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Tentativas de reorganização curricular: conseqüências para a prática docente.

Folha XIX Atividade Nº 35 “A TABELA COLORIDA”

Parte 2: Representação Geométrica

3.3 Tentativas de reorganização curricular: conseqüências para a prática docente.

Nas últimas décadas, tanto no Brasil como em vários outros países, reorientações curriculares vêm sendo discutidas e implementadas, tomando por base pesquisas sobre o ensino da Matemática e buscando adequar o trabalho escolar à nova realidade, a qual se configura em um mundo em constante desenvolvimento com o uso mais presente da Matemática, em diversos campos. E isto tem estimulado mudanças no ensino de Matemática, a partir de tendências didático-pedagógicas diferenciadas.

Apresentamos, com esse fim, uma breve síntese baseada nos programas oficiais de propostas curriculares, de documentos subsidiários e de livros didáticos.

Em 1949 o Sistema Estadual de Ensino Público do Estado de São Paulo lançou programas oficiais, cujas vigências se estenderam até 1968, ano em que foram elaborados novos programas.

Manuais como “Ensine com Êxito” orientaram a prática dos professores nesse período e influenciaram livros didáticos, como “Matemática Moderna", de Débora de Pádua Melo Neves.

Segundo Lopes (1988, p.4), os livros da autora citada acima são coerentes com os seus “modernismos”, pois absurdos conceituais atravessam suas coleções de 1ª a 4ª séries. Nas “obras” da autora podem ser encontrados conjuntos vazios de xícaras, bombons, meninas, uvas, peixes e garrafas.

O ponto central do trabalho, naquela época, objetivava a aprendizagem do cálculo mental e escrito obtidos pelo treino exaustivo e deixando de lado a compreensão dos procedimentos envolvidos.

A aprendizagem seguia uma extensa progressão de etapas que levava em conta a grandeza dos números envolvidos e uma hierarquização de prováveis dificuldades. O trabalho docente estimulava o exercício de memorização de resultados.

Não havia preocupação de justificar os “porquês” das técnicas operatórias. Pode-se constatar que o ensino de Matemática, em muitos países, no período de 1966 a 1980, foi influenciado pelo movimento que ficou conhecido como Matemática Moderna.

Esse movimento originou-se da disputa que os Estados Unidos, a França e a Inglaterra tinham contra a União Soviética (guerra fria), na pretensão da conquista espacial, quando do lançamento do Sputnik pelos russos. Àquela altura, influenciados pela orientação no pós-guerra, para a reconstrução e expansão industrial, esses países, principalmente os Estados Unidos, sentiram que estavam atrasados na corrida espacial e tecnológica. Foi assim que a Matemática Moderna inscreveu-se, claramente, numa política de formação a serviço da modernização econômica e da soberania política.

Por outro lado não considerando apenas o contexto histórico há a caracterização de que entre os pressupostos da Matemática Moderna estava a idéia de tornar acessível para os estudantes de diferentes níveis de ensino da Matemática, linguagens e estruturas muito próximas daquilo que a comunidade de matemáticos havia produzido, isto porque a Matemática e essa forma com que

a Matemática se apresentava constituía uma via para os alunos ascenderem a uma formação necessária ao desenvolvimento cientifico e tecnológico da sociedade.

A Matemática Moderna enfoca a Teoria dos Conjuntos, linguagem unificadora de seus vários campos matemáticos, que se contrapõe a uma matemática, que enfatizava a memorização, algoritmos, técnicas, mecanismos, fórmulas e a uma geometria de axiomas e de demonstrações, sem falar nos conhecidos "carroções" aritméticos e algébricos. Propunha que a ênfase deveria ser dada às propriedades, conceitos, demonstrações locais, à lógica, transformações geométricas, etc.

Sob a influência desse movimento, o ensino de Matemática pautou-se pela preocupação excessiva com as abstrações internas à própria Matemática, objetivando mais a teoria do que a prática. Uma conseqüência do movimento foi o estudo da álgebra, de modo desarticulado com os outros saberes, em detrimento da geometria e das medidas.

No Brasil, a Matemática Moderna foi veiculada principalmente por meio de livros didáticos, sem maiores discussões pelo conjunto de educadores, a respeito de quais eram seus propósitos, qual fundamentação teórica a embasava, etc.

Um dos principais responsáveis pela introdução da Matemática Moderna no Brasil foi o professor Osvaldo Sangiorgi, autor de vários livros didáticos que traduziu as orientações desse movimento.

