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5. ARTIGO DE OPINIÃO, EDITORIAL E CARTA DO LEITOR

5.1 Análise do artigo de opinião nas versões 2009 e 2012

5.1.2 O artigo na versão 2012

5.1.2.1 Texto ―Cotas: o justo e o injusto‖

No que tange ao universo de referência, o texto surgiu dentro de um contexto de debates que tem dividido a opinião pública em geral: a implementação do sistema de cotas para o ingresso nas universidades. A adesão a esse sistema como bem informa o livro didático é representada como forma de reduzir as desigualdades, promover a diversidade racial e combater a exclusão. O artigo em debate parte de um tema real e do cotidiano do leitor. O seu domínio discursivo é o midiático, e também se insere no campo sociopolítico discursivo do jornalismo

formador de opinião. Lya Luft, jornalista, escritora, contista, pedagoga e articulista da Veja, primeira mulher a ocupar esse cargo por tanto tempo, usa de sua experiência como profissional da mídia, formadora de opinião para convencer e influenciar os leitores a lutarem por seus direitos, combatendo valores impostos, os quais ela denomina de ―conceitos nefastos‖ por meio de argumentos sólidos. Coloca sua posição, refutando alguns posicionamentos divergentes.

Na constituição de sua unidade semântica, o texto, de base argumentativo-opinativa, aborda um tema polêmico que envolve problemas sociais, assim como na versão de 2009, também vivenciados por alunos tanto da rede pública como da privada e que, por sua abrangência, nacional merece ser debatido. O sistema de cotas para ingresso nas Universidades surgiu em resposta aos inúmeros debates sobre esse assunto na mídia. Entre esses estava um que ocupou página inteira, na seção ―Nacional‖ do jornal O Estado de S. Paulo, do dia 22 de janeiro de 2008, sob a manchete Justiça suspende sistema de cotas da Universidade Federal de SC. O jornal relatou o fato e relacionou-o com acontecimentos semelhantes em outras universidades. Segundo o jornal, para a justiça, a instituição não tem autonomia para definir critérios étnicos ou econômicos de preenchimento de vagas. Em sua alegação, o juiz responsável por essa causa cita a Constituição enfatizando a igualdade de direitos.

Para construir o seu texto Lya Luft o faz de forma coerente e coesa, encadeando as informações, dessa forma a progressão do tema é construída. Ele se organiza seguindo uma linha argumentativa que começa com a identificação do tema em questão, seguida de seus antecedentes e com uma tomada de posição. Em seguida, apresenta os diferentes argumentos que sustentam a tese e finalmente faz a reafirmação da posição adotada no início. Ao introduzir o tema ―A implementação do sistema de cotas para ingresso nas universidades‖ e seu ponto de vista, Luft o faz por meio de uma ampla apresentação que pode ser vista no primeiro e segundo parágrafos (ver Anexo 5). Ainda no segundo parágrafo, a autora apresenta o seu ponto de vista e isso pode ser notado por marcadores textuais de primeira pessoa como

verbo, pronome e modalizadores destacados no exemplo citado a seguir.17

Cresci numa cidadezinha [...]. Neste nosso país, muito se fala em uma questão que

estimula tristemente a diferença racial e social: as cotas de ingresso em universidades para estudantes negros e/ou saídos de escolas públicas. O tema libera

17

Segundo Dionísio et al. (2007.p. 170) o artigo de opinião expõe o ponto de vista de um jornalista ou de um colaborador do jornal, fazendo uso de dêiticos e do presente do indicativo como tempo de base, num texto claramente argumentativo, comentando algo sempre já dito. O artigo de opinião é um gênero de ―enunciação

muita verborragia populista e burra, produz frustração e hostilidade. Instiga o

preconceito racial e social. [...]

No terceiro e quarto parágrafos, ela desenvolve seus dois argumentos:

Os alunos que se saem bem no vestibular são rejeitados em troca de quem se saiu menos bem, mas é de origem africana ou vem de escolas públicas; a ideia das cotas reforça dois conceitos nefastos: o de que negros são menos capazes, e o de que a escola pública não apresenta boa qualidade.

