• Nenhum resultado encontrado

Teorias Psicobiológicas da Agressividade e do Crime

I. CÓRTEX PRÉ-FRONTAL, FUNÇÕES EXECUTIVAS E COMPORTAMENTO CRIMINAL

4. Comportamento Anti-social, Agressividade e Violência: Que Causas?

4.2. Teorias Psicobiológicas da Agressividade e do Crime

Relativamente aos factores biológicos, Farrington (2002) num estudo longitudinal sobre o comportamento anti-social realizado com os objectivos de descrever o desenvolvimento do comportamento delinquente e criminal, apurar com que antecedência se poderia prever e explicar a causa da delinquência juvenil, e verificar se esta pode ser associada à criminalidade adulta, conclui que existem diferenças no plano inter-individual num constructo denominado de “tendência anti-social”1 que se mantém relativamente estável desde a infância até à idade adulta. As conclusões apontam para o facto de, mesmo sujeitos a diferentes mudanças de meio que ocorreram naturalmente no decurso da vida destas pessoas durante as décadas a que este estudo diz respeito, a estabilidade do comportamento anti-social residir mais no indivíduo do que no ambiente em que ele vive.

Foi aplicada uma escala elaborada com medidas compostas de “personalidade anti- social”, com o objectivo de investigar o comportamento anti-social nas diferentes faixas etárias desde os 10 até aos 32 anos. A título de exemplo, algumas das variáveis estudadas incluíam itens como as condenações, os comportamentos delinquentes e violentos manifestados, o consumo de drogas ilícitas, fumar, beber em excesso, condução sob o efeito do álcool, actividade sexual irresponsável, jogar frequentemente a dinheiro, registo instável de empregos e atitudes contra a ordem social. Verificou-se que as escalas de comportamento se correlacionavam significativamente nas diferentes idades, evidenciando a continuidade desse comportamento ao longo do tempo e revelando a relativa independência da influência dos factores do meio.

1 Entre aspas no original

Este estudo mostra que o crime tem tendência a concentrar-se em certas pessoas e certas famílias, e aponta como factores a ter em consideração no trabalho de prevenção a manifestação precoce (entre os 8-10 anos) de comportamento anti-social (perturbador, desonesto e agressivo), os maus resultados escolares (causados por baixo nível intelectual ou perturbação de hiperactividade com défice de atenção, incluindo fraca capacidade de concentração, irrequietude e impulsividade psicomotora), as fracas competências educativas dos pais (disciplina punitiva e autoritária, supervisão deficiente, conflitos ou separação parental), a criminalidade familiar (pais condenados ou irmãos com problemas de comportamento) e a pobreza. Mais ainda, afirma que a investigação evidencia que crianças anti-sociais têm tendência para se tornarem em adultos anti-sociais e que tendem a gerar crianças anti-sociais, ressalvando que os problemas sociais, além de serem o resultado de influências do meio, dependem também de aspectos inerentes ao próprio indivíduo.

Dentro das várias explicações psicobiológicas que existem para o comportamento criminal, destacam-se a teoria psicanalítica e a etológica (Hogg et al. 1998) que, ainda que partilhem a perspectiva que a agressão é uma tendência inata para a acção, um instinto ou um padrão de respostas geneticamente predeterminadas, mantêm diferenças estruturais entre si.

4.2.1. Psicanálise, Crime e Agressividade

Na óptica da criminologia psicanalítica (Dias e Andrade, 1997) o crime representa a emergência de pulsões inconscientes aos processos da consciência. E, neste sentido, a génese da criminalidade, ou comportamento desviante, ou conduta a-social, pode residir na ausência de conflito entre o super-ego e o id que, em última análise, resulta na inexistência de censura sobre as pulsões latentes do id e pode causar um comportamento impulsivo regulado pelo princípio do prazer e dirigido para a obtenção de bem-estar imediato.

