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1. Texto Protomassorético e Texto Massorético

O surgimento do texto consonantal do Texto Massorético (o texto da Bíblia Hebraica trabalhado pelos massoretas) remonta ao período do Segundo Templo (c. séc. VI a.C.-I d.C.) e a sua aceitação canônica deu-se por volta de 100 d.C. pelo judaísmo rabínico e por todas as comunidades judaicas, tanto as de Israel quanto as da diáspora. Possivelmente, o sínodo de Iabne (Jâmnia), realizado por volta de 90 d.C., liderado pelos rabinos como Yohanan ben Zakay, entre outros representantes do ramo farisaico, contribuiu de modo decisivo e praticamente definitivo para tal aceitação. Os fariseus foram o único grupo religioso judaico sobrevivente após 70 d.C. que manteve a liderança dentro do judaísmo desse período em diante.1

A estrutura consonantal do Texto Massorético anterior à época dos massoretas recebe a denominação de “Texto Protomassorético” ou de “Texto Protorabínico”, o qual não continha ainda a vocalização, a acentuação e o aparato massorético desenvolvidos somente durante a Idade Média. O Texto Protomassorético (hebr. yit‡rOws¸m-£fid¸q X¸s¸qeX, ṭeqsǝṭ qǝḏam-

mǝsôrāṯî) era um dos tipos textuais da Bíblia Hebraica utilizados pelos judeus durante o período do Segundo Templo, ao lado de outras formas textuais usadas e transmitidas na época.2 Tal texto, preservado e transmitido pelos escribas judeus da época do Segundo Templo, foi a base e a origem do Texto Massorético. Tal texto bíblico foi, provavelmente, o preferido pelos fariseus e pelos círculos de escribas do templo de Jerusalém, que o copiaram constantemente durante séculos. Alguns estudiosos acreditam que essa forma textual foi a que teve melhor transmissão e preservação, pelo fato de ter sido copiada, meticulosamente, seguindo regras estabelecidas pelos próprios escribas hierosolimitanos.3

Os outros tipos textuais bíblicos existentes ao lado do Texto Protomassorético foram os que deram origem ao Pentateuco Samaritano (versão hebraica samaritana) e à Septuaginta (versão grega), os quais discordam em vários detalhes relativos ao texto, à ortografia e à

1 Cf. Pérez Castro, 1979, p. 10 e 13; Würthwein, 1995, p. 13-14; Kelley, Mynatt e Crawford, 1998, p. 31;

Barthélemy, 1976, p. 881; Brotzman, 1994, p. 44; Deist, 1981, p. 50-51; Roberts, 1951, p. 20-21; Tov, 2001, p. 23, 24, 75, 76 e 77; Díez Merino, 1986, p. 312; Revell, 1992e, p. 598; Gordis, 1971, p. XXXIV; Pisano, 2000, p. 40 e 49; Trebolle Barrera, 1996, p. 324-325; Sellin e Fohrer, 1978, p. 756-757; Gottwald, 1988, p. 127-128; Francisco, 2002, p. 6 e idem, 2005b, p. 211.

2 Cf. Pérez Castro, 1979, p. 12-13; Tov, 1997, p. 16; idem, 2001, p. 23; Waltke, 1989, p. 99 e 105; Kelley, Mynatt

e Crawford, 1998, p. 31; Pisano, 2000, p. 49; Francisco, 2002, p. 6 e idem, 2005b, p. 211 e 531.

3 Cf. Pérez Castro, 1979, p. 11; Tov, 2001, p. 28-30; Würthwein, 1992, p. 14; Kelley, Mynatt e Crawford, 1998, p.

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morfologia em relação ao texto de tipo massorético. Determinados eruditos argumentam que esses outros tipos textuais eram textos vulgarizados, transmitidos sem muitos critérios e sem obedecer a regras estabelecidas e, por isso, possuíam alterações como se constata no Pentateuco Samaritano e em determinados manuscritos encontrados em Ḥirbet Qumran. Mas, apesar disso, todos eram de uso comum entre os judeus e nenhum deles tinha mais autoridade do que o outro no período pré-cristão.4

Existem provas de que o Texto Protomassorético já existia desde antes do século III a.C., como comprovam alguns manuscritos encontrados em Ḥirbet Qumran compostos em alfabeto paleohebraico (antigo abecedário hebraico), tais como5 o 1QpaleoLv, o 1QpaleoNm, o 4QpaleoÊxm

, entre outros. Determinados documentos como o 1QIsb

e o 4QEza também representam perceptíveis semelhanças com o tipo massorético em termos de texto, ortografia e morfologia.6