Ao introduzir, ainda nesse parágrafo, um assunto novo, mas que converge para o tema destacado no parágrafo anterior, ela conecta os dois ao dizer que ―Só quem já teve filhos e netos nessa situação conhece o sacrifício, a disciplina, o estudo e os gastos implicados nisso_ são rejeitados em troca de quem se saiu menos bem, mas é de origem africana ou vem de escola pública‖. No quinto e sexto parágrafos, utiliza de argumentos históricos para sustentar sua opinião. Para isso, no quinto parágrafo, retoma acontecimentos do passado para explicar fatos do presente. Utiliza ainda de marcadores de primeira pessoa ―Lembro-me da fase há talvez vinte anos ou mais, em que filhos de agricultores que quisessem entrar nas faculdades

de agronomia (e veterinária) ali chegavam através de cotas, pela chamada ‗lei do boi‘[...]‖. No

sexto, retoma o assunto anterior ao dizer que ―Nem todos os envolvidos nessa nova lei

discriminatória e injusta são responsáveis por esse desmando [...]‖. No último parágrafo, a articulista retoma o assunto principal e conclui seu ponto de vista sobre o assunto, confirmando a ideia de que todos devem ter os mesmos direitos e que medidas que favorecem uns em detrimento de outros geram sofrimento, frustração e injustiça. Chama tudo isso de trapalhada que prejudica a todos. Posiciona-se através de verbo em primeira pessoa e pronome possessivo

de primeira pessoa: ―Meus pêsames, mais uma vez, à educação brasileira.‖

Esse artigo tem como propósito comunicativo analisar, avaliar e discutir uma questão social controversa: A implantação do sistema de cotas para ingressar nas universidades é justo ou injusto? Lya Luft, ao buscar respostas para esse questionamento, discorre sobre um ponto crítico que leva a esse questionamento principal: O sistema de cotas é justo ou injusto e que

vai levar ao tema abordado por ela ―Cotas: o justo e o injusto‖. Esse assunto veiculado na

mídia de grande circulação é polêmico em virtude de apenas duas classes sociais serem beneficiadas por ela: os negros e os alunos de rede pública estadual. Os alunos de outra classe sentiram-se prejudicados e igualmente discriminados. O direito não é igual para todos? Como fica a Constituição aí? Ele é altamente relevante, insere-se tanto no campo social como no político e refere-se ao contexto dos nossos jovens. Ao abordar o assunto, a articulista procura fazê-lo, adequando-o ao seu contexto de produção e circulação. Assim, utiliza de argumentos

de autoridade, ao deixar implícito que todos têm direitos iguais perante a lei; de alusão histórica, em que retoma o tempo passado de sua juventude para ilustrar o preconceito que existia e parece estar presente novamente; provas concretas, ao retomar uma antiga lei que favorecia uns em detrimento de outros e que foi extinta, a fim de convencer os leitores de que o sistema de cotas estimula o preconceito racial e social.

Em relação aos esquemas de composição: tipos e gêneros, o texto, como já dito, é de tipologia argumentativa e se insere dentro de um campo discursivo político-social. Ele foi veiculado na revista Veja nº. 2046 em 06 de fevereiro de 2008 em São Paulo e transcrito para o Português Linguagens com adaptações visuais feita pela coleção. A articulista faz uso de uma argumentação retórica, que, como postula Emediato (2008, p. 167), visa trazer o autor para dentro de seu universo de discurso, com o objetivo de persuadi-lo pelo uso de estratégias de sedução e de persuasão, construídas através do apelo aos valores e das crenças das pessoas. Ela por esse viés tenta, através de uma avaliação do caso e análise das causas e consequências, persuadir os leitores a aderir sua opinião: ―O sistema de cotas estimula o preconceito racial e social.‖ Nessa perspectiva, Lya Luft manifesta uma hierarquia de valores. Esses privilégios concedidos a uns poucos ao invés de erradicar os males do preconceito e racismo, evidenciam e perpetuam-nos. Segundo a articulista, os princípios de igualdade preconizados pela Constituição não existem. Ela postula que os valores da ―justiça‖ e ―igualdade‖ são preferíveis em relação ao que é ―solidário‖ valor preferível do sistema, visto que eles privilegiam a solidariedade e não o mérito. A fim de validar o seu ponto de vista, usa de argumentos, de alusão histórica ao retomar valores do seu passado para compará-los a valores do presente.

Cresci numa cidadezinha onde as pessoas (as famílias sobretudo) se dividiam entre católicos e protestantes. Muita dor nasceu disso. Casamentos foram proibidos, convívios prejudicados. Vidas podadas. [...] Mas como o mundo anda em elipse ou em círculos, neste momento, neste nosso país muito se fala em uma questão que estimula tristemente a diferença racial e social: as cotas de ingresso em universidades para estudantes negros e/ou saídos de escolas públicas. (v.1, p. 289) Argumentos de presença em que utiliza fatos do passado para ilustrar a tese que quer defender.

