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4. Desenvolvimento

4.2. Traços de personalidade e perturbações do comportamento alimentar

4.2.2. Traços obsessivo-compulsivos

Os traços obsessivo-compulsivos são característicos das perturbações do comportamento alimentar14 tendo sido identificados numa porção substancial de indivíduos com anorexia nervosa.31 Contudo, estes traços podem limitar-se exclusivamente a preocupações com a alimentação, peso e forma corporal não traduzindo necessariamente a presença de comorbilidades

12 como o transtorno compulsivo ou a perturbação de personalidade obsessivo-compulsiva.31

Apesar destes traços poderem ser exacerbados pela inanição, parecem persistir após a recuperação da doença, o que indica que tipicamente surgem previamente ao desenvolvimento das PCA e não correspondem a uma consequência das mesmas.31 Um estudo retrospetivo realizado em 2014 (Degortes et al)32 e envolvendo mulheres com anorexia nervosa demonstrou que os traços obsessivo-compulsivos já estavam presentes na infância, o que constitui um argumento a favor do seu papel etiológico nas PCA. Adicionalmente, observou-se uma relação dose-resposta entre o número de traços presentes na infância e a psicopatologia, nomeadamente a distorção da imagem corporal, postulando-se que crianças com mais características obsessivo-compulsivas cresciam mais inseguras, ansiosas e com incapacidade de lidar com os problemas da vida adulta.32

A presença de traços obsessivo-compulsivos em pacientes com anorexia nervosa parece também estar associada a uma maior gravidade da doença33 e a um pior prognóstico31. Por este motivo, numa tentativa de atuar sobre as obsessões e sobre os comportamentos compulsivos presentes nestes indivíduos, começou-se a estudar a eficácia de terapêuticas utilizadas na perturbação obsessivo-compulsiva nomeadamente a terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta.34 Esta terapia facilita a habituação a estímulos previamente evitados e a pensamentos obsessivos, acreditando-se, portanto, que a exposição à comida e a obsessões relacionadas com a mesma, possa ser útil no tratamento da anorexia nervosa.31

Um estudo publicado em 2014 (Steinglasset al)34 demonstrou que indivíduos com AN tratados com terapia cognitivo-comportamental com exposição e prevenção de resposta aumentaram mais a ingestão de uma refeição pré-tratamento para uma refeição pós-tratamento comparativamente com os indivíduos que receberam tratamento de controlo, salientando o potencial terapêutico deste tipo de intervenções.34

Para além das terapias de exposição focadas na alimentação, foram também desenvolvidas terapias focadas no peso e na forma corporal tal como a terapia de exposição ao espelho, que consiste na exposição dos pacientes a espelhos de corpo inteiro com consequente habituação aos estados emocionais negativos.35 Um estudo realizado em 2002 (Key et al)35 demonstrou reduções na insatisfação corporal e na evicção da imagem corporal em indivíduos com anorexia nervosa sujeitos a este tipo de tratamento.35 Assim, conclui-se que as intervenções terapêuticas de exposição focadas na obsessividade devem ser tidas em consideração aquando da abordagem de pacientes com traços obsessivo-compulsivos.

13 4.2.3. Impulsividade

A impulsividade corresponde a um conceito multidimensional constituído por diferentes facetas como a urgência negativa (tendência para agir impulsivamente face a emoções negativas intensas), a falta de premeditação (incapacidade de reflexão sobre as consequências dos atos antes de os praticar), a falta de perseverança (incapacidade de manter o foco em tarefas que possam ser mais difíceis ou aborrecidas) e a procura de sensações (tendência para procurar atividades excitantes e abertura para novas experiências independentemente da sua perigosidade).36

De acordo com a literatura os indivíduos com perturbações do comportamento alimentar tendem a apresentar níveis de urgência negativa significativamente mais elevados em comparação com elementos saudáveis dos grupos de controlo.37,38 Os níveis de urgência negativa são mais altos na bulimia nervosa do que na anorexia nervosa e mais altos no subtipo purgativo da anorexia comparativamente com o tipo restritivo.6,15 Um estudo recente (Davis et al, 2020)37 demonstrou que os indivíduos envolvidos em comportamentos purgativos apresentavam níveis de urgência negativa significativamente mais elevados do que indivíduos saudáveis, mas menos elevados do que indivíduos com diagnóstico formal de bulimia nervosa. Uma vez que o diagnóstico de bulimia pressupõe simultaneamente a presença de episódios recorrentes de compulsão alimentar e comportamentos compensatórios inapropriados para impedir o ganho ponderal como é o caso dos comportamentos purgativos, pressupõe-se que por si só, os comportamentos compulsivos também apresentem uma correlação positiva com a urgência negativa.37 Um estudo longitudinal (Pearson et al, 2012)39 realizado em pré-adolescentes comprovou isso mesmo ao demonstrar que níveis elevados de urgência negativa prediziam um aumento das expetativas de que a alimentação ajuda no controlo das emoções negativas o que por sua vez prediz o aparecimento de comportamentos compulsivos subsequentes.39 Apesar disso, um estudo levado a cabo por Hoffman et al (2012)40 sugere que na anorexia nervosa, os comportamentos purgativos comparativamente com os compulsivos apresentam uma correlação mais forte com a impulsividade.

