CAPÍTULO II Os professores e a integração das TIC
2.5. Trabalho colaborativo entre professores
A evolução tecnológica dos últimos anos tem permitido que surjam novas formas de trabalhar e colaborar em ambientes educativos suportados17 pelas TIC. Mas, neste como noutros aspectos, o uso do computador e Internet não acrescenta nada de significativo se a atitude não se adequar aos novos desafios das práticas de integração das tecnologias. Para o presente estudo interessa clarificar as potencialidades da colaboração “convencional”18 gerada nas escolas em
17 Este suporte é baseado na utilização dos diversos interfaces da Web que possibilitam novas e diferentes formas de comunicar. Para além do tradicional correio electrónico e da troca de mensagens e/ou conversação em tempo real (através do Windows Live Messenger, Skype ou Google Talk, entre outros) poderemos destacar a criação e desenvolvimento de redes sociais com possibilidades de alojar múltiplos fóruns de discussão, partilha de ficheiros diversos, ou mesmo páginas pessoais com publicações individuais (Ning por exemplo).
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Entendemos apelidar de convencional os contactos que estão implícitos na dinâmica organizacional da escola, sem que esta tenha utilização obrigatória das TIC. A organização da escola portuguesa prevê que os professores desenvolvam trabalho dentro do seu departamento curricular, nos conselhos de turma, no conselho pedagógico, ou em demais grupos criados para o desenvolvimento de projectos ou tarefas. Por outro lado, a colaboração prevista pelo estatuto da carreira docente e a crescente autonomia das
resultado da sua própria organização e onde as tecnologias poderão surgir como pretexto e/ou motivação adicional para trabalhar e reflectir em conjunto, mais do que proporcionar novos suportes de trabalho colaborativo.
Actualmente, um professor consciente das mutações na sociedade percebe a urgência de adoptar uma postura de aprendente activo no seu local de trabalho e disposto a colaborar com os colegas (Saraiva & Ponte, 2003), entendendo que a colaboração “é uma estratégia de grande utilidade para enfrentar problemas ou dificuldades, em especial aqueles que não se afigurem fáceis ou viáveis de resolver de modo puramente individual como os que surgem frequentemente no campo profissional” (Ponte e Serrazina, 2003, p. 4 e 5). Deste modo, à semelhança de Ramos (2007) e Ponte e Serrazina (2003), consideramos a colaboração como uma acção social, que congrega diferentes pessoas na procura das mesmas soluções para determinados problemas, e aceitamos a analogia ilustrativa que a primeira autora estabelece entre a organização de acções colaborativas humanas e o voo dos gansos.
“Os gansos voam em V, pois, ao bater as asas, a ave que esta à frente cria sustentação para a ave seguinte, e assim sucessivamente, o que exige menos esforço. (…) um ponto a destacar nessa formação é a necessidade de revezamento da ave que está no vértice do V, à frente de todas as outras, conduzindo e indicando a direção. Essa ave é a mais exigida durante o vôo, pois não há outra à sua frente; logo, não recebe apoio para a sua própria sustentação.” (Ramos, 2007, p. 165)
Fica assim patente o papel individual que permite ao grupo atingir os objectivos a que se propõe, confirmando que uma colaboração efectiva deverá caracterizar‐se por alguma mutualidade na relação entre os participantes, “todos recebem uns dos outros e todos dão alguma coisa uns aos outros” (Ponte e Serrazina, 2003, p. 7), envolvendo‐os numa relação positiva que agrega três aspectos: diálogo, negociação e cuidado. “Diálogo para estabelecer uma comunicação efectiva, conduzindo a uma compreensão dos significados e problemas com que cada um se defronta. Negociação, de significados, de objectivos, de processos, permitindo o estabelecimento de pontos de contacto e plataformas que viabilizam o trabalho conjunto. Cuidado, envolvendo uma genuína atenção aos problemas e necessidades dos outros.” (ibidem). Assim, trabalhar em colaboração requer, acima de tudo, capacidades de conciliar interesses, ideias e atitudes (Gonçalves e Ghedin, 2007). Por outro lado, o ambiente de colaboração positivo pode ser potenciado pela liderança e pela assunção de papéis. De modo a evitar problemas de atribuição de funções nobres e menos nobres, criando desigualdades dentro do grupo de
instituições impelem a uma maior interacção no desenvolvimento de acções conjuntas, seja entre pares e/ou com a comunidade e meio.
trabalho, a liderança (necessária para orientar no rumo traçado) pode existir de modo distribuído por vários elementos ou por todos os participantes (Ponte e Serrazina, 2003). A flexibilização e integração de todos os participantes aparecem deste modo como factor importante para manter o grupo unido (Ramos, 2007).
