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4 A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL: O ESTADO SEM “ESTADO” EM TERRITÓRIOS RURAIS

1.5 TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS E ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA COMO ELEMENTOS DA DIVERSIDADE

Além da caracterização entre a agricultura familiar e a não familiar, o Território Paraná Centro apresenta o seu rural com áreas tradicionalmente ocupadas pelos povos e comunidades tradicionais (ALMEIDA, 2005), implicando numa tradicionalidade que não tem relação com um território arcaico ou milenar, mas com um espaço de direito que se constitui social e politicamente a partir de um movimento de organização e identidade coletiva. O Território Paraná Centro é riquíssimo neste aspecto, pois apresenta, no bojo dos povos e comunidades tradicionais, algumas terras indígenas, quilombolas e de faxinais.

O Mapa 05 expressa a diversidade encontrada no Território Paraná Centro. Nele, pode-se observar a presença de três territórios indígenas, duas comunidades quilombolas, 24 faxinais e 44 assentamentos de reforma agrária. É importante observar também que estas áreas estão localizadas, em sua grande maioria, nas zonas com maiores declividades do Território.

MAPA 05 – TERRAS TRADICIONAIS E ASSENTAMENTOS NO TERRITÓRIO PARANÁ CENTRO RELACIONADOS COM A DECLIVIDADE.

FONTE: ITCG (2010). Organização: Favaro (2011). Elaboração: Elizandro Fiuza Aquino (2011).

1.5.1 Terras Indígenas no Território Paraná Centro – a dependência institucionalizada

Como já foi visto anteriormente no sub item 1.2.2, existem atualmente no Território Paraná Centro, dentro da bacia do Rio Ivaí, três terras indígenas demarcadas, onde, de acordo com a FUNAI (2011), vivem em torno de 2.800 índios Kaingang e algumas famílias Guaranis. As terras indígenas são: Ivaí, Faxinal e Marrecas.

A Terra Indígena Ivaí, a maior delas em população, é situada nos municípios de Manoel Ribas e Pitanga. A área, de acordo com Mota e Novak (2008), que já foi de 36.000 ha aproximadamente, foi reduzida para 7.200 ha, através de um acordo datado de 12 de maio de 1949. Na comunidade da Terra Indígena Ivaí habita hoje cerca de 310 famílias kaingang, em um total aproximado de 1.510 pessoas.

Na Terra Indígena Faxinal, no município de Cândido de Abreu, de acordo com a FUNAI (2011), viviam em 2011, em torno de 150 famílias, com aproximadamente 620 indígenas kaingang, em uma área de 2.043 ha.

A Terra Indígena Marrecas é a maior delas em área: 16.838 ha, conforme dados da FUNAI de 2011. É situada nos municípios de Turvo e Guarapuava, onde residem em torno de 140 famílias, perfazendo um total aproximado de 660 indígenas. A maioria da população dessa terra é Kaingang, alem também de contar com nove famílias Guaranis que vivem nas aldeias Ko’ e Ju porã, existentes dentro da Terra Marrecas há mais de 15 anos, quando foi cedida pelos kaingang para os guaranis M’byá.

Com relação às três aldeias do Território, Mota e Novak (2008), descrevem que estas comunidades indígenas, há muito tempo, perderam sua autonomia econômica e, consequentemente, passaram a depender cada vez mais das políticas públicas. As atividades em que existe autonomia relativa, pelo menos em termos de produção, são as roças familiares e o artesanato mercantil. As roças familiares dependem de sementes e dos insumos que são obtidos junto aos órgãos públicos, enquanto o artesanato depende do mercado consumidor das cidades do entorno, onde os indígenas vendem seus balaios. No entanto, a taquara, matéria-prima do fabrico do artesanato, está cada vez mais difícil de ser encontrada, forçando-os buscá-la em locais cada vez mais distantes.

Outro problema relatado pelos autores é uma intensa e crescente degradação ambiental, causada pela grande concentração de pessoas em uma só aldeia, pois as famílias kaingang do vale do Rio Ivaí vivem atualmente concentradas nas sedes das terras. A concentração das famílias foi justificada institucionalmente sob a alegação de proporcionar mais conforto no que se refere ao acesso à escola para todas as crianças, bem como ao posto

de saúde, à energia elétrica, à água encanada e ao comércio. No entanto, se por um lado a população indígena ficou perto dos recursos sociais, por outro, houve uma intensa e crescente degradação ambiental (MOTA E NOVAK, 2008).

Outra situação verificada durante a execução desta pesquisa, por ocasião da visita às aldeias31, foram os conflitos em torno do acesso aos bens fornecidos pelos agentes públicos municipais, estaduais ou federais. Por essa razão, a sociedade kaingang se divide em grupos ou facções que disputam o poder interno, em busca de bens materiais e simbólicos. A participação de indígenas concorrendo a cargos políticos no município também colabora com a intensificação dos conflitos, como foi notado na Terra Indígena do Ivaí. Outro ponto a ressaltar são as decisões tomadas pelas lideranças indígenas, que contrariam a legislação32 na demarcação de terras indígenas, como é o caso de arrendamentos de terras destinados aos grandes produtores de soja e milho da região, fato que tem bastante notoriedade na aldeia de Ivaí.