Relativamente à faceta da falta de premeditação alguns estudos indicam que indivíduos com bulimia nervosa tendem a apresentar níveis significativamente superiores em comparação com indivíduos saudáveis do grupo de controlo e indivíduos com AN.37,38 Dentro da anorexia nervosa, de acordo com Rosval et al (2006)41 os indivíduos com o subtipo purgativo apresentam níveis mais elevados de falta de premeditação do que os indivíduos com o subtipo restritivo. Um estudo levado a cabo por Peterson et al (2020)42 vem contrariar estes resultados, ao demonstrar que a falta de premeditação não se associa de forma significativa com a presença de sintomas característicos de bulimia nervosa.

14 Quanto à falta de perseverança, um estudo prospetivo publicado em 2012 (Peterson et al)43 demonstrou que níveis elevados nesta faceta se associavam ao desenvolvimento de ingestão compulsiva oito meses mais tarde e Davis et al (2020)37demonstrou que mulheres com bulimia nervosa comparativamente com o grupo de controlo apresentam maior falta de perseverança.

Adicionalmente, de acordo com Claes et al (2005)44, os indivíduos com bulimia nervosa apresentam níveis de falta de perseverança significativamente mais elevados que os indivíduos com anorexia nervosa do tipo restritivo (AN-R), mas não se diferenciam de forma significativa dos indivíduos com anorexia nervosa do tipo purgativo, levantando a suspeita de que os anoréticos com comportamentos purgativos podem ter mais em comum com os pacientes bulímicos do que com os anoréticos restritivos. À semelhança do que se observou com a faceta anterior, no estudo conduzido por Peterson et al (2020)42 não foi encontrada uma associação entre a falta de perseverança e a presença de sintomas de bulimia nevosa.

No que concerne à procura de sensações, verifica-se mais uma vez inconsistências na literatura, pois apesar de alguns estudos demonstrarem que os indivíduos com bulimia nervosa apresentam níveis mais elevados comparativamente com indivíduos do grupo de controlo15, outros não encontram uma associação significativa entre os dois fatores.37,38 Relativamente à anorexia nervosa, de acordo com vários autores estes indivíduos não só apresentam menor procura de sensações comparativamente com os indivíduos com bulimia nervosa, mas também comparativamente com os elementos saudáveis do grupo controlo.15 Pelo contrário, segundo Lavender et al (2017)45 não existem diferenças significativas nesta faceta entre indivíduos com AN, BN e elementos do grupo de controlo.

Sumarizando, a urgência negativa parece ser a faceta da impulsividade que mais consistentemente se relaciona com as perturbações do comportamento alimentar, particularmente com a bulimia nervosa. O facto de alguns estudos se focarem em sintomas e outros em diagnósticos precisos de perturbações do comportamento alimentar, bem como a utilização de diferentes instrumentos de avaliação podem constituir possíveis explicações para a discrepância de resultados entre as restantes facetas.

A impulsividade parece também estar implicada no prognóstico das PCA com estudos a demonstrar uma associação entre níveis elevados neste traço e a presença de prognósticos desfavoráveis quer na bulimia nervosa46 quer na anorexia nervosa47. Curiosamente, um estudo prospetivo publicado em 2013 (Zerwas et al)48 demonstrou que a impulsividade estava positivamente associada com a recuperação da doença em indivíduos com anorexia nervosa, apesar desta associação decrescer com o aumento da duração da doença.48 De acordo com os autores, estes dados contraditórios podem ser justificados por diferentes métodos de avaliação, pois Fichter et al (2006)47que considerou a impulsividade como fator de prognóstico desfavorável

