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2.1 Subteorias da Teoria da Autodeterminação

2.1.3 Teoria da Integração Organísmica (TIO)

A Teoria da Integração Organísmica (organismic integration theory) estuda a

diferentes tipos de regulação (de mais externa à mais interna). Ryan e Deci (2000) apontam que, apesar da motivação intrínseca ser importante, a maioria das atividades, ações e tarefas que as pessoas realizam diariamente não são intrinsicamente motivadas. Isso acontece porque as demandas sociais vão além dos interesses e vontades intrínsecos. Deci e Ryan (1985) explicam esse fenômeno:

Existe, portanto, uma esperada, porém crítica, oposição entre a natureza ativa das crianças e os valores e condições da vida social, um conflito de desenvolvimento (ou uma série de conflitos) comumente descritos como socialização. O conceito de socialização dá reconhecimento ao fato de que existem muitos comportamentos, atitudes e valores que não são nem naturais, nem intrinsicamente motivados, mas são importantes para o funcionamento eficaz no mundo social (DECI; RYAN, 1985, p. 129, tradução nossa).

Dessa forma, a motivação extrínseca significa realizar determinada atividade pelo seu valor instrumental, ou seja, ela é realizada atendendo a um motivo externo. Entretanto, a TIO propõe que a motivação extrínseca pode variar em relação ao seu nível de autonomia. Isso significa, por exemplo, que um aluno pode realizar sua lição de casa somente por medo de levar uma bronca dos pais ou professor; enquanto outro a realiza porque sabe que o aprendizado contido naquela lição será importante para sua formação profissional. Ambos realizam a lição de casa por valores instrumentais, porém no primeiro caso o que move o aluno é o sentimento de obediência e submissão, e no segundo caso existe aprovação pessoal e sentimento de escolha, ou seja, os dois alunos demonstram níveis de autonomia diferentes (RYAN; DECI, 2000).

A TIO analisa de que forma motivações externas podem ser internalizadas pelas pessoas. A internalização acontece quando um comportamento é valorizado e regulado internamente pelo indivíduo, satisfazendo as três necessidades psicológicas básicas. A internalização envolve três tipos de motivação (já apresentados na p. 41): a desmotivação, a motivação extrínseca (com seus quatro níveis de regulação) e a motivação intrínseca. As três são apresentadas em um continuum (Figura 2.2) que demostra como o comportamento de indivíduos pode variar desde desmotivado, passando pela concordância passiva, chegando ao envolvimento pessoal, interesse e prazer (CERNEV, 2011; REEVE, 2006a). Segundo Ryan e Deci (2000), o indivíduo experimenta maior persistência, maior auto percepção positiva e um sentimento de comprometimento de melhor qualidade quanto mais internalizada for a regulação do seu comportamento.

Figura 2.2 – Continuum de autodeterminação (adaptado de REEVE, 2006a)

O continuum de autodeterminação apresenta como polos opostos a desmotivação (menor autodeterminação) e a motivação intrínseca (maior autodeterminação) e no centro as quatro regulações da motivação extrínseca: regulação externa, regulação introjetada,

regulação identificada e regulação integrada. Quanto mais internalizada for a regulação mais

autodeterminado é o comportamento (CERNEV, 2015).

A desmotivação, ou falta de motivação (REEVE, 2006a) é caracterizada por falta de intenção para agir. Pessoas desmotivadas podem simplesmente não realizar determinada ação, ou se a realizam o fazem totalmente sem intenção. A desmotivação pode ser desencadeada por sentimentos de incompetência para realizar a ação, ou por conta de o indivíduo não valorizar a atividade em questão, por exemplo (RYAN; DECI, 2004).

Seguindo o continuum temos as quatro regulações da motivação extrínseca. A primeira delas é a regulação externa. Esta regulação é a menos autodeterminada, e acontece quando o indivíduo realiza a ação somente para atender uma demanda externa, ou seja, obter recompensas, ou evitar punições, por exemplo (RYAN; DECI, 2004). Ryan e Deci (2000) consideram o comportamento externamente regulado como controlado ou alienado, pois as ações possuem um lócus de causalidade percebido externo. Um exemplo deste tipo de regulação é um aluno que só estuda seu instrumento em casa para obter recompensas dos pais, tais como dinheiro, doces, passeios, etc.