De um modo muitíssimo genérico, o desenvolvimento da teoria psicanalítica assentou na evolução de duas teorias principais:

a) a teoria topográfica do aparelho psíquico – postula a existência do inconsciente, que designa um sistema de processos psíquicos e conteúdos que são activamente impedidos de emergir ao sistema onde se encontram os conteúdos mentalmente conscientes (Brenner, 1987); e

b) a teoria estrutural, que assenta na dinâmica estabelecida entre três estruturas psíquicas: o id, o ego e o super-ego. De acordo com Freud (1989), o id equivale ao inconsciente, e é uma instância caracterizada pelas paixões e pelo princípio do prazer. O id passou a assumir as características atribuídas ao inconsciente na teoria topográfica, tornando-se na a estrutura que engloba toda a dimensão pulsional, o pólo pulsional da personalidade, o reservatório de libido e das pulsões de vida e de morte, que abarca conteúdos inconscientes de origem hereditária e inata, e também de origem adquirida e recalcada (Laplanche e Pontalis, 1990).

O ego tem a sua origem no sistema perceptivo e é uma parte do id que foi directamente modificada pelo mundo externo e pelo sistema perceptivo-consciente, e tenta influenciar o id e as suas tendências através do mundo externo, da percepção, da razão e do bom senso, substituindo o princípio do prazer pelo princípio da realidade (Freud, 1989). Trata-se da estrutura que abrange as funções ligadas às relações do indivíduo com o seu ambiente (Brenner, 1987), é a instância recalcante, que utiliza a energia pulsional contida no id sob a forma de energia dessexualizada e sublimada, e que está numa relação de dependência das exigências do id e das imposições do superego (Laplanche et al. 1990).

Dentro do ego surge uma estrutura diferenciada e que é o ideal do ego ou o super- ego, influenciada pela religião e pela moralidade, que tem a sua origem no processo de recalcamento associado à resolução do complexo de Édipo e, e quanto mais rápido for o efeito do recalcamento devido à influência da autoridade, da religião ou da escola, mais rigorosa será a acção do super-ego sob a forma de senso moral ou sentimento de culpa (Freud, 1989). O superego tem funções de juiz do ego, representa a consciência moral, é formado a partir das exigências e das proibições estabelecidas pelos pais na infância, enriquecido pelas exigências culturais e sociais, e surge como uma instância que se separou do ego mas que parece tentar dominá-lo (Laplanche et al. 1990).

De acordo com esta abordagem, o comportamento criminal também pode ser causado pelo insucesso dos processos de aprendizagem e socialização que ocorrem durante a infância e que acabam por moldar a personalidade e o registo de funcionamento e de actuação do ego e do super-ego para a vida. (Dias et al. 1997). Ou seja, uma fraca consolidação dos processos psíquicos egóicos e super-egóicos pode acarretar como consequência uma emergência constante e dominante dos instintos ou impulsos agressivos de um id guiado pelo princípio do prazer. No mesmo sentido, Laplanche et al. (1990) referem que a psicanálise considera que a agressividade surge desde cedo no

desenvolvimento do indivíduo associada ao funcionamento pulsional, mas mais fortemente relacionada com as pulsões de morte. “O crime representa a erupção vitoriosa das pulsões libidinosas no campo da consciência. (…) Em tese geral, o crime exprime uma perda do poder inibitório do super-ego em relação ao ego, que fica, assim, livre para obedecer às exigências do id.” (Dias et al., 1997, p.193).

