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4.3 Categoria: contexto de vida

4.3.2 Ter pouco dinheiro torna a vida difícil

A renda familiar determina as condições de vida de uma pessoa, por ser um importante aspecto no planejamento das ações. Costa et al. (2011), juntamente com outros autores (HESS, 2002; NUNES et al., 2008), referem que há evidências de que a baixa renda influencia, de maneira negativa, o comportamento saudável no ambiente domiciliar, os cuidados com a saúde, o acesso aos recursos materiais e o acesso aos serviços de saúde. As dificuldades financeiras foram indicadas como algo marcante na vida dos entrevistados (E1, E2, E4, E5, E7, E8, E9, E10, E11, E12).

Ser dona de casa e criar filhos é o normal da vida e a pobreza torna a vida difícil. Meu marido era muito pobre e fomos morar em bairro de difícil acesso (E1).

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Quem ganha salário mínimo não tem lazer (E7).

No tempo antigo a gente passava muita dificuldade... morava na roça. [...] a gente pelejou, pelejou assim com farmacêutico, né? Naquele tempo quase não tinha médico (E9).

Ter uma ferida na perna significa ficar retraído, andar de muleta e ter que pedir carro emprestado quando precisa sair para ir ao médico, porque andar de ônibus é um incômodo (E11).

Ás vezes eu passo três, quatro dias sem comer pão. Eu sou apaixonada com pão, mas eu não aguento ir. Eu ganho um salário, mas tudo tem que pagar alguém para comprar. Para ir lá na padaria, você tem que dar 5 reais. Você compra 2 reais de pão, e aí eu tenho que pagar 5 reais. Para ir lá na farmácia é 10 reais e, então, é difícil não é, minha filha? É complicado [permanece chorando] (E12).

É triste ser pobre. O médico trata mal as pessoas porque elas são pobres, e não deveria ser assim, porque ninguém é melhor que ninguém (E12).

Pode-se considerar que a UV, em inúmeros casos, afasta o indivíduo do trabalho, agravando as condições socioeconômicas já precárias (FARIAS et al., 2014) e pode contribuir como fator desestabilizador do equilíbrio financeiro da família (NÓBREGA et al., 2011). Isso pode gerar, inclusive, desequilíbrios afetivos e emocionais. E1, por exemplo, sente-se muito ressentida com os filhos e o marido, por não ter ajuda financeira deles, e muito grata a uma vizinha, que foi quem arrumou tudo para que conseguisse o benefício da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), com o qual consegue pagar o que necessita, como médicos e táxi. Outros participantes também falam disso:

A vida complica para quem ganha pouco e precisa gastar com medicamentos e materiais que não são fornecidos pelo Centro de Saúde (E2).

Eu entrei com o pedido e estou aguardando o processo e as avaliações para conseguir a aposentadoria. Preciso de alguma ajuda [financeira], porque não consigo mais trabalho. Ainda pego algum “biscate” quando aparece, mesmo sentindo um pouco de dor. A vida está muito difícil: “o preço que foi o feijão...”. (Emociona-se muito ao final da entrevista e reafirma que sem serviço tudo fica mais difícil) (E5).

Com situação financeira deficitária torna-se necessário manter as atividades laborais, mesmo em condições físicas debilitadas, como se pode ver também nos relatos de E4, E8 e E10:

Foi curando, foi curando, foi curando..., mas a gente precisa de trabalhar... tem que trabalhar, né? Foi machucando mais... foi machucando mais... (E4).

Antes [do aparecimento da ferida] a vida era melhor porque eu aguentava trabalhar, ganhava bem e tinha uma vida normal. Trabalhava como faxineira e tinha um salário certo, mas, depois que apareceu a ferida, tive que parar. Hoje, trabalho em casa com costura, mas não é todo dia que tem costura para fazer. Como não posso ficar com as duas pernas para baixo, costuro com a perna que tem a ferida em cima de um banquinho (E8).

Sinto muita vontade de ser curado para poder andar e trabalhar. Mas como não posso, fico quieto. Minha mulher me vê quieto, briga e xinga muito. Ela não quer que eu fique à toa. Mas só dou conta quando é serviço pequeno, porque não consigo mais andar na rua (E10).

Esses achados estão de acordo com o estudo de Dias et al. (2013), que trata de influências que interferem na qualidade de vida de pessoas com UV. Os resultados indicam que a condição socioeconômica pode levar pacientes a atividades laborais informais ou à dependência de familiares e, com isso, haver desgaste nas relações familiares.

Dias et al. (2013) complementam que a UV é uma fonte adicional de despesas, essencialmente pelo tratamento farmacológico e materiais para os curativos. Algumas vezes, as dificuldades de acesso ao serviço, a materiais e aos medicamentos acabam sendo traduzidas por uma questão de “boa vontade” por parte dos profissionais, como citado por E1, E2 e E7, ou até mesmo interpretadas de forma inadequada, como no relato de E10.

Eu mesma faço o curativo em casa, porque fica difícil [de ir ao Centro de Saúde], eles não têm condições de vir aqui [a equipe de enfermagem], aí tem o tempo que eu perco e também sou obrigada a pagar [o táxi], e não tenho condições (E1).

Antigamente eles mandavam até lavar isso aqui [mostra uma faixa], hoje eles pedem para jogar fora, né? Eles dão à gente... certo? Antes eles falavam que estava em falta lá e mandavam lavar porque o posto estava em falta, né? Hoje, graças a Deus, de uns dois anos para cá não tem mais essa conversa, sempre eles estão fornecendo à gente, parece que com mais boa vontade, né? (E2).

A [auxiliar de enfermagem], com um pouco de má vontade, está me dando material e eu estou fazendo em casa. [...] olha aí, ela não me deu muito material, olha o que ela me deu... vou ter que comprar (E7 mostra o material que recebeu naquele dia para fazer o curativo em casa).

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Eu estava lavando em casa com água da torneira. Depois que eles me falaram é que eu entendi que não pode lavar com água de torneira. Então, eu acho que tem que lavar com água mineral, aí, depois que eu pensei... como é que eu vou fazer agora? Aí eles me mandaram aqui para o posto. “Agora o senhor não pode mais fazer aqui conosco, vai fazer no posto de saúde”. Eu falei: “Então está bom”(E10).

A fala de E10 traz uma questão pouco comentada sobre a limpeza da ferida com água da torneira, o que resultou em repreensão dos profissionais que o acompanhavam. Contudo, Silva et al. (2012) descrevem que estudos internacionais indicam o uso de água potável, em temperatura ambiente, na limpeza de feridas, por não mostrar índice de infecção significativo, quando comparada com solução salina estéril, bem como com o uso de água de torneira, que foi referendada pelos protocolos da Irlanda e da Inglaterra (BULLOCK et al., 2006; SIGN, 1998; SILVA et al., 2012) para limpeza de úlceras de pernas. Cabe considerar que esse procedimento deverá ser realizado por profissionais de saúde, em caso de necessidade, e com segurança em relação à qualidade da água potável, como no caso dos países citados. No caso de E10, ele o realizava sem orientações, pelo fato de retornar apenas uma vez por semana ao serviço que o acompanhava.

De fato, a situação de empobrecimento dessas pessoas é um dos determinantes das suas condições de saúde (BUSS, 2007), bem como das maneiras como conseguem cuidar das feridas crônicas, sendo que os serviços de saúde devem contribuir de forma significativa para minorar as dificuldades.

4.4 Categoria: impacto da existência da ferida no cotidiano