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CAPÍTULO 3 CONFLITO E NEGOCIAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES

3.4 EVOLUÇÃO DA TEORIA SOBRE NEGOCIAÇÃO

3.4.2 Teoria dos jogos

Durante a Segunda Guerra Mundial aparece a denominada Teoria dos Jogos, apresentada inicialmente por Morgenstern e von Neumann no livro Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico, publicado em 1944. A proposta destes autores

O problema com a realidade é que as pessoas com freqüência atuam irracionalmente, ou ao menos atuam por outras razões das estipuladas na pesquisa da teoria dos jogos. (...) Também, a complexidade das situações reais não pode ser completamente retratada em um cenário de laboratório. Por isso, a teoria dos jogos com freqüência tem pouca significação em situações da vida real. (IVARSON, 2001)

Segundo Rapoport (1980), a teoria dos jogos representa uma tentativa de construir uma teoria normativa com uma fundação lógica e não na observação do comportamento das pessoas ou em prova de tipo experimental.

A teoria dos jogos é explicitamente normativa em espírito e em método. Seu objetivo é prescrever como deve comportar-se um jogador racional em uma situação de um jogo dado, quando as preferências desse jogador e as de todos os demais são dadas em unidades de utilidade. (RAPOPORT,1980, p. 173)

A principal deficiência da teoria dos jogos, mesmo como teoria normativa, segundo Rapoport, deriva do fato de não considerar aspectos psicológicos e os problemas de comunicação na sua base axiomática. Dessa forma, não consegue dar conta, por exemplo, do uso dos atos comunicativos em manobras estratégicas dos atores de um processo de negociação (RAPOPORT, 1980, p. 173-177).

Raiffa (2002) destaca também o caráter normativo da teoria dos jogos, e assinala alguns pressupostos limitativos para a sua aplicação prática:

A teoria dos jogos examina como pessoas expertas (smart people), em situações estratégicas interativas, envolvendo duas partes em disputa, pensam rigorosamente a respeito do que os outros estão pensando a respeito do que eles estão pensando, e assim por diante. A teoria, então, propõe como cada um deve jogar, e nesse sentido é conjuntamente normativa. (RAIFFA ET AL, 2002, p. 79)

Do ponto de vista analítico, podem ser assinaladas contribuições positivas da teoria dos jogos em relação a processos de negociação. Segundo Rapoport, estimula a pensar sobre os conflitos de uma maneira nova, e a procurar outras

estruturas nas quais enquadrar as situações de conflito (RAPOPORT, 1980, p. 184). De acordo com Raiffa (2002), a teoria dos jogos ajuda a focar a mente nos pensamentos e prováveis ações negociadoras da outra parte. Constitui, também, um elemento que ajuda a levar em conta como o outro negociador pode responder às nossas sugestões, assim como determinar que efeitos não desejados podem provocar as nossas ações (RAIFFA ET AL, 2002, p. 53).

O caráter fortemente normativo da teoria dos jogos, junto com os pressupostos relativos à racionalidade dos atores determinam que, em termos práticos, as contribuições de esta teoria sejam de pouca utilidade para orientar processos de negociação.

3.4.3 Negociação integrativa

Como alternativa às colocações da negociação distributiva, a partir da metade da década dos anos 60 começam a divulgarem-se, na literatura sobre negociação, propostas tendentes a promover comportamentos colaborativos entre as partes, assim como a ampliação do objeto de negociação, na procura de ganhos mútuos (KERSTEN, 2001, p. 493-494: IVARSON, 2001). Segundo Raiffa (2002):

Negociação distributiva é oposta a negociação integrativa, onde integrativa significa integração dos recursos e capacidades das partes para gerar mais valor. (RAIFFA ET AL, 2002, p. 97)

Kersten (2001) identifica quatro características chave, presentes nas negociações integrativas, que permitem distingui-las das negociações distributivas:

• criação de valor;

• abertura e intercâmbio da informação relevante;

• aprendizado e reestruturação do problema (KERSTEN, 2001, p. 504). Este tipo de propostas, identificadas na literatura por meio de expressões como negociação ou barganha integrativa, negociação colaborativa, negociação "ganha-ganha" ou negociação cooperativa, têm antecedentes nos trabalhos de autores como Mary Parker Follet, na década dos anos 40 do século passado, e de Walton e McKersie em 1965 (COLAIACOVO, 1997, p. 42; KERSTEN, 2001, p. 493). Estes enfoques consolidam-se a partir da década de 80, com os trabalhos da equipe de pesquisadores do Projeto de Negociação da Universidade de Harvard, e ganha ampla difusão com a publicação em 1981 do livro Como Chegar ao Sim de Roger Fisher e William Ury,. Nesse trabalho se introduz o conceito de "negociação baseada em princípios", como contraposição à negociação baseada na barganha por posições.

