• Nenhum resultado encontrado

Uma galinha não voa sobre o abismo A dinâmica de

UMA GALINHA VOANDO DO PENHASCO

Em nossa produtiva visita ao açougue, vimos que o ventre do músculo bovino é vermelho e que esta coloração devia-se à presença de

MIOGLOBINA. Será que todos os músculos são vermelhos, ou existem músculos

brancos? Os músculos do peixe são vermelhos? Por que os músculos do peito da galinha têm uma coloração branca (clara) e das coxas uma cor vermelha (escura)?

Esta diferença (que na galinha é visualmente evidente) deve-se ao fato de que existem dois tipos básicos de fibras musculares esqueléticas: as fibras brancas (claras) e as fibras vermelhas (escuras)!

As fibras claras são de contração rápida, isto é, participam de ações de curta duração. Se a sua ação começa a se prolongar, essas fibras entram rapidamente em fadiga. Consomem um mínimo de oxigênio e produzem pouca quantidade de energia.

Já as fibras escuras, de contração lenta, exercem atividades mais prolongadas, exigindo, portanto, maior consumo de oxigênio e uma grande produção de energia. A galinha é uma ave que praticamente não voa; os músculos do seu peito, que movem a asa, são de ação rápida e, por conseguinte, suas fibras são claras. Como a galinha mantém-se permanentemente de pé, sobre as suas coxas, mesmo quando dorme nos poleiros, os músculos aí presentes possuem fibras escuras, mais adaptadas a uma atividade mais prolongada. A mioglobina é uma proteína armazenadora de oxigênio no interior da célula e, por esta razão, quanto maior o consumo de oxigênio, maior a concentração de mioglobina intracelular. Isto dá à fibra de contração lenta uma coloração vermelha. Podemos fazer o raciocínio inverso em relação às fibras brancas.

Os músculos esqueléticos têm uma porção contrátil – o ventre muscular – e, pelo menos, duas extremidades – os tendões –, através das quais se fixam aos ossos para desenvolver tensões e produzir movimentos. As fáscias, membranas situadas ao redor dos feixes de músculos, são importantes por permitirem o suave deslizamento das fibras durante a contração e o relaxamento.

MIOGLOBINA

Proteína que possui um radical não- protéico, existente no interior das fibras musculares, que se liga ao oxigênio, armazenando-o para as eventuais necessidades da atividade motora.

194 C E D E R J C E D E R J 195

AULA

18

Figura 18.4: Fotomicrografia revelando as fibras escuras (tipo I = de contração lenta),

claras (tipo IIA = de contração rápida) e intermediárias (tipo IIB). A coloração de cada fibra depende da concentração e mioglobina em seu interior.

Tipo IIB Tipo I

Tipo IIA

O que você esperaria que acontecesse, se soltássemos uma galinha do alto de um penhasco para que ela pudesse alçar um vôo prolongado? Estaríamos, é claro, condenando a pobre galinha à morte, pois os músculos do seu peito jamais poderiam prover uma atividade de longa duração. Ou ela pousaria, rapidamente, em uma pedra logo abaixo ou entraria rapidamente em fadiga e morreria em uma queda. Acredite nisto! Não tente fazer este experimento. A galinha será grata a você!

Mas, o que dizer dos humanos? Temos músculos escuros e claros? Se olharmos os músculos humanos, não encontraremos a diferença de coloração que vimos na galinha e que também pode ser observada em alguns anfíbios. O que encontramos nos músculos humanos é um padrão misto, isto é, locais onde fibras escuras ou claras apenas predominam. Além do mais, encontramos fibras chamadas intermediárias, cuja coloração situa-se entre os tons claros e escuros.

Se usarmos algum tipo especial de coloração em uma amostra de tecido muscular humano, poderemos observar populações de fibras escuras, claras e intermediárias na mesma região. Este padrão tem grande importância, por exemplo, nos esportes. Atletas que se especializam em atividades de curta duração, como a corrida de 100m rasos, levantamento de peso ou natação, apresentam, em geral, maior percentual de fibras claras nos músculos envolvidos nas atividades. Já os atletas que obtêm excelentes desempenhos em provas de longa duração, como as maratonas ou o triatlo, mostram maiores percentuais de fibras escuras.

Na Figura 18.4, vemos uma seção fina do tecido muscular esquelético, na qual o uso de um corante específico permitiu que nós distinguíssemos as fibras de contração lenta e as de contração rápida.

194 C E D E R J

Corpo Humano I |Uma galinha não voa sobre o abismo. A dinâmica de nossos músculos C E D E R J 195 AULA

18

ATIVIDADES

!

