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O teste de percepção contou com a participação voluntária de um grupo de juízes formado por 22 estudantes que cursavam a disciplina de Fonologia, do curso de Letras, da UFOP. Como descrito no capítulo de Metodologia, a tarefa dos participantes do teste consistiu em marcar num conjunto de respostas qual atitude melhor descrevia o sentido apreendido a partir do trecho que tinha sido ouvido por eles. Nosso objetivo, ao realizar esse teste, era confrontar a impressão perceptiva do pesquisador com a de outros falantes de PB, a fim de confirmar a percepção do pesquisador. Na tabela 3, apresentamos os resultados obtidos após a realização desse teste.

Tabela 3: julgamento do pesquisador versus somatório de julgamento dos juízes para os

enunciados críticos, irônicos e neutros (entre parênteses, os valores estão em porcentagem). Juízes

Pesquisador Crítica Ironia Neutro Autoridade Admiração Outro Crítica 465 (63,26) 131 (17,82) 53 (7,21) 9 (1,22) 76 (10,34) 1 (0,13) Ironia (20,40) 40 (70,91) 139 (2,55) 5 (2,55) 5 (3,57) 7 0 Neutro (12,46) 41 (6,38) 21 (49,54) 163 (17,02) 56 (11,85) 39 (2,73) 9

Analisando a tabela, vemos que as atitudes de crítica e de ironia, bem como a neutralidade, foram bem reconhecidas pelos juízes que participaram do teste de percepção. No que respeita à crítica, os valores de reconhecimento foram de 63,26%. Para a ironia, houve um maior reconhecimento por parte dos juízes, em relação à crítica, pois os participantes identificaram 70,91% dos trechos irônicos. Os valores para os trechos neutros, no entanto, foram um pouco mais baixos em relação aos enunciados mais atitudinais: 49,54%. Apesar disso, esse resultado nos pareceu bastante satisfatório, uma vez que essa média está acima do acaso, calculado em 16,67%.

A tabela nos mostra que em 17,02% dos enunciados neutros os juízes identificaram a atitude de autoridade. Entendemos que esse resultado esteja ligado ao fato de que, apesar de termos definido a autoridade com expressões do tipo “mandar em alguém”, os juízes podem ter associado tal atitude ao “falar com autoridade” sobre um determinado assunto, o que os candidatos fazem em alguns momentos do discurso. Alguns exemplos:

i) “A questão do professor não é apenas o salário.” ii) “A cultura é fundamental em qualquer povo.” iii) “As publicações estão aí todos os dias.”

iv) “Nós temos que discutir uma reforma política no país.”

v) “A nossa gente foi pra campo, trabalhou (...) e ganhamos as eleições. Eu estou certo que vai ser assim.”

Acreditamos que nos exemplos apresentados não haja nenhum item lexical específico que favoreça a interpretação desses enunciados como autoritários, mas o conteúdo proposicional do enunciado em sua totalidade poderia ser interpretado como algo de que se tem certeza, de que se fala com autoridade. Além disso, não nos pareceu que, prosodicamente, ocorressem mudanças melódicas ou rítmicas que se associassem a expressão de autoridade. Parece-nos, antes de tudo, que esses enunciados remetem a uma fala de alguém que tem um conhecimento aprofundado sobre o assunto abordado, ou seja, autoridade sobre o que está sendo dito.

Entre os 53 trechos escolhidos para o teste de percepção, alguns continham mais de uma frase alvo. Assim, totalizávamos, no momento de realização do teste, 69 frases a serem julgadas e que, posteriormente, seriam analisadas acusticamente. Como dispúnhamos de três atitudes possíveis (crítica, ironia e neutro), validamos as frases que tiveram mais de 33% de concordância entre o rótulo atribuído pelo pesquisador e o rótulo atribuído pelos juízes. No entanto, apesar de outros falantes de PB terem reconhecido de maneira satisfatória a crítica e a ironia e de os valores estarem acima do acaso, nos mostrando que a prosódia corrobora a

construção de sentido, encontramos algumas respostas bastante confusas nos questionários. Vejamos os exemplos a seguir, nos quais as frases a serem julgadas estão sublinhadas:

i) Fomos premiados várias vezes // Muitas vezes // Pimenta chega aqui e nega tudo // Nega // Pimenta // Continue negando // Mas cê tá negando os fatos que existem e que estão aí e que você não tem condição de negar //

ii) E tirar o estado // e diminuir o estado // e reduzir o estado // Nós temos a posição muito mais equilibrada // Nós somos a favor da iniciativa privada sobre controle estatal //

