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2. Fundamentações Teóricas

2.8 Termodinâmica do Efeito magnetocalórico

De um modo geral a reação de um material ferromagnético ao ser submetido a um campo magnético é alinhar seus spins na mesma direção do campo (efeito Zeeman), aumentando o grau de ordenamento do sistema e, consequentemente, diminuindo sua entropia. Uma representação simples do fenômeno se encontra na Figura 2.9.

(a)

estrutura desordenada estrutura ordenada

(b)

Figura 2.9: Sólido magnético com (a) seus spins magnéticos desordenados na ausência de campo. Estes tendem a

(b) se alinhar com o campo magnético aplicado até finalmente (c) atingirem a saturação magnética.

O EMC é caracterizado por meio de dois parâmetros quantitativos , que medem variações em grandezas físicas relacionadas a duas manifestações distintas do fenômeno. Como será visto a seguir, a quantificação do EMC de um material magnético depende das condições físicas em que o campo magnético é aplicado no material. A primeira situação consiste na aplicação de campo magnético sob uma condição isotérmica. Como consequência do efeito Zeeman, há uma diminuição da contribuição dos spins magnéticos para a entropia total do material. Neste caso, o EMC se manifesta na forma de variação da entropia proveniente da rede magnética do material. Formalmente, define-se, então, a variação de entropia magnética (−𝛥𝑆𝑀) como um dos parâmetros que quantificam o EMC.

Por outro lado a aplicação de campo magnético sob condições adiabáticas gera um aumento na temperatura do material, como consequência da conservação da sua entropia total. Temos então uma variação adiabática de temperatura (∆𝑇𝑎𝑑), sendo este o outro parâmetro magnetocalórico a ser caracterizado.

Na Figura 2.10(a) é possível visualizar ambos os parâmetros, −𝛥𝑆𝑀 e ∆𝑇𝑎𝑑, em um gráfico de entropia 𝑆 por temperatura 𝑇, o qual mostra, ainda, duas curvas de entropia isocampo representadas por 𝐻0 e 𝐻1. A variação de entropia −𝛥𝑆𝑀 = 𝑆1− 𝑆2 , que ocorre a temperatura constante 𝑇0 devido a uma variação de campo ∆𝐻 = 𝐻1− 𝐻0 corresponde à variação de entropia magnética −𝛥𝑆𝑀, grandeza que quantifica o efeito magnetocalórico.

No entanto, quando a mesma variação de campo 𝛥𝐻 é aplicada satisfazendo uma condição adiabática, mantendo a entropia total 𝑆0 constante no processo, é a temperatura do sólido magnético que muda de 𝑇0 para 𝑇1, em conformidade com a 2º lei da termodinâmica.

Ou seja, há uma variação de temperatura adiabática ∆𝑇𝑎𝑑 = 𝑇1− 𝑇0, que corresponde ao outro parâmetro quantitativo do fenômeno.

Se diminuirmos a intensidade do campo aplicado, o sinal dos parâmetros inverte, ou seja, temos variação positiva de entropia 𝛥𝑆𝑀 = 𝑆0− 𝑆1 e variação adiabática negativa de

temperatura −∆𝑇𝑎𝑑 = 𝑇0− 𝑇1. Quando esses valores são numericamente iguais aos obtidos quando aplica-se campo magnético crescente, temos a reversibilidade do EMC, um pré- requisito necessário para aplicações práticas do efeito.

Na Figura 2.10(b) é possível visualizar o perfil típico, na forma de um pico, que a variação de entropia magnética −𝛥𝑆𝑀 exibe ao redor da uma transição de fase, no caso, do 𝐺𝑑 puro e da liga 𝐺𝑑5𝑆𝑖2𝐺𝑒2. A intensidade é proporcional a variação do campo magnético aplicado.

Figura 2.10: (a) Dependência da temperatura com a variação de entropia em um material ferromagnético, extraído da referência [80] e (b) EMC gigante do composto 𝐺𝑑5𝑆𝑖2𝐺𝑒2 e do 𝐺𝑑 puro em termos da variação

isotérmica de entropia magnética, extraído da referência [81].

No caso de sólidos cujo magnetismo é devido a momentos fortemente localizados, a entropia 𝑆 pode ser separada em três contribuições principais. Respectivamente, correspondem às entropias da sub rede magnética do material, da sua rede cristalina e uma contribuição eletrônica dos elétrons que o constituem[82].