1.5.2 Faxinais no Território Paraná Centro: povos em luta para manter seu território

Os povos de faxinais são povos tradicionais cuja formação social se caracteriza principalmente pelo uso comum da terra e dos recursos florestais e hídricos disponibilizados na forma de criadouro comunitário (BERTUSSI, 2009). Além disso, também possuem uma territorialidade específica e uma tradicionalidade na ocupação da terra. Os povos de faxinais são importantes sujeitos da preservação ambiental do Bioma Floresta de Araucária no Estado do Paraná. A prática tradicional do uso comum, conjugada com a apropriação privada da terra, além de uma forma de viver e significar o território imprime aos faxinais uma territorialidade própria e coextensiva ao modo de vida particular.

No território Paraná Centro, de acordo com a Articulação Puxirão dos Povos de Faxinais (APF) – movimento social de representação dos povos de Faxinais criado em 2005 com o objetivo de organização e mobilização dos povos faxinalenses – existem 24 faxinais localizados nos municípios de Boa Ventura do São Roque, Campina do Simão, Guarapuava, Mato Rico, Palmital e Turvo. Nestes faxinais, segundo Meira, Vandressen e Souza (2008),

31 Visita ocorrida em maio de 2011 nas aldeias de Marrecas e Ivaí.

32 Lei nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 – Estatuto do Índio, Art. 18: As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas.

residem 705 famílias, estimando33 um número de 2.397 faxinalenses. Os autores apontam que os maiores conflitos dos faxinalenses no Território não são diferentes dos demais faxinais do Estado do Paraná, tendo destaque o conflito promovido pelo agronegócio através da monocultura da soja, do pinus e do eucalipto, bem como a pecuária, presente em todos os municípios e responsável por ocasionar problemas de contaminação de nascentes, desmatamento e fechamento de áreas de criadouros. Outro conflito comum se dá com relação aos ―chacreiros‖, que além de cercarem terras pertencentes às áreas dos faxinais, também acabam impedindo a presença de animais próximos a suas propriedades, os quais os faxinalenses têm o costume de criar ―à solta‖. Estes são problemas igualmente comuns no município de Guarapuava.

Outros problemas, tais como os relacionados aos órgãos públicos, são especialmente percebidos no município de Pitanga, especificamente com a Prefeitura Municipal, no que tange à abertura de estradas e à destruição de ―mata–burros34‖ dos faxinais. Num caso específico, ocorre o depósito de lixo no Faxinal do Teles, na Comunidade Barro Preto.

Percebe-se ainda, de acordo com os autores citados, que existem algumas formas de violência que são acometidas contra os faxinalenses do Território, entre elas a violação de acesso ao criador comum, danos, furtos e matanças de animais, bem como ameaças às lideranças dos faxinais.

1.5.3 Comunidades Quilombolas – um conflito permanente no Território

Segundo dados do IPARDES (2007), o Grupo de Trabalho Clóvis Moura35, instituído pelo Governo do Estado do Paraná, identificou duas comunidades remanescentes de quilombolas no Território, compostas por 76 famílias, totalizando 296 pessoas: a comunidade

―Invernada Paiol de Telha‖ e a comunidade ―Campina dos Morenos‖.

A comunidade Invernada Paiol de Telha, localizada no Município de Guarapuava, possui 230 pessoas, pertencentes as 66 famílias oriundas de comunidades quilombolas da região. Nesta comunidade está presente um conflito que marca a história de luta pela terra do Território, descrito no item 1.2.3 deste capítulo. De acordo com o Relatório 2005-2008 do

31 Esta estimativa, de acordo com Souza (2008), obedece à média indicada pelo IBGE (2006) sobre número pessoas por famílias rurais, que é 3,4 pessoas para o sul do Brasil.

34 Pequena vala, ou ponte de tábuas espaçadas, para evitar a passagem de animais.

35 Grupo multidisciplinar de estudos com focos em comunidades quilombolas. Foi instituído pelo Governo do Estado do Paraná, através da Resolução Conjunta 01/2005 – SEED-SEEC-SEAE-SEMA-SECS e posteriormente ampliado com a participação de outras Secretarias.

Grupo de Trabalho Clóvis Moura, publicado pelo ITGC (2008) no livro ―Terra e Cidadania:

Terras e Territórios Quilombolas‖, esta é uma comunidade em situação bastante complexa e especial. Sua luta pelo retorno às terras de origem é lendária. Hoje, uma parcela desta população está no assentamento efetuado pelo INCRA próximo à Vila Socorro, no distrito de Entre Rios, município de Guarapuava, distante em 35 quilômetros da sede municipal. Outra parcela se encontra acampada no município de Reserva do Iguaçu e está aguardando resoluções do processo jurídico junto a Cooperativa Agrária Agroindustrial.