O método da negociação baseada em princípios, desenvolvido no Projeto de Negociação da Universidade de Harvard, consiste em decidir as questões a partir de seus méritos, e não através de um processo de regateio centrado no que cada lado se diz disposto a fazer e não fazer. Ele sugere que você procure benefícios mútuos sempre que possível e que, quando seus interesses entrarem em conflito, você insista em que o resultado se baseie em padrões justos, independentes da vontade de qualquer dos lados. (FISHER, URY e PATTON, 1994, p. 16)

Segundo estes autores, os métodos de negociação podem ser avaliados

considerando três critérios: deve produzir um acordo sensato 3, em caso que o

acordo seja possível; deve ser eficiente, em termos do uso de tempo e outros recursos das partes, e deve melhorar, ou ao menos não prejudicar, o relacionamento

3 Um acordo sensato pode ser definido como aquele que atende os interesses legítimos de cada uma das partes na medida do possível, resolve imparcialmente os interesses conflitantes, é duradouro e leva em conta os interesses da comunidade (FISHER, URY E PATTON, 1994, p. 101).

entre as partes (FISHER, URY e PATTON, 1994, p. 22). Nesses três aspectos, a negociação baseada em princípios conduz a um melhor desempenho que a barganha posicional. Em termos de alcançar um acordo satisfatório, "à medida que se presta maior atenção às posiciones, menos atenção é voltada aos interesses subjacentes" (FISHER, URY e PATTON, 1994, p. 23), o que torna o acordo menos possível, e no caso de ser atingido, tende a ser menos favorável para as partes. Por outra parte, a disputa baseada em posições conduz a uma polarização do conflito, que normalmente é altamente desgastante e consumidora de recursos, ademais de conduzir à erosão do relacionamento entre as partes.

A negociação baseada em princípios não deve, segundo estes autores, ser confundida com adotar uma forma branda ou amistosa na barganha, privilegiando o objetivo de atingir o acordo. Adotar uma posição desse tipo "torna você vulnerável àqueles que adotam um jogo duro nessa barganha" (FISHER, URY e PATTON, 1994, p. 25-26).

A negociação baseada em princípios, ou negociação dos méritos, pode ser resumido em quatro pontos fundamentais:

• Pessoas: separe as pessoas dos problemas;

• Interesses: concentre-se nos interesses, não nas posições;

• Opções: crie uma variedade de possibilidades antes de decidir o

que fazer;

• Critérios: insista em que o resultado tenha por base algum padrão objetivo (FISHER, URY E PATTON, 1994, p. 28).

Com relação ao primeiro ponto, segundo os autores citados, separar as

pessoas dos problemas deve ser entendido no sentido de que, no processo de

negociação, devem ser atacados os problemas objeto de negociação, e não as pessoas envolvidas no mesmo. Isto significa levar em conta três aspectos: (i) as

pessoas diferem nas suas percepções; (ii) atuam afetados por emoções e (iii) apresentam dificuldades de comunicação. Nessa perspectiva, a compreensão dos elementos subjetivos dos processos de negociação ganha relevância central, junto com os aspectos objetivos do contexto:

Compreender o pensamento da outra parte não é meramente uma atividade útil que irá ajudá-lo a solucionar seu problema. O pensamento do outro lado é o problema. (...) Em última instância, porém, o conflito não está na realidade objetiva, e sim na mente das pessoas. (...) Por mais útil que seja buscar a realidade objetiva, é a realidade tal como cada lado a vê que, em última instância, constitui o problema de uma negociação e abre caminho para uma solução. (FISHER, URY E PATTON, 1994, p. 40-41)

Do ponto de vista da negociação baseada em princípios, são os interesses, e não as posições adotadas pelas pessoas os que definem o problema. Os interesses são as necessidades, desejos, preocupações e temores de cada parte, com relação ao contexto da negociação. Este ponto resulta convergente com o que Keeney (1992) denomina como pensamento focado em valores, em contraposição com o pensamento focado nas alternativas, que orienta a decisão a partir das opções óbvias, disponíveis no início do processo (posições das partes ou ofertas no caso da negociação). Diferentemente das posições, que se apresentam em forma explícita e concreta durante as negociações, os interesses subjacentes a elas geralmente manifestam-se em forma não-expressa, são intangíveis e às vezes incoerentes (FISHER, URY E PATTON, 1994, p. 62). Por isso, para que uma negociação seja bem sucedida, é necessário desenvolver instrumentos que permitam identificar claramente os interesses de cada uma das partes.

O terceiro aspecto considerado refere à necessidade de identificar opções ou alternativas criativas, que permitam contemplar os interesses de todas as partes envolvidas. Para isso, resulta necessário evitar o que Keeney (1992) chama de

pensamento focado em alternativas, ou seja, a tendência a reduzir os esforços de solução de um problema à consideração das alternativas ou posições a partir das quais o conflito foi estabelecido.

Na maioria das negociações, há quatro obstáculos fundamentais que inibem a invenção de uma multiplicidade de opções: (1) o julgamento prematuro; (2) a busca de uma resposta única; (3) a pressuposição de um bolo fixo; e (4) pensar que 'resolver o problema deles é problema deles'. (FISHER, URY E PATTON, 1994, p. 76)

O último aspecto destacado na negociação baseada em princípios é o referido à utilização de critérios objetivos, independentes da vontade das partes na negociação, para a avaliação dos possíveis acordos.

