra- duação, mas o seu formato parece ser uma alternativa de qualificação para aqueles que já es- tão atuando no mercado de trabalho. São também uma resposta à falta de flexibilidade e de diversificação do ensino superior, como criticou Schwartzman (1998, p.1): “they do not en-

courage diversity or flexibility of the curriculum”.

A forma de avaliação das IES também foi contemplada no Art.46 da LDB, que esclarece a necessidade de autorização e de reconhecimento de cursos, bem como o credenci- amento das instituições de educação superior, embora seus procedimentos operacionais só tenham sido estabelecidos no Decreto n° 3.860/20019.

9 Dispõe sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos e instituições, e dá outras providências.

Apenas em 2004 foi criado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superi- or (Sinaes), pela Lei n° 10.861. Por esse sistema, as IES passaram a ser avaliadas por aspec- tos como: o ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos alu- nos, a gestão da instituição, o corpo docente, as instalações. Para uma IES ser avaliada glo- balmente, passaram a ser considerados três componentes: a avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes.

Em termos de democratização, o Sinaes traz a autoavaliação institucional. Como a democracia se baseia nos princípios de liberdade, autonomia, igualdade e justiça, a autoavali- ação proposta pelo Sinaes se configura como uma oportunidade de colocar em prática esses preceitos.

No entanto, mesmo depois da Constituição de 1988 e da nova LDB, estudiosos da área, entre eles, Dilvo Ristoff, ao avaliarem a situação da educação superior brasileira, sobre- tudo das instituições de ensino superior pública, concluíram que esta continuava excluindo uma parcela significativa da população.

Aproximando-se o final do século XX e o início do século XXI, a situação da educação superior continuava tão preocupante que Schwartzman (1998, p. 1) chamou o perío- do de encruzilhada, pois o modelo antigo não atendia mais as necessidades do novo século, conforme afirma: “Higher education in Brazil is approaching a crossroads. The old model, a publicly funded system for the few, is centered on an elite and will not serve the country's needs in the 21st century”.

Assim, nos anos posteriores à nova LDB, grandes desafios ainda se apresentaram ao ensino superior, dentre eles o alcance à efetiva democratização do acesso e à permanência dos estudantes de baixa renda na universidade pública (RISTOFF, 2008, p. 48).

O gráfico que ilustra a expansão das matrículas no ensino superior continua apre- sentando uma tendência de crescimento maior para as IES privadas, como se verifica a seguir.

Gráfico 3 – Evolução das matrículas na graduação presencial de 1965 – 2012

Fonte: Censo e Sinopse Estatística do Ensino Superior, MEC/Inep (Quadro Resumo- Estatísticas Gerais da Edu- cação Superior, por Categoria Administrativa- Brasil- Censo)

O autor ainda aponta alguns problemas decorrentes do processo de expansão pós- LDB: a) a aguda banalização do termo universidade, sendo confundida com centros universi- tários ou com instituições exclusivamente dedicadas ao ensino de graduação; b) a centraliza- ção do sistema regulatório nas mãos da União, que regulamenta e executa os processos de autorização, reconhecimento, renovação de reconhecimento, credenciamento, recredencia- mento e de avaliação institucional das IES; c) a falta de alinhamento das políticas de expansão com as ações de democratização do acesso e de permanência, para garantir que a população excluída tenha condições reais de igualdade dentro dos campi.

No que diz respeito ao último problema levantado por Ristoff, cabe ressaltar a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei no 10.172, de 9 de ja- neiro de 2001, que previa, dentre os objetivos e metas para o ensino superior, a ampliação da oferta de vagas para um mínimo de 30% de jovens na faixa etária de 18 a 24 anos, além de estabelecer uma política de expansão que diminuísse as desigualdades regionais de oferta e garantisse o acesso à educação superior para as camadas discriminadas.