𝑆(𝑇, 𝐻) = 𝑆𝑀(𝐻, 𝑇) + 𝑆𝑅(𝑇) + 𝑆𝐸(𝑇). 2.8.1

Nesta aproximação, apenas a parte magnética da entropia, fisicamente devido aos spins dos íons magnéticos do composto, é dependente do campo aplicado. A formulação teórica do EMC é comumente feita utilizando-se o formalismo dos grandes potenciais termodinâmicos, a partir dos quais é possível deduzir expressões matemáticas para as grandezas físicas −𝛥𝑆𝑀 e ∆𝑇𝑎𝑑 mencionadas anteriormente.

É necessário usar a energia livre de Helmholtz, 𝐹 = 𝐹(𝑇, 𝑉, 𝐻), a qual quantifica a quantidade de calor “disponível” em sistemas a temperatura e volume constantes, e da energia livre de Gibbs, 𝐺 = 𝐺(𝑇, 𝑝, 𝐻) usada para sistemas com volume e pressão constantes, e que mede o trabalho útil que pode ser obtido sob transformações isotérmicas e adiabáticas. Por último, também faremos uso da energia interna do sistema, 𝑈 = 𝑈(𝑆, 𝑉, 𝐻) ou 𝑈 = 𝑈(𝑆, 𝑉, 𝑀). Partindo da 1º e 2º leis da termodinâmica, podemos escrever o diferencial desta última na forma:

𝑑𝑈 = 𝑇𝑑𝑆 + 𝑑𝑊, 2.8.2

onde 𝑑𝑊 representa o trabalho infinitesimal realizado por ou sobre o sistema. Considerando- se, convenientemente, que os parâmetros relevantes sejam o campo magnético e o volume, tem-se que:

𝑑𝑊 = 𝑝𝑑𝑉 + 𝑀𝑑𝐻. 2.8.3

Assim, a energia interna é reescrita como:

𝑑𝑈 = 𝑇𝑑𝑆 − 𝑝𝑑𝑉 − 𝑀𝑑𝐻. 2.8.4

Já a energia livre de Helmholtz, por definição, é dada por:

𝐹 = 𝑈 − 𝑇𝑆, 2.8.5

a qual, na forma infinitesimal, pode ser expressa por:

Da expressão 2.8.6 é imediato obter os parâmetros internos 𝑆, 𝑝 e 𝑀 através das seguintes equações de estado:

𝑆(𝑇, 𝐻, 𝑉) = − (𝜕𝐹 𝜕𝑇)𝐻,𝑉, 2.8.7(a) 𝑝(𝑇, 𝑉, 𝐻) = − (𝜕𝐹 𝜕𝑉)𝑇,𝐻 , 2.8.7(b) 𝑀(𝑇, 𝐻, 𝑉) = − (𝜕𝐹 𝜕𝐻)𝑉,𝑇. 2.8.7(c)

Analogamente, partindo da definição matemática para a energia livre de Gibbs:

𝐺 = 𝑈 − 𝑇𝑆 + 𝑝𝑉 − 𝑀𝑑𝐻, 2.8.8

a qual, na forma diferencial fica:

𝑑𝐺 = 𝑉𝑑𝑝 − 𝑆𝑑𝑇 − 𝑀𝑑𝐻, 2.8.9

pode-se chegar nas seguintes expressões para os parâmetros internos do sistema:

𝑆(𝑇, 𝐻, 𝑝) = − (𝜕𝐺 𝜕𝑇)𝐻,𝑉 , 2.8.10(a) 𝑀(𝑇, 𝐻, 𝑝) = − (𝜕𝐺 𝜕𝐻)𝑉,𝑇, 2.8.10(b) 𝑉(𝑇, 𝐻, 𝑝) = − (𝜕𝐺 𝜕𝑉)𝑇,𝐻. 2.8.10(c)

Comparando-se diretamente as expressões 2.8.7(a), 2.8.7(b) e 2.8.7(a), com as equações 2.8.10(a), 2.8.7(b), e 2.8.7(c) obtêm-se as relações de Maxwell, que são válidas para sistemas em equilíbrio termodinâmico:

(𝜕𝑆 𝜕𝐻)𝑇,𝑝 = ( 𝜕𝑀 𝜕𝑇)𝐻,𝑝, 2.8.11(a) (𝜕𝑆 𝜕𝑝)𝑇,𝐻 = − ( 𝜕𝑉 𝜕𝑇)𝐻,𝑝 , 2.8.11(b) (𝜕𝑆 𝜕𝑀)𝑇,𝑝 = − ( 𝜕𝐻 𝜕𝑇)𝑀,𝑝. 2.8.11(c)

Uma grandeza macroscópica importante no estudo do EMC é a capacidade calorífica, definida como:

𝐶 =𝛿𝑄 𝑑𝑇.

