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Aprender e esquecer ou aprender e lembrar?

TIPOS DE MEMÓRIA E SUAS CARACTERÍSTICAS

Definimos memória como um processo de armazenamento seletivo de informações de diferentes naturezas, que podem ser evocadas a qualquer momento, consciente ou inconscientemente. Para facilitar nossa compreensão, podemos classificar a memória quanto à sua duração ou quanto à sua natureza. Quanto à duração, definimos: memória ultra- rápida, memória de curto prazo e memória de longo prazo.

A memória ultra-rápida dura alguns segundos e é utilizada permanentemente, sem que nós percebamos. Por exemplo, quando encadeamos palavras para formar uma frase lógica, usamos nossa memória ultra-rápida para que a frase faça sentido. Se nos perguntarem que palavras exatamente usamos naquela determinada frase, provavelmente não saberemos dizer.

Luz/som Luz/som Comida Comida Salivação Salivação Salivação Fase de condicionamento Animal condicionado Comida = estímulo incondicionado

Luz/som = estímulo condicionante Salivar = resposta condicionada

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A memória ultra-rápida pode ser testada da seguinte forma: projeta-se, por poucos segundos, uma seqüência de letras ou números para um indivíduo. Após finalizada a projeção, pede-se a ele que relate imediatamente o que viu. Ele poderá relatar até 12 caracteres ou, se não for capaz de relatá-los espontaneamente, será certamente capaz de reconhecê-los numa lista extensa de caracteres. Acredita-se que a memória ultra-rápida seja pré-consciente, ou seja, as informações não chegam à consciência e, por isso, são difíceis de serem relatadas. Esta memória decai num tempo muito curto, da ordem de segundos.

A memória de curto prazo é o meio pelo qual uma limitada quantidade de informação é estocada de maneira imediata, porém temporária. Ela dura de minutos a horas e serve para dar continuidade aos nossos atos e pensamentos. Já a memória de longo prazo é gerada pela estocagem de quantidades quase ilimitadas de informações. Estas informações são armazenadas de modo permanente sem, contudo, serem imutáveis.

Os experimentos científicos apontam que este tipo de memória é resultado do fortalecimento de sinapses específicas em um processo denominado potencialização de longa duração (LTP), do qual falaremos mais adiante. O processo de conversão da memória de curta duração em memória de longa duração é denominado consolidação, como mostrado anteriormente na Figura 14.1. Estudos em pacientes com lesões em regiões específicas do sistema nervoso indicam que a formação hipocampal tem um papel fundamental na consolidação de memórias.

Quanto à natureza (conteúdo), podemos classificar as memórias em: memória explícita (declarativa ou de eventos e fatos), memória implícita (não-declarativa) e memória operacional. A memória explícita é consciente e relacionada ao conhecimento de pessoas, lugares, objetos e seus significados. Esta forma de memória é extremamente flexível e envolve a associação de muitos tipos de informações, ou seja, refere-se ao “o que” significa ou representa algo.

Podemos subdividir a memória explícita em episódica e semântica. A episódica é aquela relacionada com eventos e experiências pessoais “datados”, isto é, que podemos localizar no tempo. É utilizada, por exemplo, quando lembramos o casamento de nossa prima há dois anos, ou quando falamos sobre o filme a que assistimos no cinema no mês passado. A memória semântica está relacionada a fatos e é utilizada quando lembramos conhecimentos objetivos como, por exemplo, algum

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fato aprendido durante o tempo de escola ou em livros. É através dela que lembramos o significado de uma palavra ou nomeamos objetos. Na escola, fazemos um bom exercício para a memória semântica quando aprendemos as capitais dos países.

Fixamos conhecimentos semânticos de modo extremamente flexível e organizado. Por exemplo, quando observamos a foto de um cavalo, nossos conhecimentos prévios sobre cavalos nos levam a associar esta informação visual com as demais (pastos, fazendas etc.). Se guardamos a foto e tentarmos nos lembrar da imagem de um cavalo, esta será baseada em uma rica representação do conceito de um cavalo. Quanto maior o grau de associações feitas à imagem, melhor será a codificação e mais eficiente o processo de resgatá-la em outras ocasiões. A palavra cavalo estará associada a todos estes fragmentos de informações (conhecimentos), e qualquer uma das informações individuais poderá dar acesso ao nosso conhecimento a respeito de cavalos que porventura venhamos a adquirir.

A capacidade de resgatar informações e usar o conhecimento adquirido é chamada eficiência cognitiva. Não existe um local único para o armazenamento de conhecimento semântico. Cada representação ordenada e referenciada de um objeto (como os diferentes aspectos do conhecimento a respeito de um cavalo) está armazenada separadamente. O conhecimento do todo é o resultado da integração das múltiplas representações cerebrais localizadas em diferentes regiões anatômicas especializadas.

