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ESTUDO 1: Integridade do Funcionamento Executivo e Comportamento Criminal

1. Organização metodológica

1.3. Variáveis em Estudo

As hipóteses apresentadas indicam que perturbação do funcionamento executivo pode ser uma causa do comportamento anti-social e facilitar a emergência de outros aspectos associados à criminalidade. Com base nos objectivos e hipóteses do estudo, destacaram-se três tipos de variáveis: neuropsicológicas, criminais e psicológicas, e a metodologia de investigação dependeu da natureza de cada uma delas. Embora as Funções Executivas (que neste caso constituem as variáveis neuropsicológicas) não sejam uma variável passível de ser manipulada, foram destacadas como a variável independente porque se considerou que é a perturbação do funcionamento neuronal, e consequente défice executivo, a causa do comportamento criminal. Mas, independentemente deste facto, a variável que serviu de critério para a criação dos grupos de estudo foi a criminalidade, e assim compararam-se os rendimentos executivos entre sujeitos que cometeram crimes e sujeitos que não têm registo criminal. As restantes variáveis dependentes são os aspectos de natureza psicopatológica que se julgou poderem estar relacionados e serem um reflexo das Funções Executivas, como a agressividade e os traços de personalidade anti-social.

1.3.1. Variáveis Neuropsicológicas: Funções Executivas

Como já foi amplamente referido, as Funções Executivas não são um constructo unitário, ou seja, são compostas por várias funções cognitivas cujo funcionamento global resulta na capacidade para organizar acções e executar comportamentos variados (Tirapú- Ustárroz et al, 2008a; 2008b). Por isso, não se privilegiou nenhum modelo de Funções Executivas, como os preconizados por Baddeley (1998a, 1998b, 2000, 2003), por Shallice (1982) ou por Fuster (2000a, 2000b, 2001, 2005), mas optou-se por seleccionar, dentro dos modelos destes autores, as funções cognitivas que mais frequentemente surgem associadas ao funcionamento executivo pré-frontal.

Assim, a operacionalização da variável “Funções Executivas” assentou na decomposição em capacidades cognitivas pré-frontais que as constituem, e a sua análise realizou-se com base em técnicas de avaliação neuropsicológica. Neste sentido, as variáveis que são indicadoras do funcionamento executivo são:

• a atenção e resistência à interferência; • a memória de trabalho;

• a planificação; e

• a flexibilidade cognitiva.

Num primeiro momento, a variável “Funções Executivas” foi avaliada na sua globalidade, ou seja, inicialmente o estudo implicou uma análise que englobou todos os resultados obtidos em todas as provas de avaliação pré-frontal. Posteriormente, e para levar a cabo os estudos correlacionais entre as variáveis psicológicas e as Funções Executivas, destacaram-se apenas duas funções (de entre todas as funções pré-frontais): a flexibilidade mental e a capacidade de resistência à interferência.

De facto, um mau funcionamento executivo pode estar relacionado com transgressão (intencional ou não) de regras (Berthoz et al 2002; Mitchell et al 2002), mas também pode estar associado a comportamentos agressivos e impulsivos (Raine et al, 1998). Por este motivo, e na análise dos níveis de agressividade enquanto factor inerente a certos tipos de comportamento criminal, salientou-se o estudo de duas funções cognitivas / executivas específicas que podem estar relacionadas com os níveis de agressividade do sujeito:

- a flexibilidade mental – porque perturbação desta função em particular pode implicar a incapacidade para mudar de estratégia ou avaliar de modo diferente uma certa situação ou estímulo considerado provocatório;

- e a capacidade de resistência à interferência – no sentido em que alteração do funcionamento desta capacidade pode significar que o sujeito se vê com dificuldade em controlar a emergência de impulsos agressivos na reacção a certos estímulos.

Tendo em conta que uma das características mais comummente associada a disfunção frontal é a presença de traços de funcionamento psicopático, estudou-se também a relação entre traços de personalidade anti-social e o funcionamento executivo global.