2.8.12

Fazendo uso da 2º lei da termodinâmica:

𝑑𝑆 = 𝛿𝑄 𝑇 .

2.8.13

a capacidade calorífica pode ser convenientemente reescrita na forma:

𝐶 = (𝑇𝜕𝑆 𝜕𝑇).

2.8.14

Define-se, também, o coeficiente de expansão térmica do material na forma:

𝛼𝑇(𝑇, 𝐻, 𝑝) = 1 𝑉( 𝜕𝑉 𝜕𝑇)𝑇,𝐻 . 2.8.15

A entropia de um sistema magnético também pode ser descrita em termos de três grandezas físicas: a temperatura 𝑇, o campo aplicado 𝐻 e a pressão 𝑝. Neste caso, a diferencial total da entropia é dada por:

𝑑𝑆 = (𝜕𝑆 𝜕𝑇)𝐻,𝑝𝑑𝑇 + ( 𝜕𝑆 𝜕𝐻)𝑇,𝑝𝑑𝐻 + ( 𝜕𝑆 𝜕𝑝)𝑇,𝐻𝑑𝑝. 2.8.16

O primeiro termo desta equação pode ser relacionado com a capacidade calorífica, o segundo e o terceiro termos podem ser reescritos utilizando-se as equações de Maxwell 2.8.11(a) e 2.8.11(b), respectivamente. Assim, para um processo adiabático (𝑑𝑆 = 0), chega- se a seguinte expressão: 𝐶𝐻,𝑝 𝑇 𝑑𝑇 + ( 𝜕𝑀 𝜕𝑇)𝐻,𝑝 𝑑𝐻 − 𝛼𝑇𝑉𝑑𝑝 = 0, 2.8.17

onde o termo 𝐶𝐻,𝑝 representa fisicamente a capacidade calorífica sob pressão p e um campo

magnético 𝐻 constantes. Para processos isocóricos (𝑑𝑝 = 0), condição recorrente nas medidas experimentais envolvidas na determinação dos parâmetros magnetocalóricos, chega- se a: 𝑑𝑇 = − 𝑇 𝐶𝐻,𝑝 (𝜕𝑀 𝜕𝑇)𝐻,𝑝 𝑑𝐻. 2.8.18

Integrando-se a equação acima, obtemos uma expressão matemática para a variação adiabática de temperatura (∆𝑇𝑎𝑑) na forma:

𝛥𝑇𝑎𝑑 = − ∫ 𝑇 𝐶𝐻,𝑝 (𝜕𝑀 𝜕𝑇)𝐻,𝑝 𝑑𝐻 𝐻2 𝐻1 . 2.8.19

Por outro lado, impondo um processo isotérmico na Equação 2.8.16, e utilizando- se da relação de Maxweel 2.8.11(a), chegamos na expressão para a variação de entropia magnética (−𝛥𝑆𝑀): −𝛥𝑆𝑀 = ∫ (𝜕𝑀 𝜕𝑇)𝐻,𝑝𝑑𝐻 𝐻2 𝐻1 . 2.8.20

Nota-se que ambos os termos dependem da taxa de variação de magnetização com a temperatura, ou seja, estão associados à mudança na magnetização do material, como por exemplo, nos casos de ordenamento magnético onde estes são comumente mais intensos.

Há ainda um fator de mérito utilizado para comparar a eficiência de diferentes materiais magnetocalóricos, chamado de capacidade refrigerante (refrigerant capacity - RC). Em outras palavras, o RC mede a quantidade de calor que pode ser transferido entre uma fonte quente e uma fonte fria num ciclo termomagnético, sendo mais comumente definido como:

𝑅𝐶 = ∫ |−∆𝑆𝑀(𝑇)|𝑑𝑇

𝑇ℎ𝑜𝑡

𝑇𝑐𝑜𝑙𝑑

. 2.8.21

Nesta expressão, o intervalo de integração correspondente tem como limites as temperaturas da fonte quente e fonte fria, ou seja, o intervalo de operação do material. É comum tomar esse intervalo como aquele correspondente ao da largura a meia altura (𝛿𝑇𝐹𝑊𝐻𝑀) da curva −𝛥𝑆𝑀 do material em questão.

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