15 na AN, avaliou comportamentos autoagressivos, furto de artigos não alimentares e promiscuidade, ao passo que neste estudo a impulsividade foi aferida através da escala de impulsividade de Barratt que avalia a impulsividade motora, cognitiva e não planeada48. A impulsividade aferida através da escala de Barratt pode estar associada à recuperação da doença em indivíduos com AN porque ameniza a rigidez e intratabilidade frequentemente associados a esta doença e pode encorajar a experienciar comportamentos alimentares saudáveis, ao passo que a avaliação feita por Fichter et al (2006)47 pode corresponder a um índice mais apropriado de comportamentos relacionados com a procura de sensações.48

Face ao papel da impulsividade no prognóstico das PCA, faz sentido considerar o seu potencial contributo para o tratamento destas patologias. A terapia comportamental dialética corresponde a uma intervenção terapêutica útil no controlo de comportamentos impulsivos que tem sido utilizada de forma efetiva na bulimia nervosa e na perturbação de ingestão alimentar compulsiva.31 Adicionalmente, um estudo recente realizado em pacientes com BED, desenvolveu uma terapia cognitivo comportamental de grupo focada especificamente em comportamentos alimentares impulsivos que obteve resultados promissores já que se associou a uma redução significativa na ingestão compulsiva, na patologia alimentar e nos sintomas depressivos ao fim de um período de follow-up de 3 meses.49

Vários estudos reportam uma associação entre a perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) e as perturbações do comportamento alimentar.50–52 Neste sentido, um estudo recente (Quilty et al, 2019)53 procurou avaliar a eficácia do metilfenidato, um fármaco utilizado no tratamento da PHDA no tratamento da BED, observando-se que este era igualmente eficaz à terapia cognitivo comportamental, uma forma de tratamento bem estabelecida da BED, na redução de episódios de compulsão alimentar, na redução do IMC e na melhoria da qualidade de vida dos doentes, observando-se inclusivamente uma maior redução no IMC em indivíduos tratados com metilfenidato. Em acréscimo, também se procurou avaliar o papel da impulsividade no prognóstico destes doentes, contudo, ao contrário do que os autores tinham especulado (urgência negativa associada a prognósticos desfavoráveis e persistência associada a prognósticos favoráveis) ambas as facetas se associaram a uma evolução positiva. Uma possível justificação para este resultado inclui o facto dos pacientes com níveis elevados de urgência negativa se encontrarem sob níveis de stress superiores e por isso talvez mais motivados para aderir ao tratamento. Este estudo providenciou um suporte preliminar para o benefício do metilfenidato no tratamento da BED e para a utilidade prognóstica da impulsividade neste contexto, contudo , seria pertinente uma investigação futura mais ampla em volto desta temática.53

Por último, convém salientar que apesar dos indivíduos com bulimia nervosa geralmente apresentarem níveis de impulsividade mais elevados comparativamente com os indivíduos com

16 anorexia nervosa, a contextualização da bulimia nervosa como um distúrbio de impulsividade pode ser inapropriada. Apesar da impulsividade e da compulsividade serem frequentemente contextualizadas como pontos opostos de um espetro, Engel et al (2005)54 demonstrou que estas características podem coexistir na bulimia nervosa, estando na origem de quatro grupos distintos:

baixa impulsividade-baixa compulsividade, baixa impulsividade-alta compulsividade, alta impulsividade-baixa compulsividade e alta impulsividade-alta compulsividade. O grupo de indivíduos com baixos níveis de ambas as características, apresenta a personalidade menos patológica, exibindo menor patologia alimentar ao passo que o grupo onde se observa uma confluência de altos níveis de impulsividade e compulsividade está associado a manifestações mais graves da doença.54

4.2.4. Modelo dos cinco fatores de personalidade

O modelo dos cinco fatores de personalidade55corresponde a uma representação da estrutura da personalidade altamente validada e amplamente utilizada na prática clínica. Neste modelo, a personalidade é descrita através de cinco dimensões globais ou fatores que por sua vez compreendem diversas facetas representativas de características específicas do fator correspondente : neuroticismo (facetas de ansiedade, hostilidade, depressão, autoconsciência, impulsividade e vulnerabilidade), extroversão (facetas de acolhimento, gregariedade, assertividade, atividade, procura de excitação e emoções positivas), conscienciosidade (facetas de competência, ordem, obediência, luta pela aquisição, autodisciplina e deliberação), abertura à experiência (facetas de fantasia, estética, sentimentos, ações, ideias e valores) e amabilidade (facetas de confiança, retidão, altruísmo, complacência, modéstia e sensibilidade).55

