• Nenhum resultado encontrado

Teoria sociocultural da ação mediada instrumental

Parte II Enquadramento teórico

5. Teoria sociocultural da ação mediada instrumental

Os temas de estudo para Wertsch (James V., 1947-), enquanto investigador, são memória e identidade coletiva, desenvolvendo os seus trabalhos especialmente na Rússia e noutros países da antiga União Soviética, bem como nos Estados Unidos. Nos anos 70 lidou diretamente com Lúria e Leontiev e com base nos escritos de Vygotsky sustenta as suas ideias pesquisando sobre a mente e suas relações com o mundo social e físico.

No seu artigo The Primacy of Mediated Action in Sociocultural Studies (1994), Wertsch refere que a crescente quantidade de pesquisa e produção escrita em estudos "socioculturais" levou à assunção de novos significados para o termo “sociocultural” e que na sua perspetiva se sobrepõe aos termos “socio-histórico” e “histórico-culturais” utilizados por Vygotsky. Cita como exemplos Baker-Sennet, Matusov e Rogoff, 1992; Forman, Minick e Stone,1993; Wertsch, 1991; Wertsch, del Rio e Alvarez, 1998 (aquando da publicação do artigo acima referido este último ainda estava em fase de impressão) e afirma que uma adequada descrição das pesquisas socioculturais terá de ser alicerçada na noção de “ação mediada” (Wertsch, 1994).

Uma abordagem sociocultural da mente parte do princípio que a ação é mediada e que ela não pode ser separada do meio em que se realiza (Lucy & Wertsch, 1987). Assim, o contexto sociocultural da ação mediada estabelece o vínculo entre o cenário cultural, histórico e institucional por um lado, e por outro, a formação mental do indivíduo.

Tendo como suporte as obras escritas de Vygotsky, Wertsch esboça uma teoria sociocultural da mente. Partindo da identificação de três tópicos nucleares na estrutura teórica de Vygotsky, (1) uma dependência num método genético ou de desenvolvimento16; (2) a alegação de que as funções mentais superiores têm a sua origem em processos sociais e (3) a afirmação de que a ação humana, tanto no plano social como individual, é mediada por ferramentas e sinais, Wertsch ressalva que a análise de cada um deles só pode ser interpretada tendo em conta as suas inter-relações (Wertsch 1985,1993). Deste modo, as potencialidades do trabalho de Vygotsky residem na interligação destes três temas. Em (2), a noção de origem e de processos mentais, remete para o método (desenvolvimento) genético em (1) e para as formas de mediação envolvidas (entre estas a linguagem) em (3), respetivamente (Wertsch, 1985, p. 15).

Para além de Vygotsky, outro teórico soviético teve uma particular importância no trabalho desenvolvido por Wertsch: Bakhtin (Mikhail Mikhailovich, 1895-1975). Bakhtin, semiótico,

16 Para interpretar os processos mentais humanos é fundamental considerar como e onde eles ocorrem.

Não se trata da análise do produto do desenvolvimento, mas sim o processo de desenvolvimento em todas as suas fases e mudanças. "(…) é apenas em movimento que um corpo mostra o que é” (Vygotsky, 1979, p. 65)

filósofo, teórico da cultura europeia e das artes, foi um verdadeiro pesquisador da linguagem humana. A ele se deve a noção do termo “voz” usada por Wertch, como sendo mais do que um simples sinal auditivo, no sentido em que envolve o fenómeno bem mais abrangente tal como “a personalidade faladora, a consciência faladora” (apud Wertsch, 1993). Wertsch recorre preferencialmente ao termo “vozes” pois evidencia a pluralidade de formas de pensamento e de discurso envolvidas quer num plano individual quer num plano social (Wertsch, 1993).

Em diferentes grupos sociais podemos encontrar situações típicas de comunicação que levam a que se distingam diferentes géneros de discurso. Enquanto as linguagens sociais diferem entre si pelas características dos estratos sociais a que pertencem os indivíduos, os géneros de discurso diferem na sua forma (Wertsch, 1993). Isto significa que o discurso de um indivíduo invoca sempre uma linguagem social e um género de discurso ao qual esse indivíduo dará uma determinada forma. O ventriloquismo (Wertsch, 1993) é uma forma típica de discurso que consiste numa voz a falar através de outra voz. Numa linguagem social, um indivíduo retira do discurso de outros uma palavra, e antes de se apropriar dela, utiliza-a no seu próprio discurso. Esta situação é caraterizada pela interferência de uma voz noutra voz, acompanhada de uma subordinação parcial e correlativa. Carateriza o ventriloquismo a apropriação individual da palavra e do seu significado capacitando o indivíduo em utilizar o género de discurso e a linguagem social como recursos que lhe permitem um desempenho criativo e único. O significado só tem existência num meio social, quando as vozes entram em contacto, num processo dinâmico (Wertsch, 1993).

Wertsch evidencia três ideias básicas compartilhadas por Vygotsky e Bakhtin e que emergem desta noção: a primeira espelha-se na afirmação de que, para entender a ação humana, é preciso entender os dispositivos semióticos utilizados para mediar essa ação; a segunda, pressupõe que determinados aspetos do funcionamento mental humano estão fundamentalmente ligados a processos de natureza comunicativa e a terceira ideia é a de que a única forma de entender, adequadamente, o funcionamento mental humano é através de algum tipo de análise genética ou de desenvolvimento. É de notar que tanto Vygotsky como Bakhtin acreditavam que as práticas comunicativas humanas dão origem ao funcionamento mental do indivíduo (Bakhtin, 1981).

Nesta perspetiva, emerge a necessidade de uma análise dos processos comunicativos em contextos culturais concretos deslocando o foco de análise de entidades linguísticas abstratas tais como palavras ou frases isoladas.

Procurar uma explicação para a mente com base no contexto sociocultural ou vice-versa é, na ótica de Wertsch, demasiado limitativo, pelo que aponta como unidade de análise a ação mediada tal como ela é descrita por Vygotsky e Bakhtin. É, pois, com base nos trabalhos destes dois últimos pensadores que Wertsch argumenta que “a ação mediada deve ser entendida como envolvendo uma tensão irredutível entre os meios mediadores

proporcionados pelo contexto sociocultural, por um lado, e o uso único e contextualizado desses meios realizando ações concretas particulares, por outro”. Entende-se, pois, que será erróneo isolar os meios mediadores ou o indivíduo numa qualquer tentativa de reduzir a unidade básica de análise da ação mediada (Wertsch, 1994). A explicação de ação mediada, segundo Wertsch, Tulviste e Hagstrom aparece referida por Wertsch (1994), em termos de “agência”. Para estes autores, “agência” é definida como indivíduo(s) operando através de processos de mediação, e não deve ser vista como algo que é uma propriedade do indivíduo considerado isoladamente.

Qualquer sistema de sinais, no sentido descrito por Wertsch, só desempenhará um determinado papel se fizer parte da ação. Concretamente no que concerne a linguagem, existe uma tendência generalizada em isolá-la do seu potencial de mediação ao analisá-la como sistema de sinais abstraído da ação humana. Este é um desvio relativamente à perspetiva de que a ação e os meios de mediação são mutuamente determinantes e desta forma tornar-se-á difícil qualquer interpretação do desenvolvimento (Wertsch & Tulviste, 1992).

Capítulo 3

Pensamento/linguagem

“(…) pois somente esse pensamento consciente ocorre em palavras, isto é, em signos de comunicação; com que se revela a origem da própria consciência. Dito concisamente, o desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento da consciência (...) vão de mãos dadas.”

Nietzsche in Obras Incompletas, (Nietzsche, 1999, p. 201)