É importante salientar que, ainda hoje, podem ser observadas práticas escolares influenciadas pelo movimento da “Matemática Moderna”, tais como: a insistência em se trabalhar conjuntos nas séries iniciais; a ênfase ao uso da linguagem dos conjuntos; o predomínio absoluto da álgebra nas séries finais do ensino fundamental; a formalização precoce de conceitos e a desvinculação do ensino da Matemática de suas aplicações práticas.

Afirma Kline (1976) que a Matemática Moderna foi um fracasso. Ele chega a essa afirmação condenatória após examinar o comportamento de alunos e professores na sala de aula e analisar os fundamentos metodológicos da Matemática Moderna e da anterior e concluir que os alunos absorviam uma porção de idéias complicadas, porém não aprendiam a somar.

Kline ilustra, com ironia, um exemplo das suas afirmações. Ele conta que um pai interrogou seu filho de oito anos, acerca da soma 5 + 3 e recebeu como

resposta que 5 + 3 = 3 + 5, segundo a propriedade comutativa da adição. O pai, não satisfeito com a resposta, perguntou novamente a seu filho, então, quantas são 5 maçãs e 3 maçãs? Seu filho, sem entender o “e”, indagou se ele estava querendo dizer 5 maçãs mais 3 maçãs. O pai mais que depressa disse que sim. O garoto, então, respondeu. “Oh, não tem importância se fala sobre maçãs, pêras ou livros, 5 + 3 = 3 + 5, em qualquer dos casos”.

Cita, também, em seu livro, que os adeptos dessa Nova Matemática influenciaram o Sistema Escolar dos Estados Unidos, com suas propostas de reformas do ensino, incluindo essa matéria e forçaram mudanças radicais nos currículos. Mas, segundo sua informação, a Nova Matemática dirige-se especialmente aos alunos que algum dia serão matemáticos.

Entendendo-se que o Brasil é herdeiro tardio desta reforma, verifica-se, hoje, que os alunos que estudaram no contexto da Matemática Moderna, não conseguem adquirir os conhecimentos práticos da Matemática.

O livro de Kline é incisivo. Apresenta fortes argumentos e constitui um depoimento que não pretendia defender tudo o que se ensinava na Matemática “antiga”, alegando que esta continha imperfeições, mas a Matemática Moderna, ensinada nas séries iniciais era ainda mais imperfeita, no seu entender.

Editores de livros no Brasil, levados pelo modismo da época desrespeitaram os usuários dos livros, imprimindo absurdos no capítulo sobre conjuntos, permitindo que autores escrevessem conceitos errados.

Lopes, em seu artigo “A matemática moderna não é mais aquela” flagrou “descuidos” nos livros didáticos da época. Exemplos:

Joanita de Souza – nome fictício de autor (es) da editora Brasil, em Brincando com números, propõe aos alunos que “desenhem um conjunto vazio”. É de arrepiar. Ainda nessa linha de atividades do além, a coleção Matemática, da SE/MG, sugere que as crianças “observem um conjunto vazio”. Maria Ignez Barros, autora de Escola é vida, da ed. Brasil, provavelmente encantada com a criatividade de sua colega de editora “Joanita” afirma com todas as letras, no seu livro de 3ª série, que “existem dois conjuntos vazios”.(Lopes,1988).

Ainda nesse artigo Lopes cita outros exemplos dizendo que era uma pequena amostra do que se encontrava na maioria dos livros didáticos, cópias malfeitas e sem propostas dos materiais produzidos, mas, poderia em uma outra ótica, ser considerado mais um problema de interpretação do movimento.

Em verdade, a pretexto de se desenvolver uma linguagem formal unificadora dos diversos campos da Matemática, negligencia-se a preocupação com o processo de formação de conceitos em Matemática, resvalando-se para abstrações pouco significativas para as crianças.

No caso particular das frações (ou números racionais na forma fracionária) ocorre uma ênfase exagerada na estruturação formal desse conjunto e em aspectos da organização dos conteúdos tais como expressões numéricas e propriedades muito distantes do modo de pensar dos alunos. Perde-se com isso a possibilidade de se dar um sentido para o conceito de fração, um significado para essa idéia matemática muito presente no cotidiano das pessoas.

A análise crítica do movimento da Matemática Moderna apresentada por Kline não pretendia defender o que e como se ensinava Matemática antes desse movimento. O autor alega que tal orientação continha muitas imperfeições, mas a Matemática Moderna, ensinada nas séries iniciais era ainda mais imperfeita.

No final dos anos 70, nos Estados Unidos, começa-se a falar em volta à matemática antiga e surge o movimento “back to basics” (de volta às origens). Também no Brasil surgem reações aos abusos cometidos em nome da Matemática Moderna.