De acordo com a literatura, os indivíduos com anorexia nervosa e bulimia nervosa apresentam consistentemente níveis mais elevados de neuroticismo e níveis mais baixos de extroversão comparativamente com indivíduos saudáveis do grupo de controlo, o que se traduz em dificuldades na regulação emocional e na presença de problemas interpessoais .56–58 Embora os indivíduos com BED sejam menos estudados, estes também parecem apresentar níveis de neuroticismo significativamente mais elevados que os elementos de controlo.15

Quanto ao domínio da conscienciosidade, alguns estudos demonstram que de uma forma geral, os doentes com PCA (anorexia e bulimia nervosa) comparativamente com indivíduos saudáveis, apresentam níveis inferiores neste domínio.56,57Adicionalmente, de acordo com Tasca et al (2009)58 mulheres saudáveis e com anorexia nervosa apresentam níveis mais elevados de

17 conscienciosidade que mulheres com bulimia nervosa, sendo que a conscienciosidade é mais elevada no subtipo restritivo da anorexia nervosa do que no subtipo purgativo. 58

Um estudo longitudinal (Allen et al, 2020)59 realizado com adolescentes australianas evidenciou que raparigas com baixos níveis de conscienciosidade aos 12 anos e diminuição da conscienciosidade e aumento do neuroticismo entre os 12 e os 14 anos apresentavam um risco aumentando de desenvolver síndrome parcial de bulimia nervosa aos 14 anos. Para a inclusão nesta síndrome era necessário que as adolescentes cumprissem dois dos três seguintes critérios de diagnóstico: (1) reportarem que o peso corporal apresentava um papel muito relevante no modo como se sentiam acerca de si próprias; (2) reportarem perda de controlo na ingestão alimentar ou ingestão excessiva pelo menos uma vez por semana nos últimos 3 meses e (3) reportar pelo menos um dos seguintes comportamentos nos últimos 3 meses: (a) indução do vómito para controlo do peso pelo menos uma vez por semana, (b) consumo de fármacos para controlo de peso pelo menos uma vez por semana, (c) passar o dia sem comer para controlo do peso em quatro ou mais dias da semana ou (d) exercitar para controlar o peso seis ou sete dias por semana durante duas ou mais horas.59

No que concerne à abertura à experiência, Podar et al (2007)56 demonstrou uma associação entre baixos níveis neste domínio e a presença de distúrbios alimentares, mas Tasca et al (2009)58 e mais tarde Garrido et al (2018)57não encontraram uma associação significativa entre os dois fatores.

Com base nos resultados obtidos nestes quatro domínios, Podar et al (2007) caracteriza os pacientes com PCA como sendo neuróticos, introvertidos, pouco conscientes e fechados à experiência, concluindo ainda que é expectável que indivíduos sem aptidão para o controlo das reações emocionais (neuroticismo) , que não aprenderam a lidar com os seus desejos (baixa conscienciosidade ), que são mais tímidos ( baixa extroversão) e que tendem a ser convencionais no seu comportamento (baixa abertura à experiência) sejam mais propensos ao desenvolvimento de perturbações alimentares.56

No estudo da relação entre a amabilidade e as PCA verificaram-se mais uma vez algumas incongruências, pois segundo Garrido et al (2018)57 os indivíduos com AN e BN apresentam níveis inferiores comparativamente com o grupo controlo, mas Podar et al (2007)56 não conseguiu encontrar uma associação significativa entre este domínio e a presença de PCA. Já Tasca et al (2009)58 mostrou que mulheres saudáveis e com AN-R apresentam níveis de amabilidade superiores comparativamente com mulheres com AN-P e mulheres com BN.58

Um estudo publicado em 2015 (Levallius et al)60 procurou explorar as diferenças entre indivíduos com PCA que não a AN e os elementos do grupo controlo ao nível das facetas do modelo dos cinco fatores de personalidade, observando que os pacientes com PCA diferiam

18 significativamente dos controlos em várias facetas diretamente relacionadas com o bem-estar emocional. Tipicamente, os pacientes com PCA apresentavam uma elevada tendência para experienciar afetividade negativa, vulnerabilidade e instabilidade emocional (facetas do neuroticismo) e uma baixa tendência para viver emoções positivas e procurar a companhia dos outros (facetas da extroversão). Adicionalmente, apresentavam dificuldades em confiar noutras pessoas, modéstia elevada (facetas da amabilidade), tendência para duvidar da sua capacidade em lidar com os desafios da vida e para procrastinar (facetas da conscienciosidade) e pouca abertura para explorar novas ideias e ações (facetas da abertura à experiência).60

