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Ter úlcera venosa atrapalha o cotidiano: a ferida interfere

4.4 Categoria: impacto da existência da ferida no cotidiano

4.4.2 Ter úlcera venosa atrapalha o cotidiano: a ferida interfere

Joaquim et al. (2016) citam que a capacidade funcional de um indivíduo é definida, segundo a Classificação Internacional de Comprometimento, Incapacidades e Desvantagens (ICIDH) da World Health Organization (WHO), como a ausência de dificuldades no desempenho de atividades cotidianas. O comprometimento dessa capacidade funcional pode provocar reclusão social, tendência ao sedentarismo, perda de autoestima e afastamento da vida laborativa.

Essas dificuldades são entendidas como perda da independência, isto é, de capacidade de ir e vir e de realizar suas atividades de forma confiante e autônoma, e são representadas também como uma forma de deixar de viver, como explicitado nos depoimentos dos entrevistados:

Bom é ser independente. Tive que me acostumar a depender da boa vontade dos outros. Há dois anos não vou mais à igreja, pelas dificuldades para andar e de transporte. Não consigo andar mais de ônibus e, até ia à igreja de táxi com outras pessoas, mas fico incomodada de pedir ajuda para ir (E1).

Sentia que tinha mais disposição e hoje preciso andar com mais cuidado para não esbarrar as pernas. Tem que evitar ficar muito tempo em pé ou sentado com as pernas dependuradas. Quando descuido, a perna começa a doer. Agora é preciso pensar antes de ir a qualquer lugar (E2).

A vida é maravilhosa, quando se pode sair, viajar, ir em festas. Morrer é deixar de ser como já fui, quando podia fazer o que eu gostava (E3). A única coisa que mudou é que eu vim viver só com esse filho que eu tenho, ele é quem cuida de mim agora... tudo meu é com ele. Ele vai, recebe o pagamento, compra minhas coisas, põe aí para mim... precisa me levar no médico, ele me leva.... Fico dependendo dele para tudo. Para quem já fazia tudo como eu… (E4).

Você não pode andar rápido demais [...] Para eu andar tem que ser com cuidado, né?... Já não posso esbarrar em qualquer lugar, não posso pular... nem subir... se eu vou subir em algum lugar eu já lembro do pé, aí já tenho que subir mais devagar. Outra pessoa tranquila, já sobe de qualquer maneira... Então tudo atrapalha [...] Se você dança, você não pode mais ir num baile (E5).

Eu trabalhava, quando ela [a ferida] estava pequena. Trabalhei um ano e pouco de camelô, com carrinho, “na cidade”, vendendo refrigerante, doces e pipoca. Aí, depois que eu fiz a cirurgia de varizes eu vendi o carrinho. [...] eu ando devagar... esse carrinho é pesado e eu não aguento ficar empurrando carrinho, não. Eu vendi o carrinho (E6).

Impede de tomar um banho, por exemplo. Tenho que colocar um saco e amarrar porque não pode molhar, né? Não pode, por exemplo, ir numa lagoa. É um problema. (E7).

Gostava de sair e de ir aos domingos na feira hippie e em algum parque, mas hoje não vai mais pelo perigo de pisarem em seu pé (E8).

Eu deveria fazer os serviços domésticos, mas não consigo. A idade avançada e a ferida na perna não me deixam fazer mais nada do que precisa ser feito (E9).

Agora eu só fico sentado... eu não posso ficar em pé. Aí, eu só durmo e pronto. Eu caminhava, buscava uma coisa, buscava pão, buscava tudo. Eu precisava trabalhar, fazer um biscate, eu precisava... porque um salário não dá para nada! Tudo lá em casa sou eu que tenho que pagar.... Eu estou doido para ser curado, para eu andar, para eu trabalhar... e não posso. [...]. Não posso subir escada, não tem jeito. Fico com vontade de trabalhar... não posso. Aí eu fico quieto (E10).

Mas eu gostaria de continuar fazendo as coisas que eu gosto: varrer a casa, pôr o lixo lá fora, se bater alguém no portão eu ir lá atender.... É isso aí, aquela rotina. Mas hoje, se bate uma pessoa no portão eu penso “Ah, não eu não vou lá atender...” (E11).

Não poder fazer as coisas, por exemplo: eu gostava de fazer um café... eu tenho dificuldade de ir lá fazer um café...[...] Então, é muito complicado, a gente fica muito dependente... ser dependente é muito ruim. O bom é ser independente [...]. É ruim depender de alguém para sair de casa porque sair de ônibus é um incômodo (E11).

Faço o serviço de casa com dificuldade, pois não consigo agachar, é só lavar roupas finas e pequenas. Não passeio e não saio mais para fazer compras. Passo necessidade, só tem uma vizinha que me ajuda (E12). Um fato importante que merece destaque é que a úlcera venosa impede, inclusive, a participação em eventos sociais. O fato de não mais conseguir usar sapatos fechados é a expressão da representação mais profunda de isolamento social:

Não poder usar sapatos para as ocasiões festivas é terrível! (E1). A gente fica isolada. Não poder calçar um sapato bom... é duro (E7).

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Não há como ir a festas de casamento e formatura sem usar sapato fechado e arrumado, com vestido. Aí, como faço? (E8).

Alguns participantes manifestaram déficits relacionados ao sono, o que interfere negativamente na qualidade de vida:

A dor dificulta, inclusive, a dormir. Para conseguir dormir uso três travesseiros como apoio e tomo remédios para dor (E1).

O sofrimento é dormir só de um lado. Eu só posso dormir desse lado (mostra), porque se eu dormir desse lado (mostra) ela sangra. Então, às vezes eu tento virar... e eu lembro, sabe? ... Vai sangrar... aí eu não posso. Essa aqui, quando eu acordo de manhã está tudo queimando. Então, tenho que dormir de um lado só. É muito sofrimento. Quem tem isso... não tem sossego nem paz, não. É muito triste. Triste demais, demais (E3). Tem dia que eu fico muito chateado... preciso dormir... aí eu esfrego a perna para diminuir a dor.... De dia, eu começo a dormir por falta de sono à noite (E10).

Detecta-se, na literatura, que o padrão de sono é um dos elementos de avaliação da qualidade de vida. No caso de pessoas com úlceras venosas, Green e Jester (2010) e Maddox (2012) evidenciaram que há uma perturbação nesse padrão, muitas vezes ocasionada pela dor, o que corrobora o explicitado nesses relatos.