Através do trabalho em colaboração (formal ou informal) podem‐se alcançar vantagens óbvias ao nível do acompanhamento dos alunos de uma mesma turma, na preparação de aulas, na troca de impressões sobre os métodos e a avaliação, na promoção de alguns projectos interdisciplinares e na resolução de problemas disciplinares por via da sociabilização dos mesmos (Barrére, 2005). Para além disto, e ao nível do desenvolvimento profissional dos docentes, as experiências de colaboração podem permitir reflexões abrangentes sobre as práticas pedagógicas dos diversos intervenientes, já que “o professor aprenderá quer nos locais formais nos quais ouve, lê e discute ideias acerca da prática de ensino e das suas raízes teóricas, quer a partir da sua própria experiência, devidamente considerada e reflectida, quer a partir da experiência de outros profissionais, através de trocas de experiência” (Saraiva & Ponte, 2003, p. 9).
Com a colaboração e reflexão fica criado o cenário propício à mudança pedagógica que exige a integração das TIC. A mudança, que leva tempo e que passa pela alteração das crenças, conhecimentos e formas de trabalhar do professor, só acontece quando se comparam realidades antigas e mais recentes, percebendo os méritos de ambas, e de acordo com a consciência de cada um, apesar da influência das instituições. Num ambiente hostil à renovação, o professor tenderá a não mudar de forma significativa (Saraiva & Ponte, 2003). Uma vez que a alteração de práticas depende muito dos factores enunciados, continua‐se a assistir à manutenção de atitudes individualistas e a reservas no trabalho de equipa que parecem condicionar muitos professores no envolvimento em trabalho colaborativo (Barrére, 2005). Por outro lado, existe também a influência das orientações dos presidentes dos conselhos executivos/directores que em muito determinam a organização e funcionamento de cada estabelecimento de ensino, condicionando, por exemplo, a distribuição de serviço docente que automaticamente afecta os participantes em conselhos de turma. Se há professores que se sentem envolvidos por um estilo de colaboração demasiado formalizado, através da instituição de reuniões que são vistas por muitos como ameaças à autonomia pedagógica, outros professores reivindicam mais tempos de concertação e trabalho colectivo (com o necessário apoio das direcções para formas de trabalho inovadora), sem obstáculos burocráticos aos projectos e com reconhecimento do esforço (Barrére, 2005). Tondeur et al. (2008) verificou ainda que não só o papel dos directores é decisivo no planeamento global das actividades com as TIC na escola, mas
que também é importante no incentivo ao trabalho colaborativo entre os professores quando se faz este tipo de planeamento.
Aos problemas referidos juntar‐se‐ão outros, se consideramos a utilização das TIC na mediação da colaboração entre professores, por meio da constituição de redes de aprendizagem suportadas pela tecnologia. Segundo Chagas (2002), estas redes podem ser constituídas quando há colaboração, e é a colaboração que as mantém activas e que possibilita o seu funcionamento. Além disso, este tipo de colaboração integrada em rede pode dar novas dimensões e profundidade às questões abordadas, já que um número de intervenientes vasto e diversificado resulta em interacções entre pessoas com níveis de formação, conhecimentos, vivências, percepções, atitudes e valores distintos. Porém, estas evidências e a crescente disponibilização de meios tecnológicos parecem não ser suficientes para convencer os professores, que se mantêm afastados das iniciativas que envolvam a criação e o desenvolvimento de redes que possam originar as redes de aprendizagem. A autora refere ainda as razões que provocam esse afastamento:
‐ falta de recursos e de apoio técnico traduzido na disponibilidade dos computadores e de ligações à Internet, bem como a falta de pessoal especializado que assegure o bom funcionamento dos recursos;
‐ falta de tempo para estar ligado à rede e poder consultar os materiais publicados, as intervenções dos restantes participantes, para intervir de modo construtivo, ou conceber e concretizar as estratégias de integração, nas práticas lectivas, do trabalho em curso na rede;
‐ falta de formação materializada na inabilidade de manipular as diferentes ferramentas de comunicação e os processos de pesquisa e de publicação na Internet;
‐ falta de uma estrutura organizacional apropriada na escola já que muitas escolas não desenvolvem projectos que abranjam toda a comunidade educativa na utilização das TIC; ‐ falta de incentivos ao nível da disponibilidade de recursos em português na WWW, com uma ligação aos conteúdos programáticos dos diferentes níveis de ensino;
‐ falta de hábitos de colaboração, já que parece não existir uma tradição de colaboração que leve os professores, espontaneamente, a reunirem‐se de forma a abordar e a procurar resolver os problemas próprios da sua actividade profissional.
Se a génese das redes de aprendizagem19 suportadas pelas TIC está na colaboração e na conjugação de esforços para resolver problemas comuns, consideramos que a entrada de novas ferramentas na escola e a forma de as integrar nas práticas pedagógicas possam ser motivo para potenciar mais e melhor colaboração entre professores, sem preocupações de barreiras geográficas, como relatam Marques et al. (2008).