4.2.2. Eysenck e o Condicionamento Social

Um outro modelo que parte da premissa que existem comportamentos que são inatos ou que têm a sua origem na esfera biológica é proposto por Eysenck et al. (1989) que partilha a convicção da psicanálise que as pessoas nascem desprovidas de qualquer consciência social e que durante a infância o seu comportamento é caracterizado pelo egocentrismo. Mas a propensão natural e inata para o crime é contrariada com a aquisição de uma consciência através de um processo de condicionamento clássico, ou seja, sempre que a criança comete uma acção anti-social é castigada pelos pais ou professores, logo passam a associar o comportamento anti-social com consequências desagradáveis (Eysenck et al., 1989; Eysenck, 1998). Assim, a persistência de comportamentos e pensamentos anti-sociais durante toda a vida será a consequência de uma infância durante a qual ou não houve qualquer tipo de punição acerca do comportamento da criança ou então esses comportamentos foram valorizados ou recompensados, mas sempre devido a ausência de condições familiares e sociais adequadas para o desenvolvimento de uma consciência social (Dias et al. 1997). Eysenck et al. (1989) defende que os factores genéticos contribuem fortemente para a realização de comportamentos criminais, mas afirma ao mesmo tempo que o homem não é condicionado exclusivamente pela sua biologia porque é a combinação dos factores sociais e biológicos que determina o comportamento – pode haver uma predisposição biológica / genética mas que só é activada a partir da interacção com certas variáveis ambientais.

Assim, o padrão de comportamento social, ajustado ou desviante, é adquirido através de um processo de condicionamento. Mas é um processo que depende da própria capacidade que cada indivíduo tem para ser condicionado ou não, do facto de possuir uma consciência social forte que lhes permite resistir às solicitações do crime, e que deriva da sua estrutura de personalidade. Neste sentido, e de acordo com Dias et al. (1997), Eysenck propõe uma abordagem interaccionista porque valoriza tanto as variáveis ambientais como

as variáveis da personalidade, mas considera que é a estrutura da personalidade que facilita, ou não, o condicionamento comportamental.

4.2.3. A Abordagem Etológica do Comportamento Agressivo

A etologia também apresenta uma perspectiva semelhante às anteriores porque afirma que existem inúmeros comportamentos inatos, que são geneticamente transmitidos de geração em geração, e cuja manifestação ou exibição depende da presença de um estímulo sinal que se encontra presente, ou é uma pequena parte, de uma qualquer situação ambiental (Goodenough, McGuire, Wallace, 1993). Os etologistas partilham uma perspectiva semelhante à psicanalítica, mas apresentam uma teoria bi-factorial porque consideram que embora o instinto agressivo seja inato, o comportamento agressivo efectivo é despoletado por estímulos específicos, ou estímulos sinais (Hogg et al. 1998).

De acordo com a teoria elaborada por Lorenz (citado por Goodenough et al. 1993) existe, no sistema nervoso, uma produção contínua de energia específica de acção mesmo em períodos durante os quais não existe qualquer manifestação do respectivo padrão fixo de acção (que é um comportamento padrão inato). Esta energia específica de um determinado comportamento é acumulada e retida por um mecanismo inibitório até surgir o estímulo sinal adequado que despolete a acção comportamental e liberte a energia armazenada, mas quando a energia é acumulada durante muito tempo, o comportamento pode ocorrer espontaneamente sem que seja necessária a presença do estímulo sinal (Goodenough et al., 1993).

Segundo Lorenz (citado por Hogg et al. 1998) a agressividade enquadra-se nesta energia inata que se acumula e liberta na presença do estímulo apropriado, e integra-a no contexto mais amplo da evolução das espécies, considerando que desempenha um papel adaptativo e de sobrevivência dado que pode ser um factor facilitador da selecção sexual e acasalamento, alimentação e delimitação territorial. Ainda neste contexto, surge o modelo sociobiológico que, de modo muito resumido, assenta na teoria que a origem de todo o comportamento social reside nas suas bases biológicas: determinados comportamentos evoluíram ao longo do tempo devido ao facto de promoverem a sobrevivência dos genes o tempo suficiente para o indivíduo os poder passar à geração seguinte e, neste sentido, a agressividade é um factor adaptativo desde que esteja relacionada com a capacidade para viver o tempo suficiente para procriar, e o seu valor de sobrevivência adaptativo revela-se

nos comportamentos com objectivos relacionados com vantagens sociais ou económicas, defesa ou aquisição de novos recursos (Hogg et al. 1998).