Manuscritos do mar Morto encontrados em Wadi Murabba‘at, como o MurXII e o MurIs (ambos datados do período da Segunda Revolta Judaica contra Roma [132-135 d.C.]), em Naḥal Ḥever, como o 8ḤevXIIgr (da mesma época) e os manuscritos descobertos em Massada, como o MasSlb

e o MasEz (datados do período da Primeira Revolta Judaica contra Roma [66-73 d.C.]) atestam o tipo textual massorético. Pelas últimas estimativas de estudiosos, cerca de 35% dos manuscritos bíblicos encontrados em Ḥirbet Qumran estão de acordo com o Texto Protomassorético.7

Possivelmente, os rabinos da época dos primórdios do cristianismo resolveram selecionar e oficializar um dos tipos textuais que julgavam como o melhor e o mais consistente dentre os vários que eles conheciam. Depois de aceito, o texto bíblico de tipo massorético passou a ser copiado com exatidão e com reverência pelos escribas judeus e, além disso, sem

4 Cf. Tov, 2001, p. 107 e 117; Brotzman, 1994, p. 94-96; Pisano, 2000, p. 50; Trebolle Barrera, 1996, p. 333 e

338; Sellin e Fohrer, 1978, p. 752; Gottwald, 1988, p. 122-123; Francisco, 2002, p. 7 e idem, 2005b, p. 212.

5 1QpaleoLv: manuscrito em paleohebraico de Levítico da 1ª gruta de Ḥirbet Qumran.

1QpaleoNm: manuscrito em paleohebraico de Números da 1ª gruta de Ḥirbet Qumran. 1QIsb: 2º manuscrito de Isaías da 1ª gruta de Ḥirbet Qumran.

4QpaleoÊxm: 13º manuscrito em paleohebraico de Êxodo da 4ª gruta de Ḥirbet Qumran.

4QEza: 1º manuscrito de Ezequiel da 4ª gruta de Ḥirbet Qumran.

MurIs: manuscrito de Isaías de Wadi Murabba‘at.

MurXII: manuscrito dos Doze Profetas de Wadi Murabba‘at.

8ḤevXIIgr: manuscrito grego dos Doze Profetas da 8ª gruta de Naḥal Ḥever. MasEz: manuscrito de Ezequiel de Massada.

MasSlb:2º manuscrito de Salmos de Massada.

6 Cf. Tov, 2001, p. 51 e 115; Barthélemy, 1976, p. 881; Trebolle Barrera, 1996, p. 334-337; Freedman, 1978, p.

200-201; Francisco, 2002, p. 7 e idem, 2005b, p. 212.

7 Cf. Tov, 2001, p. 115 e 190, n. 47; Pisano, 2000, p. 51-52; Würthwein, 1995, p. 14, 33 e 156; Trebolle Barrera,

alterações, adições, omissões ou modificação significativas. Conseqüentemente, sua forma textual permaneceu, praticamente, inalterada desde o período do Segundo Templo.8 Com o passar do tempo, as diferenças internas do Texto Protomassorético diminuíram em vez de aumentarem e isso foi devido ao trabalho meticuloso, primeiro dos escribas e, mais tarde, principalmente dos massoretas, que foram os principais responsáveis pela uniformização do texto da Bíblia Hebraica e pelo decréscimo das variantes em seu texto. Por esse motivo, as diferenças entre os manuscritos massoréticos são muito menores do que entre os manuscritos antigos como, por exemplo, os do mar Morto.9

Após a estabilização e oficialização do texto de tipo massorético, as outras formas textuais bíblicas foram esquecidas ou marginalizadas com o passar do tempo, e somente foram redescobertas nos últimos séculos, quando houve um interesse crescente em estudar os outros tipos textuais da Bíblia Hebraica existentes durante o período do Segundo Templo, principalmente, o tipo textual bíblico do Pentateuco Samaritano e a fonte textual bíblica que deu origem à tradução grega conhecida como Septuaginta.10

A tradição textual judaica preservou e transmitiu vários elementos peculiares no Texto Protomassorético. Tais detalhes são conhecidos como “elementos paratextuais” ou “ortografias irregulares”, que são parte integrante do texto da Bíblia Hebraica desde muitos séculos. Todos os códices massoréticos como todas as edições impressas da Bíblia Hebraica os contêm. Esses fenômenos textuais são conhecidos, normalmente, pelas seguintes designações latinas: puncta extraordinaria, nun inversum, litterae suspensae, litterae majusculae, litterae minusculae (para detalhes e exemplos sobre esses fenômenos textuais da Bíblia Hebraica, cf. Apêndice 2: Glossário Geral).11