O problema do acesso ao ensino superior na faixa etária ideal também foi percebi- do por Schwartzman (1998). Na análise feita pelo autor no final da década de 1990, foi consi- derada urgente a necessidade de aumentar a cobertura do ensino superior, pois o sistema esta- va oferecendo educação para menos de 10% do grupo etário e não estava preparado para atender às crescentes demandas, conforme afirma: “a demographic bulge of young Brazilians is reaching university age (...) The current system provides education for less than 10 percent

1965 1970 1980 1985 1990 2000 2010 2012 Público 182.6 210.6 492.2 556.6 578.6 887.0 1.461 1.715 Privado 142.3 214.8 885.0 810.9 961.4 1.807 3.987 4.208 0 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 3.000.000 3.500.000 4.000.000 4.500.000 Público Privado

of the age cohort and is ill-equipped to meet the growing demands” (SCHWARTZ- MAN,1998, p.2).

Lamentavelmente, essa meta do PNE (2001-2011) não foi atingida. Em estudo mais recente de Ristoff (2013), observa-se que a taxa de escolarização em 2011 ficou em tor- no de 17%, ou seja, treze pontos percentuais abaixo da meta estabelecida pelo PNE 2001 – 2010. Embora a taxa de escolarização bruta ultrapasse em 0,5% os 30% estabelecidos pelo PNE anterior (2001 - 2010), a taxa líquida deve-se menos ao crescimento das matrículas do que à diminuição da população da faixa etária de 18 a 24 anos. Segundo Ristoff (2013),

Convém lembrar que em 2005 esta faixa etária era de 23,9 milhões e em 2011 era de apenas 22,1 milhões. Houve, portanto, uma queda na faixa etária usada como base de cálculo para a taxa de escolarização (1,9 milhão de pessoas a menos), ironica- mente auxiliando no aumento dos índices de taxa líquida na educação superior. Nem mesmo com este auxílio das estatísticas do IBGE, no entanto, foi possível atingir a meta preconizada no PNE, deixando evidente que há ainda um longo caminho a ser trilhado até o Brasil atingir a meta líquida estabelecida em 2001 (RISTOFF, 2013, p. 17).

O gráfico 4 ilustra essa comparação entre a população com idade de cursar o ensi- no superior e o número de matrículas nesse nível em 2011.

Gráfico 4 – Taxa de escolarização líquida – 18 a 24 anos (2011)

Fonte: IBGE e MEC/Inep (Ristoff, 2013)

O ciclo de vida do PNE (2001- 2011) se encerrou trazendo poucos avanços no que diz respeito à democratização da educação superior. Partiu-se, então, para a elaboração de um novo PNE.

Em 2010 foi enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional o projeto de lei do novo plano nacional, que vigoraria de 2011 a 2020. Contudo, o país ficou durante mais de três anos sem um direcionamento objetivo para as políticas públicas educacionais, pois só no

dia 25 de junho de 2014, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei no 13.005, que aprovou este novo PNE, com vigência de 10 anos, a contar da publicação.

Em termos de acesso ao ensino superior, o desafio continua e parece ser maior com o PNE (2014/2024). A meta do novo plano é elevar a taxa bruta de matrícula na educa- ção superior para 50%, e a líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas no segmento pú- blico (Meta 12 da Lei no 13.005).

Isso trará diversos desdobramentos tanto para a educação básica, que terá que formar mais e melhor seus estudantes, para que tenham maiores possiblidades de ingresso no nível superior; quanto para o ensino superior público, que terá de adequar sua oferta e suas políticas de permanência a esta nova realidade, para garantir que aquele que entrou consiga concluir.

Cabe ressaltar que a taxa de escolarização líquida do ensino fundamental e, prin- cipalmente, do ensino médio continuam sendo um dos impedimentos ao aumento da taxa de escolarização líquida do ensino superior, uma vez que o fenômeno da distorção idade-série no ensino médio faz com que muitos jovens de 18 e 19 anos, ou até mesmo de mais idade, ainda se encontrem cursando esta etapa da educação básica.

De acordo com Ristoff (2013, p. 22),

[...] a dificuldade para alcançar a taxa líquida estabelecida encontra explicações, primeiro, nos indicadores do ensino médio brasileiro e, segundo, no elitismo históri- co da educação brasileira, que excluiu ao longo dos anos os grupos mais pobres da sociedade.

Diante disso, para avançar na democratização do ensino superior público, também é necessário olhar para os entraves das etapas educacionais anteriores, caso contrário o país continuará perdendo jovens com potencial.