Logo em seguida temos a regulação introjetada que é um tipo de motivação parcialmente internalizada, mas que ainda não faz parte do self do indivíduo. Ela é considerada

Menor Autodeterminação Maior Autodeterminação Tipos de Motivação Desmotivação

Motivação Extrínseca Motivação Intrínseca Tipo de regulação Não-regulação Regulação Externa Regulação Introjetada Regulação Identificada Regulação Integrada Regulação Intrínseca Locus de causalidade percebido

Impessoal Externo Pouco Externo Pouco Interno Interno Interno

Processos associados  Não-intencionais  Não-valorizadores  Incompetência  Falta de controle  Obediência  Recompensas  Punições externas  Autocontrole  Envolvimento do ego  Recompensas e punições internas  Importância pessoal  Valorização consciente  Congruência  Preocupação  Síntese com o Self  Interesse  Alegria  Satisfação inerente

ainda bastante controladora, porque a pessoa leva para dentro de si demandas externas e age para evitar sentimentos de culpa ou vergonha ou para manter o ego elevado (auto estima e sentimentos de mérito); de qualquer forma faz a pessoa sentir elevados níveis de pressão e tensão (REEVE, 2006a; RYAN; DECI, 2004). Reeve (2006a) considera que a regulação introjetada faz com que a pessoa se recompense psicologicamente (se sentindo orgulhosa) ou se puna (sentindo vergonha ou culpa). Segundo Cernev (2015) este tipo de motivação faz com que alunos realizem atividades por um sentimento de obrigação (porque ‘deve’ ou ‘deveria’) e que faz com que eles se sintam “ansiosos e culpados por realizarem ou não realizarem uma atividade” (CERNEV, 2015, p. 69). Bzunek e Guimarães (2010) afirmam que tanto a regulação externa quanto a introjetada são “formas de motivação controlada, sendo a primeira por controles externos e a segunda, por controles internos” (BZUNECK; GUIMARÃES, 2010, p. 45).

A regulação identificada é considerada em grande parte internalizada, pois o indivíduo já reconhece o valor daquele comportamento, considerando-o pessoalmente importante ou útil (REEVE, 2006a; RYAN; DECI, 2004). Ela é um tipo de motivação mais autônomo, já que envolve interiorização de valores externos ao self (CERNEV, 2015). Podemos considerar como regulação identificada um aluno de música que reconhece o valor dos estudos de técnica para se desenvolver em seu instrumento e tocar peças mais avançadas.

A regulação integrada é, entretanto, a forma mais internalizada e autodeterminada de motivação extrínseca. Segundo Ryan e Deci (2000, p. 62, tradução nossa): “Integração acontece quando regulações identificadas foram totalmente assimiladas pelo self”, o que envolve autoexame, fazendo com que regulações identificadas se tornem coerentes e congruentes com os valores próprios do indivíduo. Reeve (2006a) relata que a regulação integrada está relacionada à maioria dos resultados positivos, como por exemplo desenvolvimento pró-social e o bem-estar psicológico. Este tipo de motivação se aproxima, muitas vezes, das características da motivação intrínseca, porém ela não deixa de ser extrínseca, já que ela gera um comportamento que busca resultados considerados importantes pelo indivíduo, que é diferente de um interesse intrínseco (RYAN; DECI, 2004).

Ryan e Deci (2000) afirmam que, segundo alguns estudos, tipos mais autônomos de motivação extrínseca estão associados a uma melhora no engajamento, desempenho e bem- estar psicológico, menos desistência, e alta qualidade na aprendizagem. Os autores ainda propõem que o senso de pertencimento facilita a internalização da motivação extrínseca, sendo que “a primeira razão pela qual as pessoas tendem a estar dispostas a realizar determinados comportamentos é pelo fato deles serem apreciados por outros com quem elas se sentem [...]

conectadas” (RYAN; DECI, 2000, p. 64, tradução nossa). Ryan e Deci (2004) consideram, portanto, que a necessidade de pertencer é crucial para a internalização.

Apesar disso, sozinha, a necessidade de pertencer não é suficiente para garantir a internalização da motivação extrínseca. Quando pessoas se sentem competentes ao realizar uma tarefa que foi extrinsecamente motivada elas tendem a internalizar mais facilmente a razão de por que realizar a tarefa. Da mesma forma, a autonomia tem um papel importante na internalização da motivação extrínseca, já que ela, em contraposição ao controle, faz com que a internalização seja integrada (e não somente introjetada). Portanto, Ryan e Deci (2000) mostram que para que a motivação externa seja internalizada e integrada, o ambiente precisa proporcionar a satisfação das três necessidades psicológicas básicas: autonomia, competência e pertencimento.

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