As rotulações atribuídas incialmente pelo pesquisador às atitudes expressas nas frases destacadas foram crítica e neutro, respectivamente. No exemplo (i), 40,9% dos juízes reconheceram a crítica, mas outros 40,9% marcaram ironia e 18,2% identificaram a frase como neutra. Em (ii), houve um reconhecimento de 38,1% para o neutro, mas também de 28,9% para a admiração e 19,1% para a autoridade, além de terem sido reconhecidas a ironia, a crítica e outros, todos com 4,8%. Nesses casos, optamos por retirar essas frases de nosso corpus final, junto àquelas nas quais observamos resultados mais dispersos.

Assim, após a exclusão de 12 trechos (totalizando 19 enunciados), obtivemos um total de 50 frases, distribuídas entres os locutores da seguinte maneira:

Tabela 4: distribuição, por candidato, das frases analisadas acusticamente.

Na tabela, n corresponde ao número total de dados analisados. Atitude

Candidato Crítica Ironia Neutro

Fernando Pimentel (n = 11) 7 1 3 Fidélis Alcântara (n = 12) 4 5 3 Pimenta da Veiga (n = 19) 15 1 3 Tarcísio Delgado (n= 8) 5 0 3

Ressaltamos que, como estávamos sujeitos ao que era dito nos debates, não foi possível normalizarmos o número de dados analisados por cada locutor. Todas as frases passaram por uma análise acústica e os resultados dessas análises serão apresentados ao longo deste capítulo, junto à análise discursiva de alguns dos momentos de desconstrução do ethos nos debates analisados neste trabalho.

Durante o período eleitoral, os candidatos aos cargos de governo fazem uso de diversos gêneros que atuam como ferramentas de campanha, tais como publicidade impressa, comícios eleitorais e debates midiatizados, na tentativa de persuadir ou dissuadir o eleitor, convencendo-o de quais propostas são (in)adequadas às necessidades da população. Entendemos que a realização de debates eleitorais é um dos momentos mais importantes da campanha eleitoral, pois, nessas situações comunicativas, cada candidato procura mostrar uma imagem de si capaz de convencer e comover o auditório por meio de estratégias retórico- argumentativas que corroboram cada construção ethica. Além disso, durante esses debates, cada candidato pode colocar em xeque a imagem de seus oponentes políticos, quando desconstroem o ethos do adversário, desqualificando-o. Para isso, os políticos apresentam seu ponto de vista no momento de interação, dando pistas ao ouvinte sobre seu comportamento em relação ao outro. Assim, a partir da expressão de atitudes, tais como a crítica e a ironia, os candidatos mostram suas intenções e qual seu posicionamento em relação a seus adversários.

Outra observação a ser feita é que notamos, nos debates analisados, uma tendência de ataques mais tensos direcionados a Fernando Pimentel e a Pimenta da Veiga, inclusive por parte dos demais participantes dos debates, o que se relaciona a eles estarem à frente nas sondagens sobre quem seria eleito. Quando os candidatos se dirigiam a Tarcísio Delgado e a Fidélis Alcântara, o faziam num tom mais neutro e, por isso, nos reportaremos com menos frequência aos ataques direcionados a esses dois últimos, uma vez que encontramos poucas expressões de crítica e de ironia voltadas a eles.

Após escolhermos alguns dos diversos momentos de desqualificação nos quatro debates analisados, procedemos às análises discursiva e acústica das atitudes de crítica e de ironia entre os candidatos. Nas próximas seções, procederemos aos resultados dessas análises e salientamos que nossas análises discursivas serão bastante resumidas e não tão exaustivas, uma vez que nosso principal interesse é observar como os marcadores prosódicos atuam nos momentos de desconstrução ethica e de consequente desqualificação do outro nos debates analisados.