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1.2. As teorias clássicas da verdade

1.2.4. Teorias pragmatistas

As teorias pragmatistas da verdade foram desenvolvidas pelos filósofos norte-americanos, Charles Sanders Peirce, William James e John Dewey, e têm influenciado alguns filósofos e lógicos contemporâneos que defendem concepções de verdade com traços pragmatistas59. A explicação pragmatista da verdade combina elementos de correspondância e de coerência, admitindo que a verdade de uma crença60 deriva de sua correspondência com a realidade e dizendo que ela é manifestada pela sobrevivência da crença ao teste da experiência, sua coerência com outras crenças (HAACK, 2002, p. 129). A máxima pragmatista diz que o significado de um conceito é dado pelas referências às consequências práticas ou experimentais (por isso ‘pragmática’) de sua aplicação. Assim sendo, os pragmatistas identificam definição e critério de verdade, visto que o significado da verdade é dado ao se fornecerem críterios para a sua aplicação61.

Para Peirce, a verdade é o objetivo da investigação, especificamente aquela opinião sobre a qual há um acordo geral entre

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Apenas para localizar alguns exemplos de concepções pragmáticas da verdade defendidas atualmente, podemos citar a versão defendida por Luiz Henrique Dutra (2001, 2004) e por Newton da Costa (1999). Ainda que Dutra, em seu artigo ‘A pragmatic view of truth’ (2004, p. 264), assuma textualmente apenas uma influência indireta do pragmatismo - especificamente de Dewey - ele confere um papel para a verdade no processo de investigação muito semelhante ao instrumentalismo de James, que veremos nesta seção. Newton da Costa assume textualmente a sua influência dos pragmatistas norte-americanos, dizendo que “(...) desenvolvemos uma teoria da verdade que nos foi sugerida pelos textos pragmatistas, especialmente de James e Peirce, e que, por isso, batizamos de verdade pragmática (ou quase-verdade)” (DA COSTA, 1999, p. 132).

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Parece que para os pragmatistas a escolha de um ou outro portador de verdade não é relevante para a teoria que eles defendem. William James, por exemplo, demonstra a sua indiferença com a questão dos portadores dizendo que (...) a relação denominada ‘verdade’ pode ser obtida entre umaideia (opinião, crença, enunciado, ou qualquer coisa) e seu objeto (JAMES, [1909], p. 41). Diante disso, assim como na seção sobre as teorias coerentistas, vamos nos referir às cresças, proposições, sentenças e enunciados no sentido não técnico.

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Cf. GRAYLING, 1990, p. 126; HAACK, 2002, p. 130 e 140; PRIEST, 2006, p. 48.

aqueles que usam o método científico62. Desse modo, a verdade é a opinião que vai se assentar mais cedo ou mais tarde no método científico e esse método, por sua vez, é condicionado pela realidade. Nesse sentido, a verdade é entendida como correspondência com a realidade63. Dewey toma a definição de Peirce como a melhor definição de verdade. Quando ideias particulares funcionam com êxito e providenciam soluções para dúvidas ou problemas, isto é, são confirmadas na prática, então estamos garantidos em afirmar essas ideias. Com isso, Dewey prefere falar da verdade como uma propriedade anexada à ideias que nós estamos garantidos em afirmar64. Segundo Dewey, as crenças com a propriedade de assertibilidade garantida são aquelas que denominamos por conhecimento. James também recebeu essas ideias de Peirce e, elaborando-as, desenvolveu sua teoria da verdade65.

Segundo James ([1907], p. 23), a verdade significa o seu acordo, como a falsisade significa o seu desacordo, com a realidade. Para James a verdade não é uma propriedade estática de uma ideia. Uma ideia se faz verdadeira pelos acontecimentos. Assim, a verdade é uma atividade ou um processo, a saber, o processo de verificação. Pragmaticamente falando, verificação significa certas consequencias práticas da ideia verificada66. Sendo assim, a pergunta pragmatista diante de uma ideia seria:

que diferença concreta, sendo verdadeira, fará na vida real de alguém? Como será compreendiada a verdade? Que experiências serão diferentes daquelas que prevaleceriam se a crença fosse

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Cf. DUTRA, 2001, 63; GRAYLING, 1990, p. 127; HAACK, 2002, p.141.

63

Cf. GRAYLING, 1990, p. 128; HAACK, 2001, p. 141.

64

Cf. GRAYLING, 1990, p. 129.

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De acordo com Haack (2002, p. 141), a principal contribuição de James foi a elaboração das ideias de Peirce que elencamos acima. Todavia, é importante mencionar que mesmo havendo uma continuidade entre a concepção de Peice e de James, há algumas diferenças entre ambos. A diferença mais marcante observada pelos comentadores é que enquanto Peirce endossa um realismo, James, por sua vez, está inclinado a um nominalismo. Diante do nosso objetivo com essa seção, não cabe entrarmos nesses assuntos. Para uma discussão sobre tais assuntos ver HAACK, 2002, p. 141 e GRAYLING, 1990,

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falsa? Qual em suma é o valor da verdade em termos experimentais? (JAMES, [1907], p. 24). De acordo com James, ideias verdadeiras são valiosos instrumentos de ação, na medida em que elas são úteis para a vida humana. Para evidenciar isso, James cita como exemplo uma situação na qual um indivíduo faminto está perdido em uma floresta, e se depara com uma trilha de gado. Nessa situação, é de fundamental importância que tal indivíduo pense em uma habitação humana no final da trilha, pois se assim faz, o indivíduo aje e se salva. Com isso, James ressalta a importância de termos um estoque de verdades que podem se tornar úteis em uma situação prática. A partir disso, ele diz que “toda vez que uma dessas verdades extras se torna praticamente relevante em uma de nossas emergências, passa do recolhimento para a ação no mundo, e nossa crença na mesma torna-se ativa. Pode-se dizer então que é últil porque é verdadeira ou verdadeira porque é útil” (JAMES, [1907], p. 25). Dessa forma, na concepção de James, a verdade é entendida como uma ferramenta, ou instrumento, importante para a ação no mundo na medida em que é útil. Esse estoque de verdade vai sendo constituido, ao longo do tempo, através da adição de novas crenças imunes à refutação da experiência chegando, assim, a um sistema coerente de crenças. Com isso, percebemos tanto o caráter correspondencial quanto o coerencial presente na teoria de James.

Diante do que foi dito percebe-se o aspecto criterial presente na teoria de James. A verdade, como vimos, se dá pelos seus resultados aplicativos práticos. O que seria equivalente, neste contexto, dizer que o significado da palavra ‘verdade’ é dado ao se oferecerem critérios para a sua aplicação. Na perspectiva de James, só buscamos a verdade na medida em que compensa para nossa vida persegui-la. James delineia essa ideia dizendo que “ a verdade para nós é simplesmente um nome coletivo para processos de verificação, do mesmo modo que saúde, riqueza, força etc., são nomes de outros processos ligados à vida, e também perseguidos, porque compensa persegui-los (JAMES, [1907], p. 30).