Outro estudo publicado mais recentemente (Calland et al, 2020)61 propôs-se a identificar que domínios e facetas da personalidade se encontravam associados a comportamentos alimentares patológicos (exercício excessivo, jejum e comportamentos purgativos), numa amostra constituída por homens e mulheres. Os resultados evidenciaram que o envolvimento num maior número de comportamentos alimentares patológicos se associava a níveis elevados de neuroticismo e abertura à experiência e níveis reduzidos de amabilidade em ambos os sexos. A presença de níveis elevados de extroversão associou-se ao envolvimento em exercício físico excessivo tanto em homens como em mulheres e à presença de comportamentos purgativos apenas em homens. A associação entre níveis elevados de abertura à experiência e de extroversão e a presença de patologia alimentar em mulheres, é inconsistente com a literatura, o que, de acordo com os autores, pode ser devido ao facto de os dados deste estudo refletirem apenas comportamentos auto-reportados e não ter sido feito nenhum seguimento de forma a inferir se as participantes chegaram a desenvolver alguma PCA. Ao nível das facetas, a impulsividade foi aquela que mais se associou com a presença de comportamentos alimentares patológicos, o que reflete a incapacidade destes indivíduos em controlar desejos e impulsos e o potencial para se envolverem numa variedade de atos prejudiciais. Por fim, os resultados deste estudo demostraram que a associação entre os vários domínios e facetas da personalidade e a patologia alimentar era modulada pelo género, o que pode ter um papel relevante na identificação de elementos com risco acrescido de desenvolver PCA.61

No que diz respeito ao papel dos cinco fatores da personalidade no tratamento das PCA, um estudo publicado em 2016 (Levallius et al)62 demonstrou que os pacientes recuperados da doença apresentavam níveis de extroversão, particularmente na faceta da assertividade, significativamente mais elevados no início do tratamento do que os indivíduos não recuperados, o que alerta para o valor deste traço enquanto preditor da recuperação dos pacientes e da sua resposta ao tratamento.62

19 4.2.5. Sensibilidade à recompensa e sensibilidade à punição

Uma porção crescente da literatura tem vindo a utilizar a teoria de sensibilização do reforço na distinção entre as várias perturbações do comportamento alimentar. Esta teoria defende que o comportamento humano é motivado por dois sistemas distintos: o sistema de inibição comportamental, responsável pela evicção de comportamentos ou situações que poderiam levar a consequências adversas e o sistema de ativação comportamental que motiva a abordar situações suscetíveis de resultar em recompensas.63

Os traços de sensibilidade à recompensa e sensibilidade à punição derivam desta teoria e de acordo com a literatura, os indivíduos com PCA apresentam níveis de sensibilidade à punição mais elevados do que os elementos do grupo de controlo. No que diz respeito à sensibilidade à recompensa, observa-se que indivíduos com AN-R apresentam níveis reduzidos neste traço, ao passo que indivíduos com AN-P e bulimia nervosa demonstram níveis elevados. Estes resultados sugerem que a confluência da elevada sensibilidade à punição com a baixa sensibilidade à recompensa pode tornar a restrição alimentar mais fácil para os indivíduos com AN-R comparativamente com os pacientes com AN-P e bulimia nervosa.63

Um estudo publicado em 2010 (Claes et al)64 demonstrou que indivíduos com sintomas restritivos apresentam níveis mais elevados no sistema de inibição comportamental do que os indivíduos com sintomas compulsivos-purgativos.64

Turner et al (2014)65 incluiu os pacientes com PCA em três grupos tendo em conta os níveis no sistema de inibição comportamental, os níveis no sistema de ativação comportamental e os níveis no controlo ( traduzido pela capacidade para regular os comportamentos e pela reatividade emocional): o grupo hipercontrolado/ inibido, o grupo com défice de controlo/ desregulado e o grupo resiliente. Observou-se que os pacientes pertencentes ao grupo desregulado apresentavam sintomas mais severos de bulimia nervosa comparativamente com os outros grupos, ao passo que os indivíduos alocados no grupo resiliente exibiam menor psicopatologia. 65

4.2.6. Temperamento

As características temperamentais foram reconhecidas como um fator relevante no desenvolvimento e manutenção das PCA, sendo o inventário de temperamento e carácter (ITC)

As características temperamentais foram reconhecidas como um fator relevante no desenvolvimento e manutenção das PCA, sendo o inventário de temperamento e carácter (ITC)

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