Sangiorgi, em um balanço de 15 anos da Matemática Moderna já afirmava que:

Nunca preconizamos essa abstração do tipo encontrar o conjunto das partes de um conjunto vazio. Sequer pretendíamos eliminar os cálculos. Propúnhamos, isso sim, que os cálculos tivessem alguma logicidade. (Sangiorgi,1975. In Lopes, 1988).

O movimento “back to basics”, na época, foi muito forte, mas concomitantemente, organizou-se a luta contra as más conseqüências que tal movimento podia ter, que era cair no extremo oposto, surgindo o slogan “forward to basics”, o além do básico, entendido como conservação dos objetivos da formação geral sem excluir as habilidades básicas.

3.3.1

Subsídios para a Implementação do Guia Curricular de

Matemática

Como os Guias Curriculares mostraram-se documentos complexos e insuficientes para o trabalho dos professores, foram elaborados os “Subsídios para a Implementação do Guia Curricular de Matemática”, que tinham como objetivo fornecer ao professor elementos que permitissem resolver o problema de identificar as atividades necessárias à obtenção dos resultados esperados, permitindo a efetiva implementação dos Guias, no que diz respeito à Matemática.

Assim eram apresentadas informações que julgavam apropriadas e oportunas, visando permitir um maior entendimento aos objetivos especificados para unidades da programação curricular, sugerindo estratégias que se esperavam fossem eficazes para consecução desses objetivos.

Desse modo, o material organizado procurava determinar toda a seqüência de aprendizagem. Continha um amplo conjunto de atividades, no qual eram considerados os comportamentos reconhecidos como pré-requisitos à aprendizagem dos alunos (posteriormente criticados pela sua linearidade), sugerindo as tarefas múltiplas e progressivas (o tal de passo a passo), que deveriam ser realizadas, seguindo as sugestões metodológicas, que orientavam os professores na supervisão dessas atividades.

Os Subsídios para a implementação dos Guias Curriculares foram programados de modo a convergirem para os objetivos definidos nos Guias Curriculares, para as séries e unidades. Essas atividades apenas sugeriam alguns dos possíveis caminhos a serem seguidos.

A programação do material envolvia: o Formulação dos objetivos;

o Descrição de materiais didáticos a serem empregados; o Descrição de formas de utilização desses materiais;

o Observações referentes a fatores que condicionavam o uso do material relacionado ao aluno, à disponibilidade de recursos didáticos e à própria programação;

Nos Subsídios para a implementação do Guia Curricular de Matemática encontram-se os seguintes itens:

b) O material instrucional é uma referência mais forte – Material Dourado, Cuisenaire e outros;

c) Esquemas, tabelas e reta numérica são recursos utilizados para representar as operações;

d) Introduz as operações através do estudo de suas escritas.

e) Ênfase na compreensão das técnicas operatórias (vai um; empréstimos; distributividade; processo americano ou estimativas; etc.).

3.3.2 Atividades Matemáticas (AM)

Como os Subsídios também foram avaliados ainda como insuficientes para atender a grande demanda do professor de “como ensinar” a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP/SEE)35 elaborou as "Atividades Matemáticas”, que ainda hoje é um material de apoio ao trabalho do professor e a Proposta Curricular para o Ensino de Matemática de 1º grau que é um documento orientador das práticas pedagógicas para a Rede Estadual de Ensino em São Paulo, uma reorientação de rumos: Matemática como coisa construída x Matemática como processo de construção.

A Proposta Curricular reforma os pressupostos do trabalho com as operações, apresentados nas Atividades Matemáticas.

Os compêndios das Atividades Matemáticas surgiram a partir do diagnóstico obtido pela avaliação que a SEE fez em 1981 através da sua equipe de Matemática da CENP. A aplicação36 das provas de Matemática ocorreu em duas Escolas de cada Delegacia de Ensino (nomenclatura antiga das Diretorias de Ensino) e em cada escola, duas séries: a 2ª e a 4ª.

A proposta das Atividades Matemáticas era, inicialmente, a de ajudar aos professores de 1ª séries a proporcionarem aos seus alunos, atividades nas quais eles pudessem trabalhar naturalmente, com conceitos matemáticos, tendo liberdade de experimentar, discutir e, sobretudo, tirar conclusões.

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Órgão vinculado à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, responsável pela assessoria educacional.

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Como autores das Atividades Matemáticas podemos destacar: Célia Maria Carolino Pires, Maria Nunes, Marilia Barros de Almeida Toledo e Vinício de Macedo Santos.