A Comunidade Campina dos Morenos, em Turvo, pelos dados do ITCG (2008), chamada anteriormente de ―Campina dos Pretos‖, está localizada a 22 quilômetros da sede do município de Turvo, no limite entre este município e o de Guarapuava. A comunidade foi originada pelo fato de ser o local de pouso final para os negros escravizados em fuga das fazendas da região. Membros da comunidade relatam que, por volta de 1850, os primeiros fugitivos se instalaram nesse local de difícil acesso e, já por volta de 1870, existiam perto de cem famílias na comunidade. Atualmente 12 (doze) famílias, com 66 remanescentes quilombolas, descendentes dos que conseguiram resistir às violências cometidas e à progressiva perda das terras com a diminuição das possibilidades de sobrevivência, mantêm os costumes antigos, inclusive o uso coletivo da terra para a agricultura, moradia e criação de suínos em forma de faxinal, catalogado pela APF – Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses como ―Curitibinha dos Morenos‖. A Comunidade ―quilombola-faxinalense‖

enfrenta juntamente com os outros faxinais do Território, problemas relacionados à entrada do monocultivo de soja, do gado de corte e do pinus, ocasionando desmatamento e contaminação de nascentes de rios. De acordo com a APF, os ―faxinalenses-quilombolas‖ têm sofrido violências no que diz respeito às ameaças às lideranças, como também às agressões aos costumes do faxinal e aos seus animais. Os quilombolas, para sobreviver, necessitam tanto da agricultura de autoconsumo quanto do trabalho braçal nas fazendas de reflorestamento da região. As roças de feijão preto, milho, mandioca e batata são familiares.

1.5.4 Os assentamentos rurais como tentativa de redistribuição das terras no Território

Os assentamentos rurais são relevantes no Território Paraná Centro, somando um total de 44, distribuídos em 14 municípios (Mapa 06). Os assentamentos do Território abrigam em torno de 2.287 famílias de agricultores, perfazendo um total aproximado de 7.800 pessoas. Os assentamentos tiveram a articulação do MST (Movimento dos Agricultores Sem Terra), com exceção dos assentamentos Bananas, Europa, e Rosas de Guarapuava, cuja

iniciativa foi ancorada pelo INCRA em conjunto com a Prefeitura Municipal de Guarapuava – cabendo a esta a organização e a escolha do pessoal. Estes assentamentos fizeram parte de um plano piloto de 1999, do governo do Estado do Paraná e das políticas federais do governo Fernando Henrique Cardoso de ―municipalizar‖ a reforma agrária. Estes assentamentos, mais tarde, tiveram também a inclusão de integrantes do MST. Os maiores assentamentos em área e em número de assentados são os assentamentos Araguaí, de Santa Maria do Oeste, com 4.850 ha e 217 famílias, seguido do assentamento Bela Manhã, do município de Palmital, com 160 famílias assentadas em uma área de 3.518,66 ha.

Os assentamentos, como afirma Jefferson Resental Gomes36, enfrentam os problemas que a maioria dos assentados da reforma agrária enfrenta em todo o Brasil e especificamente no Estado do Paraná: a falta de uma política articulada do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) com os demais órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, em todas as áreas, tais como saúde, educação, habitação, crédito e etc.

Outro problema, levantado por Gomes (2011), se dá em relação à assistência técnica prestada pelo governo aos assentados, que, para ele, é insuficiente em número de técnicos, além de também haver um despreparo da maioria deles, principalmente na questão da produção agroecológica; soma-se a isso o fato dos convênios do INCRA com o Instituto EMATER para a prestação de assistência técnica aos assentados serem fragmentados e de tempos determinados. Com relação à participação dos assentados no Território, Gomes (2011), levanta que a maior dificuldade se evidencia sobre a lógica organizativa dos assentamentos, pautada em microrregiões, não coincidindo com a lógica organizativa da Política de Desenvolvimento Territorial do Paraná Centro.

Essa diversidade que encontramos no Território (indígenas, quilombolas, faxinalenses), somada aos novos atores que chegaram mais recentemente através dos assentamentos da reforma agrária, traz uma riqueza, cultural, econômica, social e ambiental que confronta diretamente com a cultura imposta historicamente pela elite campeira que ainda domina os setores políticos e econômicos. Suas lutas/resistências são cotidianamente negadas, seja por ações diretas através de confrontos físicos ou através de políticas públicas, como é o caso da Política de Desenvolvimento Territorial. Tal política tem esse segmento como prioridade em suas diretrizes, mas, na prática, não se verifica nenhum tipo de apoio ou investimento a esses grupos.

36 Articulador da estruturação produtiva dos assentados ligados ao MST, junto aos assentamentos dos territórios Paraná Centro e Centro Sul. Entrevista realizada dia 02/06/2011 no Assentamento 13 de novembro em Guarapuava.

MAPA 06 – ASSENTAMENTOS DA REFORMA AGRÁRIA NO TERRITÓRIO PARANÁ CENTRO FONTE: ITCG (2010). Organização: Favaro (2011). Elaboração: Elizandro Fiuza Aquino (2011).

1.6 DIMENSÕES DAS CONDIÇÕES DE VIDA DAS POPULAÇÕES NO TERRITÓRIO