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Tese 4 A ação humana tem assim dois modos de existência encaixados: ela é primeiramente o produto das avaliações sociais da atividade de um grupo; ela é

59 BAKHTIN, M Estética da Criação Verbal São Paulo: Martins Fontes,2003.

3.2 A arquitetura textual

3.2.1 Os três estratos do folhado textual

3.2.1.1 A infraestrutura geral do texto – nível mais profundo do folhado textual

3.2.1.1.1 Os tipos de discurso

-Sequências e outras formas de planificação

Fonte: Adaptado de Bronckart (2012).

Cada nível ou camada objetiva apreender a estrutura hierárquica da organização dos textos, constituindo-se uma distinção metodológica e referindo-se ao grau de dependência contextual dos fenômenos. Cada uma dessas camadas está explicitada nas seções seguintes.

3.2.1.1 A infraestrutura geral do texto – nível mais profundo do folhado textual

Como se pode observar, pelo Quadro 2, a infraestrutura geral do texto é o nível mais profundo da estrutura e é constituído pelo plano mais geral do texto, pelos tipos de discurso que admite, pelas modalidades de articulação entre os tipos de discurso e pelas sequências que nele possam aparecer. O plano geral do texto diz respeito à organização do conteúdo temático. De acordo com Cristóvão (2001, p.61), “o plano geral depende do gênero, do tamanho do texto, da natureza do conteúdo temático, das condições externas de produção e da combinação dos tipos de discurso, sequências e formas de planificação”.

3.2.1.1.1 Os tipos de discurso

A noção de tipos de discurso é central para o modelo de análise do ISD. Para Bronckart (2010; 2012), qualquer que seja o gênero a que um texto pertença, ele é, em princípio, composto por diferentes segmentos, denominados pelo autor de tipos de discurso. Por isso,

um romance histórico, por exemplo, por ser composto por um segmento principal (em que a cronologia dos acontecimentos se encontra exposta) e por segmentos intercalares (que introduzem ou diálogos de personagens ou reflexões do autor). Do mesmo modo, uma monografia científica pode ser composta por um segmento principal (em que se expõe a teoria do autor) e por segmentos intercalares (que relatam a cronologia da constituição das teorias concorrentes). (BRONCKART, 2010, p.170).

Esses segmentos podem ser analisados pelos dois tipos de operações psicolinguageiras que os constituem. O primeiro tipo de operação é denominado pelo autor de disjunção – da ordem do narrar – e é estabelecido quando

as representações (de ações, de eventos, de estados ou de relações) (re)codificados (sic) num texto podem ser organizadas num mundo ‘colocado

à distância’ (ou ‘disjunto’) daquele da interação social em curso. Nesse caso, em que essas representações se referem a fatos passados e atestados (da ordem da História), a fatos a acontecer, a fatos plausíveis ou puramente imaginários, tais fatos devem se articular a uma origem (espaço)- temporal, que ‘marca’ essa distância, eles são narrados como se tivessem acontecido. (BRONCKART, 2003, p.62, grifo nosso).

O segundo tipo de operação psicolinguageira, denominada pelo autor de conjunção - da ordem do expor - ocorre

quando as representações (re)codificadas em um texto não são assim colocadas à distância (quando elas são sem uma origem), elas se situam necessariamente no mundo da interação social em curso. Nesse caso, o texto não relata, mas expõe (‘mostra’, ‘exibe’) estados, noções ou eventos ‘conjuntos’, ou seja, acessíveis no mundo dos protagonistas da interação. (BRONCKART, 2003, p.62).

O referido autor postula as categorias de implicação e autonomia em relação ao agente produtor e à situação de produção. Desse modo, no mundo discursivo do expor implicado ou do narrar implicado, as referências aos parâmetros de produção são explícitas. Situam-se, nessa categoria, o discurso interativo e o relato interativo. Nas palavras do autor:

O emissor-enunciador pode integrar no seu texto referências explícitas aos parâmetros do ato de produção (remeter ao locutor, ao interlocutor, ao espaço ou ao tempo de produção). Nesse caso, elementos dessa situação material serão, consequentemente, ‘implicados’ no texto e constituirão uma parte de seu conteúdo. Para interpretar completamente um tal texto, será portanto necessário conhecer tais condições de produção. (BRONCKART, 2003, p.63). Já no mundo do expor autônomo e do narrar autônomo, o emissor-enunciador pode produzir o seu texto sem se referir ao contexto de produção. Situam-se, nessa classificação, o discurso teórico e a narração. Dessa maneira,

o emissor-enunciador pode também construir seu texto sem fazer nenhuma referência explícita aos parâmetros da situação de produção. Nesse caso, o texto é ‘autônomo’ em relação a essa situação, e sua interpretação não requer nenhum conhecimento da mesma. (BRONCKART, 2003, p.63).