O estudo dessas diferenças entre fibras vermelhas e brancas não interessa apenas à área esportiva. Existem situações em que os indivíduos experimentam fortes dores musculares pelo fato de manterem estes músculos contraídos por um longo período de tempo (vícios de postura ou estresse) e, pelo tipo de fibra inadequado, os músculos entram em fadiga e a dor aparece.

Atividades físicas de longa duração exigem contrações musculares prolongadas e os músculos envolvidos devem apresentar um elevado percentual de fibras vermelhas, de contração lenta. Em contrapartida, as atividades de curta duração exigem a presença de fibras claras, de contração rápida.

A despeito de uma influência genética, existem estudos em que se considera a possibilidade de se obter estes padrões de fibras por meio de treinamento especializado. Além do mais, como já tínhamos considerado na Aula 17, sobre o esqueleto, não devemos associar tais padrões de capacidade muscular à questão racial.

3. Você certamente já ouviu dizer que a carne branca de peixes e de aves é mais saudável do que a carne vermelha bovina ou suína. Para quem é um bom churrasqueiro, isso é quase um sacrilégio! Mas, vamos ao principal: será que esta questão nutricional tem algo a ver com fibras brancas e vermelhas, que discutimos no texto? Comer fibras de contração lenta (vermelhas) provoca mais doenças cardiovasculares do que comer fibras de contração rápida (brancas)? Você viu nas fibras vermelhas, em algum lugar do texto, algo que fosse ameaçador para a saúde, como as mitocôndrias, a mioglobina ou o ATP? Então, por que este cuidado é tomado no aconselhamento nutricional?

_______________________________________________________________ _______________________________________________________________ ________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Na verdade, caro(a) amigo(a), esta recomendação nutricional – que é correta – não está baseada nas diferenças morfológicas ou fisiológicas que examinamos no texto sobre fibras vermelhas e brancas, mas se refere ao fato de que a carne de bovinos e suínos tem maior quantidade de gordura no interior dos músculos do que a de peixes e de aves. A ingestão de elevado teor de gordura é um fator de risco nas doenças cardiovasculares. Mitocôndrias, mioglobina e ATP, portanto, nada têm a ver com isso!

196 C E D E R J C E D E R J 197

AULA

18

4. Um atleta de 34 anos, com excelente rendimento em provas de ciclismo de longa distância, foi submetido a uma biópsia (retirada, com uma agulha fina, de um fragmento mínimo de tecido) do músculo quadríceps femoral, realizada no meio de sua coxa (um músculo muito empregado no ciclismo). Estudos laboratoriais revelaram que cerca de 80% de suas fibras eram vermelhas, isto é, de contração lenta. Este resultado é compatível com a atividade desempenhada pelo atleta?

Será que este atleta já nasceu com esta característica (genética) e, assim, teria herdado alguma vantagem neste tipo de atividade? O que deveria ser realizado para confirmar se esta característica é de natureza genética ou foi induzida pela atividade, considerando que o atleta começou a praticar este esporte aos 22 anos? Será que este percentual é correto, levando-se em conta que, em humanos, as fibras brancas e vermelhas estão misturadas neste músculo e que a agulha entrou em uma área muito pequena e uma única vez? _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ ________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Como você já percebeu, as fibras vermelhas, de contração lenta, são ideais para atividades prolongadas, como as do atleta em questão. Assim, um músculo com predomínio de 80% dessas fibras seria adequado para a atividade referida. Até aí, nada de novo! Mas, para sabermos se a influência genética foi decisiva, ou se foi o treinamento que produziu estas fibras, seria necessário dispor de informações sobre este percentual desde a infância do atleta e que o tivéssemos acompanhado anualmente até a fase atual. O que temos, contudo, é um aspecto isolado aos 34 anos. Em segundo lugar, sabendo-se que as fibras vermelhas (80%) e brancas (20%) estão dispersas pelo músculo quadríceps, qual seria o resultado desta biópsia, se a agulha tivesse sido introduzida mais acima ou mais abaixo, na coxa do atleta? Ficamos eu, você e os pesquisadores sem saber. Na verdade, as conclusões deste experimento geram mais perguntas do que respostas. Ciência funciona assim!

196 C E D E R J

Corpo Humano I |Uma galinha não voa sobre o abismo. A dinâmica de nossos músculos

C E D E R J 197

AULA

18

Figura 18.5: Organização da unidade

motora do músculo esquelético. Cada neurônio motor inerva um número variável de fibras musculares.

Medula espinhal Raiz nervosa Neurônio motor Fibra muscular Junção neuromuscular Neurônio motor Terminações nervosas Miofibrilas Fibra muscular

ESSES NERVOS MARAVILHOSOS E SEUS TRANSMISSORES