1.3.2. Variáveis Criminais: Comportamento Criminal

Neste estudo o comportamento anti-social foi representado através do comportamento criminal praticado e cuja operacionalização geral partiu da identificação e selecção de sujeitos que apresentassem no seu registo criminal pelo menos uma

condenação pela prática de crimes. Neste estudo específico não houve distinção nem do número de condenações anteriores nem do tipo de crime cometido, estando por isso a variável “comportamento criminal” relacionada com quaisquer comportamentos anti-sociais ou criminais, oficialmente identificados, reconhecidos e registados, e que tenham tido consequências jurídico-legais suficientemente relevantes que resultassem em condenação efectiva.

1.3.3. Variáveis Psicológicas: Agressividade e Traços de Personalidade

O restante grupo de variáveis deste estudo diz respeito a duas variáveis psicológicas que podem estar incluídas na esfera da criminalidade e que, concomitantemente, também podem ser causadas por perturbação do funcionamento pré-frontal: a agressividade e os traços de Personalidade Anti-social. Aliás, as variáveis psicológicas talvez pudessem ser designadas por variáveis psicopatológicas porque são factores que, em ambos os casos, representam um funcionamento psicológico perturbado.

A agressividade é um factor que pode, dentro de certos limites, contribuir para o sucesso sócio-profissional de cada indivíduo e pode representar um comportamento socialmente aceite e valorizado. Mas quando apresenta proporções desajustadas ao estímulo, ou está relacionada com reacções impulsivas, ou é expressa através de manifestações comportamentais com frequência elevada, passa a ser considerada como um sinal patológico que surge associada a perturbações psicopatológicas, além de ser uma característica quase intrínseca de certos comportamentos criminais. Além disso, trata-se de uma característica que pode também estar associada a perturbação do funcionamento cerebral pré-frontal (Soloff et al 2003; Blair et al, 2000; Pietrini et al 2000; e Giancola 1995).

Para se operacionalizar esta variável recorreu-se aos termos utilizados na construção do STAXI-2 (Miguel Tobal et al, 2001) que referem que a avaliação psicométrica da agressividade tem sofrido uma má definição conceptual e de ambiguidade de definições, e indicam que a Ira é o estado emocional subjacente à expressão de comportamentos agressivos. Assim, para a operacionalização da variável agressividade, foram tidas em conta as seguintes dimensões da Ira que podem influenciar fortemente a produção, o controlo e a reactividade dos comportamentos agressivos:

ira traço: tendência para experienciar frequentemente sentimentos de ira;

temperamento de ira: representa a impulsividade e a falta de controlo sobre a ira;

expressão externa da ira: comportamentos agressivos dirigidos a outras pessoas

ou coisas;

índice de expressão da ira: propensão para suprimir ou expressar sentimentos de ira através de comportamentos agressivos.

A análise dos traços de personalidade é outra parte essencial deste trabalho porque certas características tanto podem surgir associadas à manifestação de condutas anti- sociais relacionadas com a criminalidade, como podem estar associadas a perturbação do funcionamento pré-frontal e integrar determinados quadros neuropsicopatológicos (Anckarsater, 2006; Damásio, 1994).

A operacionalização desta variável é baseada no modelo factorial de Eysenk (1951) que apresenta a estrutura da personalidade – ou a predisposição para (re)agir de um determinado modo a certas circunstâncias – como o resultado da organização e da combinação de várias características, traços ou dimensões específicas.

O modelo é estruturado em torno de três dimensões, ou tipos, principais de personalidade (Ortet i Fabregat et al. 2001):

- Extroversão: inclui características como sociabilidade, vivacidade, actividade ou espontaneidade;

- Neuroticismo: envolve traços de ansiedade, depressão, sentimentos de culpa, timidez e baixa auto-estima;

- Psicoticismo: esta dimensão é concebida como uma dimensão da personalidade normal que quando surge em pontuações elevadas pode predispor para perturbações psicóticas, perturbação bipolar ou esquizofrenia, ou comportamento anti-social e psicopatia; caracteriza-se pela agressividade, frieza emocional, impulsividade e baixa empatia.