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1. DESAFIANDO FRONTEIRAS: DESLOCAR, MOVER, MIGRAR

1.3. Migração: enfoques teóricos

1.3.2. Teorias de perpetuação dos movimentos migratórios

Até então, foram apresentadas teorias e discussões cujo foco está nas causas e explicações sobre a migração. É perceptível, nesse sentido, como a maioria das abordagens vincula os deslocamentos a questões econômicas e financeiras, conforme já pontuado. Fundamental, contudo, é destacar que essas abordagens não são as únicas possíveis quando tratamos dos deslocamentos populacionais. Investigar as motivações para migrar é uma das possibilidades de estudo de um fenômeno complexo como a migração, mas outros focos e recortes podem ser estabelecidos. Isso posto, uma outra perspectiva analítica que chamamos a atenção nesta pesquisa é a que se debruça sobre as condições para a perpetuação dos movimentos e fluxos migratórios. Como apontam alguns autores (MASSEY et al, 1993):

Embora os diferenciais salariais, os riscos relativos, os esforços de recrutamento e a penetração no mercado continuem a levar as pessoas a mudarem, novas condições que surgem no decorrer da migração passam a funcionar como causas independentes: disseminação de redes migratórias, instituições de apoio ao movimento transnacional, e o significado social do trabalho muda nas sociedades receptoras. (MASSEY et al, 1993, p. 448)

Dentre as abordagens sobre a perpetuação dos fluxos, destaca-se a análise das Redes Sociais. Essa teorização defende que a pessoa migrante não atua isoladamente, mas sim, circundada por redes de apoio - compostas por atores diversos - que agem tanto em seu país de origem, quanto no país de destino. Para Massey et al (1993), as redes podem ser vistas como nós que conectam migrantes, ex-migrantes e pessoas que nunca se deslocaram para outro local, mas que compartilham laços pessoais, como parentesco, relações de amizade ou ajuda mútua. Para os autores, a formação dessas redes, que eles denominam capital social, pode influenciar no aumento dos fluxos migratórios, tendo em vista que as conexões feitas entre o migrante e as pessoas no país de destino ampliam o acesso ao outro país, além de reduzirem os custos e riscos de deslocamento (MASSEY et al, 1993). Desse modo, como defende Dimitri Fazito (2005), o processo migratório deve ser visto sob uma ótica relacional, como um sistema em que se conectam diferentes regiões, atores sociais, organizações e estruturas socioeconômicas e culturais.

As redes contribuem, também, para maior inserção de imigrantes e refugiados na sociedade de destino, sendo importantes para sua permanência no local e para o fortalecimento de vínculos com outras pessoas e comunidades. Soares e Rodrigues (2005) apontam, entretanto, que existem diferenças entre redes sociais, pessoais e migratórias. Sobre as primeiras, os estudiosos pontuam que trata-se de um grupo de pessoas, instituições ou organizações que se unem por algum tipo de relação. Já as redes pessoais consistem em um tipo de teia que contempla vínculos como relações de parentesco, amizade, entre outras. Quanto às redes migratórias, os autores as definem como:

Uma "rede migratória" não se confunde com redes pessoais. Essas redes precedem a migração e são adaptadas a um fim específico: a ação de migrar. Quando suas singularidades dependem da natureza dos contextos sociais que ela articula, uma rede migratória é, também, um tipo específico de rede social que agrega redes sociais existentes e enseja a criação de outras: portanto, consiste em "uma rede de redes sociais". Por fim, uma "rede migratória" implica origem e destino - isto é: recortes territoriais, países, estados, microrregiões, municípios, cidades, etc. que se articulam por intermédio de fluxos migratórios. (SOARES; RODRIGUES, 2005, p. 66)

Para esta pesquisa, teorizações como as das Redes Sociais são importantes, tendo em vista a centralidade que as relações sociais assumem para as Teorias do Reconhecimento. Aqui, entendemos a migração não apenas como um deslocamento físico entre lugares distintos, mas como um fenômeno que envolve diferentes sujeitos em constante interação, seja na sociedade de origem, seja na de destino. Mais ainda, compactuamos com a visão de que a migração - tanto o ato de se deslocar, quanto a própria inserção dos migrantes no país receptor – contempla não só aspectos econômicos, mas sociais e políticos, que não podem ser deixados de lado nas análises.