Na proposta do ISD, portanto, a existência dos quatro tipos de discurso - interativo, teórico, relato interativo e narração - é possível a partir da identificação das unidades linguísticas que neles ocorrem. A configuração das unidades conforma ‘tipos linguísticos’ específicos para cada língua natural, que semiotizam quatro mundos discursivos: mundo do expor implicado conjunto; mundo do expor autônomo conjunto; mundo do narrar implicado disjunto e mundo do narrar autônomo disjunto.

No entanto, Bronckart (2003) pontua que outras classificações são possíveis e esclarece que

para os textos que expõem (relação de ‘conjunção’), podemos considerar que todos os graus de implicação da situação de enunciação são possíveis e que os textos estão escalonados sobre um continuum, de tal maneira que o discurso verdadeiramente autônomo (ou teórico) acabe se constituindo num limite raramente (ou jamais) atingido. Ao contrário, sobre o eixo dos textos que narram, a bipartição parece mais clara, quer a situação de enunciação esteja implicada, quer não. Podemos notar igualmente que as sequências cronológicas e descritivas são particularmente adaptadas ao mundo narrado, e as argumentativas ao mundo exposto, etc. (BRONCKART, 2003, p. 64). Sobre os mundos discursivos, Bronckart (2012, p.155) ressalta que esses só podem ser identificáveis “a partir das formas linguísticas que os semiotizam, sendo eles, portanto, dependentes dessas formas linguísticas”. Por isso, Bronckart (2012) introduz a distinção entre tipo linguístico e tipo psicológico.

A expressão tipo linguístico “designa o tipo de discurso tal como ele é efetivamente semiotizado no quadro de uma língua natural, com suas propriedades morfossintáticas e semânticas particulares.” (BRONCKART, 2012, p.156). Já a expressão tipo psicológico se refere ao tipo de discurso. Nas palavras do autor,

a expressão tipo psicológico designa essa entidade abstrata ou esse construto que é o tipo de discurso, apreendido exclusivamente sob o ângulo das operações psicológicas ‘puras’, isto é, esvaziadas da semantização particular que necessariamente lhe conferem as formas específicas de recursos morfossintáticos mobilizados por uma língua natural para traduzir um mundo. (BRONCKART, 2012, p.156).

Esses quatro mundos discursivos – expor implicado conjunto, expor autônomo conjunto, narrar implicado disjunto e narrar autônomo disjunto – surgem, portanto, da relação que se estabelece, em determinado estado sincrônico, na produção textual entre as coordenadas que organizam o conteúdo temático mobilizado no texto e as coordenadas do mundo ordinário (relativo à situação de ação). Essa relação é sintetizada no quadro abaixo:

QUADRO 3- Operações psicolinguageiras correspondentes aos mundos discursivos

Coordenadas gerais dos mundos (estado sincrônico dos três

mundos representados– objetivo, social e subjetivo): organizam o conteúdo temático verbalizado no texto.

Conjunção: representações acessíveis ao mundo dos protagonistas da interação

Disjunção: representações em um mundo colocado à distância dos protagonistas da interação Eixo/Ordem do EXPOR Eixo/Ordem do NARRAR

Situação de produção

Quatro mundos discursivos: expor implicado conjunto, expor autônomo conjunto, narrar implicado disjunto e narrar autônomo

disjunto

Quatro tipos de discurso Implicação: referências

explícitas aos parâmetros do ato de produção

Discurso interativo Relato interativo

Autonomia: sem referência explícita aos parâmetros de

produção

Discurso Teórico Narração

Fonte: Adaptado de Bronckart (2003; 2010; 2012).

O discurso interativo, na forma de diálogo ou de monólogo, caracteriza-se pela presença de unidades que remetem à própria interação verbal e ao conjunto implicado do mundo discursivo criado. Essa forma de discurso também se caracteriza pela presença recorrente de outras unidades, como presença de pronomes indefinidos, de anáforas pronominais (pronomes pessoais, relativos, demonstrativos e possessivos e sintagmas nominais) e de auxiliares de modo, como poder e auxiliares com valor pragmático, como querer, dever, ser preciso.

O discurso teórico é, em princípio, monologado e escrito e esse caráter se traduz principalmente pela ausência de frases não declarativas (interrogativa, imperativa, exclamativa). Como a interpretação do conteúdo enunciado não depende da situação de enunciação, esse tipo de discurso é considerado autônomo. No entanto, Bronckart (2012) adverte, conforme já explicitado, que essa autonomia praticamente não existe:

O relato interativo é um tipo de discurso, em princípio, monologado, que se desenvolve em uma situação de interação que pode ser real (e originalmente) oral, ou posta em cena, no quadro de um gênero escrito como o romance ou a peça de teatro. Esse caráter monologado se traduz principalmente pela ausência de frases não declarativas, ocorrendo quando se constrói um mundo discursivo que implica os parâmetros da ação da linguagem.

O tipo narração, de caráter disjunto autônomo do mundo discursivo, geralmente escrito e sempre monologado, comporta apenas frases declarativas. É um tipo de discurso cuja densidade verbal se situa a meio caminho, entre a do discurso interativo e a do discurso teórico.