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2.2 Humor: uma primeira abordagem

2.2.1 Teoria da Incongruência

Quando as teorias da incongruência ganham força nas décadas de 1960 e 1970, elas destacam aspectos cognitivo-perceptivos do humor, que nas teorias anteriores, tais como a da superioridade e da psicanálise, ainda não tinham sido tão bem abordados mediante à relevância que naquele momento lhes fora atribuída (Martin, 2007, p. 72).

Apesar das teorias relativas a incongruência terem recebido mais atenção na segunda metade do século XX; classicamente, podem ser encontrados muitos estudos, nos séculos passados, que já preconizavam minimamente a relação do riso com eventos nos quais convergências de sentido eram o cerne promotor daquelas situações.

Desde a antiguidade, Aristóteles (2005, pp. 270-271), apesar de sempre estar relacionado à teoria da hostilidade, demonstra uma primeira apreciação àquilo que seria um primeiro rastro da teoria da incongruência ao explanar que a criação dos provérbios populares, dotados de uma metáfora e de um ensinamento, decorrem pela a conferência de características a certo objeto, que não são tão óbvias, mas que mesmo assim são capazes estabelecer um engano prévio do interlocutor, o qual perante à sensação inesperada

70 provocada pela sua primeira interpretação, deve reinterpretar o que lhe foi dito. Ademais, sobre os versos cômicos e sobre as piadas, Aristóteles, ao pôr em causa a interpretação frustrada, afirma que o elemento de contraste, além de ser inesperado; nesses momentos, é também aquele que produz a inconsistência interpretativa, consequentemente, sendo o responsável por causar uma reinterpretação do sentido apreendido pelo interlocutor relativo àquele que o emissor pretendia. Dessa maneira, a ideia de oposição é apresentada como imprescindível para que um ato humorístico opere efetivamente e que, além disso, ganhe certa aderência entre os indivíduos.

Kant (1992, pp. 238-243), no século XVIII, já afirmava que, no riso, existe um jogo de estéticas baseado na alternância daquilo que, à princípio, atribuiu-se a determinado objeto a fim de provocar certo desconcerto quanto àquilo que ele é. Esse engano faz com que o riso esteja sempre associado à incongruência dada na compreensão mais imediata de um interlocutor tendo em vista que aquilo que foi interpretado não era a real compreensão desejada pelo enunciador. Dessa maneira, o humor está relacionado a esse encontro de ideias paralelas que, quando convergem, suscitam o absurdo, o díspar, o inadequado ou, simplesmente, aquilo que desvia daquilo que é esperado. Dada à notabilidade das incongruências no jogo estético, vale reforçar, que o interlocutor reestrutura o pensamento interpretativo a fim de desfazer o engano apreendido anteriormente enunciado por aquele que incitou a alternância em seu discurso no anseio de provocar o riso; o qual, por sua vez é ainda defendido por Kant como detentor daquilo que ele denomina de “arte agradável”.

Pouco mais tarde no início do século XIX, Shopenhauer (1966, pp. 91-101) desenvolve melhor uma linha de pensamento sobre a origem do riso, considerado por ele como um fenômeno propriamente humano. No segundo volume de sua obra The World as Will and

Representation, o autor dedica um capítulo, intitulado "On the theory of the Ludicrous", para

discutir as causas do riso e lá reitera a ideia de que o riso é um resultado expressivo da percepção de incongruências entre um conceito e como que os indivíduos lhe deram forma. Além disso, Schopenhauer dissipa a ideia de que o contraste observado graças às diferenças de percepções pode ser materializado pelas palavras ou pelos atos; reforçando apenas que todo ato humorístico é inesperado. Logo, diante dessa espontaneidade dos fatos é que o riso se encaixa como expressão emocional no momento em que se percebe a disparidade.

Em sua obra Essay on Laughter and Ludicrous Composition, Beattie (1778, pp. 321- 486), ainda no século XVIII, aparece como um defensor fervoroso de que o humor é causado pela incongruência. Além disso, o autor se opõe arduamente à teoria da hostilidade cuja premissa essencialista define que o humor é oriundo da agressão ao outro a fim de que exista uma superioridade entre o emissor e o interlocutor do ato humorístico. Beattie ainda reforça que é a comicidade o elo nas situações incongruentes, visto que é necessário um fator que provoque unicidade reunindo os elementos discordantes. Ainda, nesse processo, o autor

71 adverte que existem muitas combinações cujas relações são contraditórias que não demandam a comicidade como um ponto de convergência, entretanto, não há uma situação cômica que não exija incongruências, estabelecendo assim uma essencialidade aos estudos do humor.

Bergson (2002, pp. 42-47), no século XIX, aborda o riso e tem uma postura condizente à ideia de que o humor surge a partir de uma incongruência. O autor defende que as circunstâncias risíveis nos seres humanos são frutos de mecanismos os quais se originam pelo contraste, entretanto, o estudioso questiona essa premissa de que as noções de disparidade e de surpresa podem não estar sempre relacionadas com o cômico. Bergson, ainda nos seus estudos, estabeleceu três categorias: repetição, inversão e interferência de séries a partir dos quais, buscou compreender melhor as engrenagens do mecanismo que provocam o riso. No último processo, na interferência de séries, define-se que o ato cômico como uma situação que pertence a dois universos autônomos, mas, que simultaneamente, provê dois sentidos de interpretação, e o jogo cômico entre esses dois domínios, ao ser realizados com palavras, movimentos, gestos e atitudes, atingimos o resultado expressivo que é o riso. Aqui, podemos indicar um traço que é expandido mais tarde, a respeito da necessidade ou não de que a incongruência, além de ser percebida, seja resolvida para que se realmente atinja o nível cômico. Muitos autores das teorias da incongruência concordam e outros discordam propondo até mesmo a formulação de outra teoria para aqueles que acreditam que a resolução da incongruência seja primordial para que haja teor humorístico.

Em suma, convencionalmente, o humor, nessa gama teórica, reside no fato de que é imprescindível a percepção de uma incongruência, a qual por sua vez, determina crucialmente se algo é ou não cômico. Sucintamente, as coisas engraçadas são incongruentes, surpreendentes, peculiares, incomuns ou diferentes daquilo que normalmente se espera no decorrer de determinada situação.

Contemporaneamente, o ato humorístico ainda é alvo de pesquisa de diversas áreas cientificas cujo empenho maior é clarificar e diferenciar os termos que são utilizados como correlatos ao humor quanto à conceituação, na tentativa de compreender quais são os artifícios utilizados e quais são os efeitos causados pelo humor, propriamente dito.