Lembro-me de uma fase, há talvez vinte anos ou mais, em que filhos de agricultores que quisessem entrar nas faculdades de agronomia ali chegavam através de cotas,

pela chamada ―lei do boi‖. Constatou-se que verdadeiros filhos de agricultores eram

em número reduzido. Os beneficiários eram em geral filhos de pais ricos, donos de algum sítio próximo, que com esse recurso acabaram ocupando o lugar de alunos que mereciam, pelo esforço, aplicação, estudo e nota, aquela oportunidade. Muita

Injustiça assim se cometeu, até que os pais, entrando na justiça, conseguiram por liminares que seus filhos recebessem o lugar que lhes era devido por direito. Finalmente a ―lei do boi‖ foi para o brejo. (v.1, p. 289)

O livro didático, ao introduzir o artigo de opinião, esclarece que esse tipo de texto, por sua constituição argumentativo-opinativa controversa, é publicado em jornais, revistas e em sites da Internet, denominado artigo de opinião, nos quais o autor expressa seu ponto de vista sobre certo tema. Lya Luft se opõe ao posicionamento do sistema. Acredita que em vez de erradicar o preconceito e racismo ele vai gerar ainda mais o preconceito e diferença entre as pessoas. Entretanto, a articulista após avaliar o problema, analisar as causas e consequências oriundas desse sistema que favoreceria uns em detrimento de outros, que infringiria a própria Constituição, posiciona-se frente às questões geradoras do debate. Definindo o que é justo e o que é injusto, retoma o tema inicial e conclui posicionando-se:

Nem todos os envolvidos nessa nova lei discriminatória e injusta são responsáveis por esse desmando. Os alunos beneficiados têm todo o direito de reivindicar uma possibilidade que se lhes oferece. Mas o triste é serem massa de manobra para um populismo interesseiro, vítimas de desinformação e de uma visão estreita, que os deixa em má posição. Não entram na universidade por mérito pessoal e pelo apoio da família, mas pelo que o governo, melancolicamente, considera deficiência: a raça ou a escola de onde vieram [...]

Lamento essa trapalhada que prejudica a todos: os que são oficialmente considerados menos capacitados, e por isso recebem o pirulito do favorecimento, e os que ficam chupando do dedo da frustração, não importando os anos de estudo, a batalha dos pais e seu mérito pessoal. Meus pêsames mais uma vez, à educação (v. 1, p. 289).

Ao inserir esse texto com ênfase nesse comentário, pode-se pressupor que o propósito de se trabalhar esse texto em sala de aula é o de provocar um debate sobre o assunto, instigando o posicionamento dos alunos a criar os seus próprios argumentos. Despertando, quem sabe, neles o desejo de escrever a essas seções destacadas da mídia escrita e quiçá ser atendidas por elas. É o gênero em seu uso real. Principalmente, por que o assunto está sempre na mídia e faz parte do contexto social de ambos.

No plano composicional, vemos um ponto de vista sobre uma questão controversa; em seguida, possíveis objeções são levantadas, para, no final, argumentos relevantes serem defendidos. O texto caminha de forma a culminar com um posicionamento crítico sobre o problema salientado. A articulista mostra que a implantação do sistema de cotas para ingressar nas Universidades pode surtir um efeito contrário ao do esperado pelo governo. Ao contrário de reduzir as desigualdades e promover a diversidade racial, pode aumentar as desigualdades, o preconceito e a exclusão social. Faz uso de argumento de autoridade para

defender seu posicionamento, entre outros como os argumentos por meio de comparação, alusão histórica. O argumento de presença e ad personam (EMEDIATO, 2008, p. 174) para ilustrar um fato semelhante que não deu certo e, ao mesmo tempo, denegrir o governo, isto é, desqualificar a pessoa manifestando que o que ele diz opõe-se à imagem que dele se faz. O argumento da regra da justiça, em que segundo Perelman-Olbrechts-Tyteca (2005, p. 249) o comportamento de uns e outros como parte de uma convenção, não seja diferente. Todos

esses argumentos usados por Luft18 defendem que os privilégios concedidos aos alunos,

baseados na raça ou na origem, evidenciam e perpetuam o ciclo do preconceito e de racismo, em vez de auxiliarem na erradicação desses males. Os princípios da igualdade entre as pessoas simplesmente deixam de existir. Do ponto de vista do conteúdo, o assunto abordado trata de um problema de ordem político-social, presente no contexto social da articulista, visto que é uma formadora de opinião. Isso justifica a preferência por utilizar termos do seu domínio discursivo, e se caracterizar pela presença de marcas de posicionamento (verbais e pronominais, modalizadores) de primeira pessoa do plural: ―Cresci numa cidadezinha‖, ―Lembro-me da fase, há talvez vinte anos [...]‖.