Quanto mais você aplicar padrões de imparcialidade, eficiência ou mérito científico a seu problema específico, maior será sua probabilidade de produzir uma solução final sensata e justa. Quanto mais você e o outro lado se referirem aos precedentes e a praxe na comunidade, maior será sua chance de beneficiar-se da experiência passada. E os acordos compatíveis com os precedentes são menos vulneráveis aos ataques. (FISHER, URY E PATTON, 1994, p. 101)

As três correntes de pensamento em negociação analisadas nesta seção podem ser classificadas em função do seu conceito em relação ao tipo de participação dos atores no processo, e o caráter das orientações ou conselhos oferecidas pelos analistas aos atores.

Em um extremo, a teoria dos jogos apresenta uma postura fortemente normativa. A partir de um conjunto de axiomas, estabelece a forma em que deve ser tomada a decisão correta. Desta forma, privilegia a coerência e racionalidade em detrimento de levar em conta o comportamento dos atores em uma negociação real, abstraindo os aspectos subjetivos, os problemas de comunicação e o aprendizado no próprio processo.

posicional preocupam-se fundamentalmente de aconselhar a uma das partes no processo de negociação sobre a melhor forma de atuar para, mediante o uso de estratégias e táticas apropriadas, obter ganhos em detrimento da outra parte. Trata- se neste caso, de um enfoque de tipo prescritivo, no qual um analista, baseado em axiomas sobre o comportamento dos atores e as características do contexto decisório, desenvolve orientações respeito a como esses atores podem aperfeiçoar suas decisões.

No espectro dos enfoques discutidos nesta seção, a negociação baseada em princípios, mesmo que apresentando uma orientação prescritiva, exibe um conjunto de características que a diferenciam dos outros dois:

• Tenta levar explicitamente em conta a subjetividade e os valores e interesses dos atores;

• Considera o problema, ou tema a partir qual se desenvolve a negociação, como construção dos atores e não como uma realidade objetiva externa a eles;

• Coloca a ênfase nos aspectos de aprendizado conjunto e comunicação transparente entre as partes, que assumem dessa forma um papel mais protagônico no processo de negociação.

Estas características da negociação baseada em princípios permitem estabelecer pontos de concordância com o paradigma construtivista, tal como apresentado no capitulo anterior, ou, nos termos de Roy (1993), o "caminho do construtivismo". Os processos enquadrados neste paradigma têm por objetivo construir um conjunto de ferramentas que ajudem os atores, por meio da comunicação e do aprendizado, entender melhor o problema, de forma de possibilitar progressos no sentido dos seus objetivos e sistemas de valor. Isto deve

ser realizado por meio da construção de convicções que forneçam a base para

formular recomendações 4 coerentes com as percepções, preferências, interesses e

julgamentos de valor do conjunto dos stakeholders em um contexto determinado (ROY, 1993, p. 194-195). O processo de negociação na ótica integrativa se enquadra no campo que Roy chama de ciência do apoio à decisão, e define da seguinte forma:

Ajuda à decisão é a atividade da pessoa que auxilia na obtenção de elementos de resposta às perguntas apresentadas por um

stakeholder em um processo de decisão, por meio do uso de

modelos explícitos, mas não necessariamente inteiramente formalizados. Esses elementos operam no sentido de esclarecer a decisão, e habitualmente para recomendar, ou simplesmente favorecer um comportamento que incremente a consistência entre a evolução do processo e os objetivos e sistema de valores do

stakeholder. (ROY, 1996, p. 10)

A localização das três correntes de pensamento em negociação ao longo do tempo, e em um continuo que considera as orientações em termos de tipo de orientação oferecida aos atores se apresenta na Figura 11.

Como ponto fraco das propostas de negociação integrativa, cabe destacar a ausência de métodos e procedimentos estruturados para a geração e avaliação das alternativas de ganhos mútuos. Este aspecto será retomado nos Capítulos 4 e 5, para formular uma proposta tendente a superar esta carência por meio da utilização de ferramentas de Pesquisa Operacional, no campo das denominadas metodologias de estruturação de problemas, ou Pesquisa Operacional "soft".

4 Segundo Roy (1996), o termo recomendação assume um sentido mais fraco que a

prescrição, derivada de abordagens axiomáticas. "O conteúdo da recomendação deve ser somente o produto da convicção construída no curso do processo, necessitando varias interações com a participação da variedade de atores envolvidos no complexo ambiente gerencial. Esta recomendação não deve ser vista como a única solução possível, e sim como uma especialmente bem fundamentada". (ROY, 1993, p. 195)

Negociação integrativa 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 ano normativista construtivista Negociação Negociação Negociação distributiva Teoria dos Jogos

Negociação integrativa 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 ano normativista construtivista Negociação Negociação Negociação distributiva Teoria dos Jogos

FIGURA 11. EVOLUÇÃO DAS TEORIAS SOBRE NEGOCIAÇÃO Fonte: Elaborado pelo autor

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