A memória implícita é também chamada de memória não- declarativa, por não ser descrita com palavras. É inconsciente e relacionada ao aprendizado de habilidades motoras ou sensoriais reflexas que requerem a repetição de tarefas como, por exemplo, andar de bicicleta ou dirigir carros. Esta é uma forma de memória mais rígida e relacionada ao “como” realizar tarefas. Podemos subdividi-la, segundo suas características, em:

• Memória de representação perceptual: retemos em nossa memória a imagem de um objeto (forma, cor, padrão ou outras características quaisquer) mesmo sem saber para que ele serve ou como é denominado.

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• Memória de procedimentos: hábitos, habilidades e regras. É o que nos torna capazes de andar, pedalar ou dirigir, sem termos de pensar na seqüência de movimentos necessários para isso. Em tarefas cognitivas, como em diálogos, é este o tipo de memória que utilizamos para, numa frase, encadearmos logicamente sujeito, verbo e objeto (mesmo sem conhecer a fundo as regras gramaticais da língua).

• Associativa: produzida como resultado do aprendizado entre um estímulo e um comportamento. Pense no cheiro do bolo de chocolate assando no forno. Isto faz você salivar? Provavelmente sim, pois você associou o cheiro com o gosto do bolo: uma sensação que você já experimentou (aprendeu) antes.

• Não-associativa: quando aprendemos que um estímulo repetitivo não gera conseqüências e podemos relevar sua presença. A chuva batendo na janela ou o compressor da geladeira, por exemplo, não nos alertam para perigos iminentes e acabam passando despercebidos.

Finalmente, o terceiro tipo é a memória operacional ou memória de trabalho. Podemos compará-la à memória RAM do computador, em que os programas ou os arquivos que estão “rodando” são temporariamente carregados. É uma memória de curta duração, utilizada tanto para a codificação como para a recuperação de informações. Compreende a estocagem rápida e temporária de informações. Este armazenamento depende de nossa percepção de eventos específicos no ambiente, bem como da relevância imediata destas informações.

As memórias implícitas e explícitas se completam e seus conceitos se confundem. Até mesmo a realização de um condicionamento clássico (implícito), que é um processo inconsciente e reflexivo, depende de memórias explícitas, já que elas são mediadas, em parte, por processos cognitivos. Assim, podemos dizer que o aprendizado, em geral, tem elementos implícitos e explícitos. Aprender a dirigir um carro, por exemplo, envolve a execução consciente de seqüências específicas de atos motores necessários ao controle do veículo. Com a prática, elas se tornam atividades motoras automáticas e inconscientes. Igualmente, com a repetida exposição a fatos (aprendizado semântico), o resgate do fato por pistas simples pode se tornar eventualmente instantâneo, sem ser necessária a busca consciente do mesmo em nossa memória.

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Esquecimentos patológicos

Todos nós nos esquecemos freqüentemente de compromissos, de nomes de pessoas ou de acontecimentos. Estes esquecimentos são normais e não nos causam preocupação. Alguns esquecimentos podem ser, porém, patológicos. A amnésia é um dos mais dramáticos e intrigantes fenômenos causados por lesões cerebrais traumáticas ou degenerativas. Ela pode ser anterógrada (Figura 14.2.a), ou seja, do momento em que houve o trauma em diante, ou retrógrada (Figura 14.2.b), isto é, anterior àquele momento, ou uma combinação das duas.

A amnésia anterógrada se manifesta pela inabilidade de aprender novos conhecimentos a partir, por exemplo, de um traumatismo craniano, sem perder a capacidade de recordar de eventos ocorridos no passado. Já na amnésia retrógrada, o indivíduo não consegue se lembrar de eventos anteriores ao acontecimento que levou ao dano cerebral (um acidente de carro, por exemplo).

O trauma cerebral em humanos pode produzir uma amnésia profunda para eventos que tenham ocorrido há poucas horas ou, até mesmo, dias antes do trauma, sem, contudo, afetar a memória para eventos do passado remoto. Estes fenômenos têm sido documentados em animais, usando-se agentes traumáticos como o choque eletroconvulsivo, trauma físico e drogas que deprimem a atividade neuronal ou inibem a síntese protéica cerebral.

O estudo de perturbações de memória nos leva a acreditar que a memória é estocada em etapas, em que a informação adquirida é processada em memórias de trabalho de curta duração antes de ser transformada, tendo passado por um ou mais estágios em uma memória de longa duração. Um sistema de busca e recuperação examina a memória e torna a informação disponível para tarefas específicas. Desta forma, o sistema de memória pode ser “danificado” em qualquer um destes pontos, levando a sintomas diferentes.

Figura 14.2: Admitindo-se que exista um total relativo (100%) de informação retida por um indivíduo normal

ao longo de sua vida, em (a) observa-se casos de perda da capacidade de retenção de memória a partir de um trauma (amnésia anterógrada). Em (b), a partir do trauma há perda parcial das lembranças passadas recentes (amnésia retrógrada).

Percentual de memória normal 50

Nascimento Momento

do trauma Dia de hoje

Percentual de memória normal 50 Momento do trauma Dia de hoje Nascimento a b

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EM QUE PARTE DE NOSSO SISTEMA NERVOSO FICA NOSSA