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CAPÍTULO QUATRO TECNOLOGIAS: DO TANGÍVEL AO SENSÍVEL

4.1 TIC: TRAVESSIAS DAS TRAQUITANAS ÀS TRANSPARÊNCIAS

Quando se fala em novas tecnologias, imediatamente se apresenta a questão de saber quais são seus efeitos e impactos. Na verdade as tecnologias, novas ou velhas, são, antes de mais nada, frutos dos desejos e aspirações sociais, são sintomas, muitas vezes inconscientes, das culturas que as produzem (PARENTE, 1999, p. 57).

Ao tratar do termo "novas tecnologias", Parente (1999) ressalta que estas já nasceram com a promessa da comunicação "sem ruído, sem atrito, sem gravidade, uma imagem verdadeiramente transparente em cada um dos seus pontos" (1999, p.58). Já as demais imagens relacionadas às "novas" tecnologias, como a "perspectiva, a fotografia, o cinema e a televisão", foram vilipendiadas pelos intelectuais como "mecanismos de embrutecimento do homem". Notamos, no entanto, que os movimentos de aceitação e repulsão relativos às TIC no espaço da escola são continuamente reproduzidos e contestados. Em outros termos, participam de um constante processo de afastamento e aproximação em direção ao que chamamos generalisticamente de novas TIC.

Por mais que o termo tenha sido difundido nos mais variados setores e condições, na última década, ele ainda é alvo de disputas ideológicas acirradas e o seu uso ainda está muito marcado por abordagens restritas aos seus aspectos técnicos e maquínicos, como apresentamos mais adiante neste capítulo.

Se tomarmos um dos eventos acadêmicos de comunicação mais tradicionais do cenário brasileiro, o INTERCOM60, observaremos que o termo acima referido passa a ser utilizado, com maior frequência somente a partir do final da década de 90. No livro organizado por M. M. Krohling Kunch, em 1986, por exemplo, "Comunicação e Educação - Caminhos Cruzados", resultante do Intercom de 1985, é possível observar, à época, como eram tratadas de maneira bem apartada e fragmentária as tecnologias de comunicação e de informação. O termo TIC não aparece nenhuma vez em seus textos, porém é recorrente encontrarmos expressões como "tecnologias da comunicação" (1985, p.6), "uso dos meios de comunicação" (1985, p.65), "novas tecnologias da informação" (1985, p.319), "uso da

60 A Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação - INTERCOM - é uma associação civil, sem fins lucrativos, que reúne pesquisadores da comunicação de todo o país interessados em estudos avançados numa perspectiva interdisciplinar. (p. 484)

informática" (1985, p.343), entre outros. Podemos encontrar também indícios do que viria a acontecer em alguns anos com as primeiras tentativas sistemáticas de junção dessas tecnologias com as expressões "comunicação digital" (1985, p.326) e "AVC: a união de áudio, vídeo e computador" (1985, p.331). É, portanto, como já afirmamos, recente a construção do termo TIC e, ato contínuo, seu uso na acepção de união entre, pelo menos, duas grandes áreas tecnológicas: a informática e a telecomunicação61.

Em pesquisa publicada pelo IBGE, para visualisarmos a utilização do termo em outros domínios, ele ainda é descrito sob uma ótica circunscrita a aspectos maquínicos, automativos e informáticos.

"Conjunto de tecnologias relacionadas à criação, transmissão, acumulação e processamento de dados, as quais se originam nas atividades de informática e das telecomunicações. O que as distingue das tecnologias anteriores de comunicação é a sua capacidade de processar e transmitir informações rapidamente e seu caráter sistêmico." (IBGE, 2009, p. 79)

Nesta passagem, como reconhece o IBGE, de "tecnologias anteriores e as TIC", podemos observar uma de suas características mais representativas, a convergência tecnológica, que se radicaliza com as linguagens digitais, na década de 90, e permite uma plataforma comum para essas tecnologias. Somente então é que o termo passa a ser adotado de forma mais sistemática no campo acadêmico.

Entender as Tecnologias de Informação e Comunicação, TIC, como um fenômeno resultante de profundas mudanças no campo científico e social, em especial, das últimas décadas é, nesse sentido, fundamental para compreender a abrangência de suas implicações no campo comunicacional. O termo ganha cada vez mais espaço fora da roda de iniciados da área tecnológica ou comunicacional e passa a povoar o cotidiano de mercadólogos, médicos, pedagogos, entre outros. Isto se deve, especialmente, à crescente imersão midiática, tecnológica, digital e virtual62 na qual nos inserimos atualmente. É necessário notar que o termo TIC, na dimensão que conhecemos hoje, não tem mais que duas décadas. Na pesquisa realizada pelo IBGE, "O Setor de tecnologia da informação e comunicação no Brasil", publicada em 2009, podemos constatar que:

61 O termo TIC tem sido visto como associado predominantemente ao campo da pedagogia, associado à ideia de aplicabilidade e, por isso mesmo, é visto com suspeição por parcela de autores do campo da

comunicação que o consideram redutor.

62 Digital e virtual são conceitos diferentes, ainda que possamos encontrar comumente suportes que acumulam essas duas categorias.

"(...) as três últimas décadas, a economia mundial atravessou um período de profundas transformações, em que os modelos de produção e acumulação, até então vigentes, foram profundamente (sic) afetados pelo rápido desenvolvimento das tecnologias intensivas em informação, flexíveis e computadorizadas, que configuraram o estabelecimento da denominada Sociedade da Informação. Tais mudanças significaram uma revolução tecnológica, cujo elemento central é constituído por um conjunto de tecnologias, que têm como base a microeletrônica, as telecomunicações e a informática, denominado Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC" (IBGE, 2009, p.07)

Esta é, portanto, uma forma de definir as TIC, integrada a uma visão na qual seus aspectos instrumentais e sua tangibilidade, ligada a aparelhos que representam o que de mais moderno se pôde até então criar, são valorizados. Sob essa lógica, Belloni (2005) argumenta que "podemos dizer, em primeira aproximação, que as TIC são o resultado da fusão de três grandes vertentes técnicas: a informática, as telecomunicações e as mídias eletrônicas". Pelo exposto, é possível identificar que os economistas e tecnólogos do IBGE, no campo técnico, e a socióloga Belloni, no campo socioeducacional, mesmo vindo de campos de interesses e olhares diferentes, possuem percepções consideravelmente próximas sobre as TIC, o que demonstra o quão difundido é essa percepção maquínica das TIC.

O termo, nascido no berço da indústria tecnológica apenas como Tecnologia da Informação - TI, alguns anos depois, é redimensionado pela importância crescente que os meios de comunicação adquirem na economia mundial e é, então, acrescido o "C", figurando ora como TCI, ora como TIC e ainda com sua versão internacional, ICT - Information and

Comunication Tecnologies. No meio acadêmico, o termo TIC é o que se difunde com mais

força e, gradualmente, torna-se usual em outros espaços da sociedade para designar a presença massiva dos meios e processos comunicacionais imbricados a suportes e maquínicos informatizados.

Consideramos, porém, que, hoje, uma nova problematização do termo é necessária, pois seu emprego ultrapassa os limites da indústria tecnológica e comunicacional e se estende a todos os ambientes onde os elementos, estruturas, maquínicos e processos representativos, vinculados a estas TIC, encontram-se na sociedade atual, ou seja, os espaços marcados pela lógica do capital e pela indústria cultural.