A manutenção de processos migratórios pode ser explicada por outras teorias como a Institucional, que destaca o papel de organizações relacionadas à causa migrante nas sociedades de destino, e a Causalidade Cumulativa, que aponta que os deslocamentos populacionais podem aumentar com o tempo devido a fatores que se retroalimentam. Romerito Silva (2015) explica que, pela primeira, os deslocamentos populacionais geram demanda por ações, o que estimula o surgimento de instituições privadas e organizações humanitárias voluntárias que podem atuar tanto para fornecer serviços, suporte aos migrantes e auxílio na garantia de direitos, quanto funcionar como negócios lucrativos. Já para teóricos da Causalidade Cumulativa, a migração pode, ela mesma, gerar mudanças nas estruturas sociais e econômicas, que poderiam aumentar ou causar novos fluxos, seja em razão da expansão das redes migratórias, devido à criação de uma tradição cultural de incentivo à migração, ou até mesmo pela viabilização econômica de novos movimentos (SILVA, 2015).

Como anteriormente mencionado, é inviável apontar uma perspectiva geral que possa orientar ou explicar os mais variados fluxos. Independentemente da abordagem, Levitt e Jaworsky (2007) defendem que, nas últimas duas décadas, diversos estudos expõem que os migrantes têm mantido fortes laços com os países de origem, ao mesmo tempo em que interagem e se integram na sociedade de destino. É nesse ponto que destaca-se a ótica transnacional, que versa que, em relação a aspectos da vida social de migrantes, as fronteiras têm sido cada vez mais ultrapassadas, já que eles conseguem ter presença ativa em ambas as localidades. Nessa perspectiva, o papel da comunicação e das mídias sociais é importante, também, para manter esses vínculos. Um exemplo dessa perspectiva é o caso de pessoas que vivem num país e possuem negócios ou empresas em outro, tendo que passar temporadas em cada um dos dois lugares.

De acordo com Schiller, Basch e Blanc-Szanton (2005), os novos fluxos populacionais demandam que a migração seja entendida a partir dessas outras teorias, como o Transnacionalismo. Para as autoras, essa abordagem é importante para se pensar o contexto atual em que as fronteiras estão cada dia mais fluidas e os migrantes cada vez mais vinculados aos seus locais de origem e de destino, por meio das múltiplas relações que constroem. Nessa ótica,

Os transmigrantes desenvolvem e mantêm múltiplas relações - familiares, econômicas, sociais, organizacionais, religiosas e políticas que transpõem fronteiras. Os transmigrantes tomam atitudes, decisões, têm preocupações e desenvolvem suas identidades dentro de redes sociais que os conectam a duas ou mais sociedades, simultaneamente. (SCHILLER; BASCH; BLANC-SZANTON, 2005, p. 1-2)

De acordo com as autoras, o desenvolvimento de experiências migratórias transnacionais está intrinsecamente relacionado às mudanças provocadas pelo capitalismo global, devendo ser entendidas nesse contexto. Elas postulam que a existência da migração transnacional demanda que conceitos como o de nacionalidade, etnicidade e raça sejam repensados, para que se amplie o entendimento de categorias como a cultura, classe e sociedade (SCHILLER; BASCH; BLANC-SZANTON, 2005).

Ainda sobre o contexto transnacional, Altamirano (2006) aponta que, no processo de inserção cultural desses migrantes, eles experimentam uma dupla interação ao se adaptar às suas novas residências. Ao mesmo tempo em que “adquirem” elementos culturais do país de destino, como a língua, novas experiências laborais, sociais e culturais com outros atores sociais, essas pessoas utilizam seu repertório cultural e compartilham seus saberes e conhecimentos no país de acolhida.