Além das ortografias irregulares, que são parte integrante do texto bíblico, existem, ainda, outros detalhes peculiares na tradição textual do Texto Protomassorético. Tais pormenores textuais são conhecidos pelas seguintes denominações hebraicas e aramaicas: tiqqunê soferim, ‘itturê soferim, miqra’ soferim, qerê, ketiv e sevirin. Tais fenômenos são muito antigos e

8 Cf. Trebolle Barrera, 1996, p. 329; Tov, 2001, p. 27-28; Brotzman, 1994, p. 40; Mackenzie, 1984, p. 928;

Francisco, 2002, p. 8 e idem, 2005b, p. 212-213.

9 Cf. Brotzman, 1994, p. 50-51; Tov, 2001, p. 29; Würthwein, 1995, p. 28-29; Francisco, 2002, p. 8 e

idem, 2005b, p. 212-213.

10 Cf. Gottwald, 1988, p. 124; Trebolle Barrera, 1996, p. 330-331 e Francisco, 2005b, p. 213.

11 Cf. Kelley, Mynatt e Crawford, 1998, p. 32; Tov, 2001, p. 49-50; Dotan, 1972b, col. 1407-1409; Würthwein,

1995, p. 16; Roberts, 1951, p. 32-34; idem, 1962, p. 585; Trebolle Barrera, 1996, p. 318; Yeivin, 1980, p. 44-48; idem, 2003, p. 45-49; Pisano, 2000, p. 47; Deist, 1981, p. 56-59; Scott, 1995, p. 3-5; Revell, 1992e, p. 598; Levias, 1916b, p. 368; Kristianpoller, 1942a, p. 400; Ginsburg, 1966, p. 318-345; Butin, 1969, p. 1-3; Sellin e Fohrer, 1978, p. 758; Francisco, 2002, p. 8-10 e idem, 2005b, p. 214-225 e 512.

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já foram discutidos pelos rabinos desde a época talmúdica. Os massoretas, igualmente, fizeram observações na massorá sobre tais situações textuais (para detalhes e exemplos sobre esses fenômenos textuais, cf. Apêndice 2: Glossário Geral).12

A designação “Texto Massorético” (lat. Textus Masoreticus; hebr. h‡rOwsGomah xGas…n, nussa ham-māsôrâ), é uma expressão criada e utilizada pelo mundo acadêmico. Tal designação refere-se a um grupo de manuscritos da Bíblia Hebraica, datados desde os primeiros séculos da Idade Média, sendo que todos apresentam semelhanças textuais entre si. Esses documentos possuem um padrão elevado de uniformidade textual devido ao trabalho consistente e meticuloso dos escribas judeus do período medieval, conhecidos como massoretas, que adotaram um rígido sistema de preservação e de transmissão do texto da Bíblia Hebraica, sem corrupções e alterações significativas.13

De acordo com a definição dada por Tov (2001), o Texto Massorético é composto pelos seguintes cinco componentes textuais estabelecidos pelos massoretas:14

1. A estrutura consonantal.

2. Os elementos paratextuais ou ortografias irregulares. 3. A vocalização massorética.

4. A acentuação massorética.

5. As anotações massoréticas (a massorá).

12 Cf. Tov, 2001, 58-67; Dotan, 1972b, col. 1409-1410; Yeivin, 1980, p. 49-64; idem, 2003, p. 50-59;

Kelley, Mynatt e Crawford, 1998, p. 37-43; Roberts, 1951, p. 34-36; idem, 1962, p. 585; Brotzman, 1994, p. 54-55; Würthwein, 1995, p. 16-19; Deist, 1981, p. 59-60; Scott, 1995, p. 13-16; McCarthy, 1981, p. 15-16; Revell, 1992a, p. 593; Levias, 1916b, p. 366 e 368; Kristianpoller, 1942a, p. 400; Ginsburg, 1966, p. 183-196, 308-318 e 347-367; Sellin e Fohrer, 1978, p. 758; Francisco, 2002, p. 11-14 e idem, 2005b, p. 225-232, 516, 520, 525, 528, 531 e 532.

13 Cf. Tov, 1997, p. 16; idem, 2001, p. 19 e 22; Würthwein, 1995, p. 10; Kelley, Mynatt e Crawford, 1998, p. 31 e

56; Revell, 1992e, p. 597; idem, 1998, p. XXX; Francisco, 2002, p. 15 e idem, 2005b, p. 209 e 531.

Segunda Parte:

Neologia -

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