Ainda durante o ano de 1981 as atividades foram experimentadas em algumas classes de cinco escolas estaduais de 1º grau, da Região Metropolitana, na grande São Paulo. Semanalmente, as atividades eram entregues aos professores de 1ª série, que retornavam as informações a SEE, relatando sobre o desenvolvimento destas. Havia elementos da equipe da CENP que faziam observações do desenvolvimento dos trabalhos dos alunos em sala de aula. Através dos dados colhidos as atividades foram reformuladas ou eliminadas e as atividades complementares foram escritas.

Os resultados encorajaram à equipe a apresentar a coletânea às escolas da Rede Estadual de Ensino, ao término do mesmo ano de 1981.

Em anos posteriores foram elaboradas as AM2, AM3 e AM4 (Atividades

Matemáticas para as 2ª, 3ª e 4ª séries).

Cada uma das atividades propostas nas Atividades Matemáticas compõe- se de duas partes: a primeira destinada ao aluno e a segunda ao professor.

A primeira explicita:

• O objetivo: descrição do comportamento esperado do aluno;

• O material necessário: listagem dos materiais empregados na atividade:

• O desenvolvimento: descrição de como a atividade deve se desenvolver.

A segunda parte explicita:

q O tema: assunto ao qual pertence a atividade;

q A meta: finalidade da atividade, segundo o ponto de vista do professor;

q Os comentários: informações complementares referentes à própria atividade ou ao tema em tratamento.

A maioria das atividades está proposta para serem desenvolvidas em grupo, porque nessa relação aluno-aluno esperava-se propiciar o exercício do espírito cooperativo (e não competitivo como na maioria dos casos).

Uma das marcas do trabalho com as operações nesse material reside na importância dada às escritas aditivas, subtrativas, etc. e ao rompimento com a abordagem, das operações via conjuntos.

Nessa abordagem, por exemplo, as escritas aditivas servem num primeiro momento para codificar uma determinada quantidade, decomposta em sub- quantidades.

Os problemas tardam a aparecer nas duas primeiras séries, garantindo-se primeiro o trabalho com o cálculo.

Há indícios de exploração de procedimentos de cálculo mental e de estratégias para organizar resultados com vistas à memorização.

A progressão adotada continua separando o estudo da adição e da subtração e é marcada pelo estudo sucessivo de cada uma das operações. Parte da exploração de escritas variadas e depois coloca ênfase no trabalho de redução das escritas.

A ordem de grandeza dos números continua sendo um aspecto marcante. As escolhas didáticas marcam certamente uma evolução. De um lado começa-se a reconhecer a importância de exploração de vários procedimentos de cálculo, inclusive os que as crianças criam.

3.3.3 Experiências Matemáticas (EM)

Pelos resultados do trabalho com as “Atividades Matemáticas”, que segundo depoimentos de professores e especialistas da área, contribuíram para a renovação do ensino da Matemática, não apenas na rede pública estadual paulista, nas escolas particulares e mesmo, em outros estados brasileiros; foi desenvolvido o projeto “Experiências Matemáticas”, para as 5a, 6a, 7a e 8a séries do Ensino Fundamental (EM1, EM2, EM3 eEM4 respectivamente).

Esse projeto, também elaborado pela Equipe Técnica da CENP e mais professores convidados foi apresentado à Fundação Vitæ – Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social – que, aprovando-o, responsabilizou-se pelo financiamento em 1993 da elaboração da primeira etapa das testagens e da reelaboração, cabendo a SEE, como contrapartida, a impressão das versões e

implementação do material, tendo em vista uma avaliação mais abrangente do projeto.

As “Experiências Matemáticas” foram feitas com o intuito de oferecer a continuidade às Atividades Matemáticas, estendendo-se às quatro séries finais do Ensino Fundamental, para atender aos alunos que, acostumados a aulas mais dinâmicas, participassem ativamente da construção do conhecimento, questionassem os porquês das regras matemáticas, das convenções adotadas e que não aceitavam as aulas tradicionais, como meros espectadores.

Os autores das Experiências Matemáticas reforçam que as atividades apresentadas têm seus objetivos centrados na aquisição de certas competências básicas necessárias aos futuros cidadãos e não apenas na preparação para estudos posteriores. Reforçam ainda que a apropriação da Matemática pelo aluno não pode limitar-se ao conhecimento formal de definições, de resultados e técnicas, ou até mesmo, de demonstrações. É indispensável que os conhecimentos tenham significado para ao aluno, a partir de questões que lhes são colocadas e que saiba utilizá-las para resolver problemas. Procurou-se não insistir sobre aspectos puramente mecânicos e mnemônicos.

Como nas Atividades Matemáticas os temas apresentados nas Experiência Matemáticas organizam-se em torno de três grandes eixos: Números, Medidas e Geometria.