Esse texto, dentro de seu universo de relevância informativa, retrata um tema real e bastante veiculado na mídia; no entanto, a articulista o aborda num contexto também diferente do esperado. Usa estratégia discursiva, fazendo uso de ironia, linguagem cheia de implícitos e pressuposições, para sair da obviedade. Procura adequar sua linguagem às suas circunstâncias de circulação. Mesmo utilizando uma linguagem padrão, utiliza-se algumas vezes de um tom coloquial que se aproxima do campo discursivo dos jovens, como: ―A lei do boi foi para o

brejo‖, ―Lamento essa atrapalhada que prejudica a todos: os que são oficialmente considerados menos capacitados, e por isso recebem o pirulito do favorecimento, e os que ficam chupando o dedo da frustração, não importando os anos de estudo, a batalha dos pais e

seu mérito pessoal. [...]‖. Desse modo, a autora adéqua a linguagem aos diferentes interlocutores. O texto, em sua construção, suscita conhecimentos prévios do leitor, como, por exemplo: Qual é o princípio fundamental das sociedades democráticas? O que foi essa ―lei do boi?‖ No entanto, a ausência de tais conhecimentos não impede a compreensão do texto, pelo contrário, aguça o interesse pela leitura. A articulista pressupõe que seus leitores agreguem

18

O argumento Ad Personam procura ―desqualificar a pessoa, manifestando que o que ela diz ou faz opõe-se à

imagem que dela se faz.‖ (EMEDIATO, 2008, p.174). O argumento ―regra da justiça‖ diz que ―não se pode

diferir o tratamento concedido aos cidadãos no interior de uma república em que se sustenta no princípio de

igualdade entre todos‖. Perelman, por sua vez, preconiza que ―a regra da justiça‖ requer que o comportamento

de uns e outros, como parte de uma convenção, não seja diferente ( PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, 249).

todos esses saberes. A premissa da tese defendida fundamenta-se em dois argumentos básicos: ―Os alunos que se saem bem no vestibular são rejeitados em troca de quem se saiu menos bem, mas é afrodescendente ou vem de escolas públicas. A ideia das cotas reforçaria dois conceitos nefastos: o de que negros são menos capazes e o de que a escola pública não apresenta boa qualidade. De forma coerente, conclui o seu texto confirmando a ideia de que todos devem ter os mesmos direitos, que medidas que favorecem uns em detrimento de outros acabam gerando sofrimento, frustração e injustiça e que a saída para o problema é investir na educação.

Por fim, o artigo de Lya Luft também se constitui nas relações com outros discursos ou textos.Essas relações são constituídas por marcadores discursivos. Lya Luft, assim com Zilda Arns, ao desenvolver o seu discurso faz uso constante desses marcadores discursivos para validar seus argumentos. Outro recurso utilizado é o uso implícito da Constituição no que tange aos princípios fundamentais da sociedade para dar força aos seus argumentos: ―Direitos iguais para todos independentemente de raça, cor etc.‖ Essas vozes são ainda introduzidas através de outras diferentes formas, deixando clara a posição do articulador, a saber, os usos de aspas, uso de pronomes de primeira pessoa (essas são formas que contribuem para a distinção entre os participante do discurso, como marcadores de posicionamento). Entre essas diferentes formas destaca-se, ainda, o uso de ironia. As diferentes maneiras de se introduzirem as vozes no discurso argumentativo evidenciam a intertextualidade explícita como fatos constitutivos do gênero argumentativo, nesse foco, o artigo. Considerando que o artigo de opinião é de natureza argumentativo-opinativa, a voz do locutor tem um papel definido: convencer o leitor, por meio de argumentos, de que o sistema de cotas estimula o preconceito racial e social ao invés de reduzir as desigualdades e promover a diversidade racial. Na construção de seus argumentos a articulista faz uso de inúmeras outras estratégias para marcar o seu posicionamento, voz e sua perspectiva pessoal, como o uso de pronomes, verbos de 1ª. pessoa do singular e termos avaliativos. As outras vozes são marcadas por meio de marcas linguísticas da argumentação ou para denotar concordância ora divergência de opiniões e perspectivas.

O que se pode perceber na análise do artigo usado pela coleção de 2012 é que ele se utiliza dos mesmos recursos de construção que o artigo usado em 2009. Talvez por isso o substitua no trabalho de compreensão que a coleção propõe.

Na próxima seção analisamos as atividades de leitura propostas para esse texto, mostrando em que medida elas conduzem o aluno a observar seus aspectos global e pontuais.