3 A INTERVENÇÃO PROFISSIONAL E AS POLÍTICAS
4.2 A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
4.2.2 Trabalho multiprofissional, interdisciplinar e
realidade de atuação do assistente social no NASF e no PAIF, porém, o
que pôde se identificar é que na política de assistência social, o trabalho
interdisciplinar tem ganhado espaço enquanto na política de saúde o
trabalho multiprofissional ainda é o que se sobrepõe.
O conceito de trabalho multiprofissional consiste no estudo de
um objeto por diferentes disciplinas, sem que haja convergência entre os
conceitos e métodos utilizados (ALVEZ; BRASILEIRO; BRITO, 2004),
ou seja, é compreendido como a junção entre diversas profissões que
trocam informações entre as especialidades, porém sem mudanças
significativas nos conhecimentos dos profissionais. Segundo Luz
(2009), o objeto no trabalho multiprofissional é resultante da soma de
olhares, onde o profissional busca informações de uma área específica
com outro especialista visando apenas contribuir para sua avaliação e
determinação da melhor estratégia para a resolução de determinado
problema.
Já o termo interdisciplinaridade diz respeito a algo comum entre
duas ou mais disciplinas ou ramos do conhecimento. Na prática
interdisciplinar, há uma integração entre as disciplinas ao nível de
conceito e métodos (ALVEZ; BRASILEIRO; BRITO, 2004),
provocando mudanças na estrutura das especialidades envolvidas e
possibilitando a incorporação de novos conhecimentos por parte do
profissional por meio da interação entre os diversos profissionais.
Segundo os assistentes sociais que participaram da pesquisa, no
NASF apesar de haver uma busca pelo trabalho multi e interdisciplinar,
foram percebidos diferentes reações por parte dos profissionais,
inclusive com algumas resistências ao trabalho conjunto.
[...] quando eu cheguei no NASF as primeiras pessoas... os primeiros profissionais que eu me aproximei foi da psicologia e eu tive assim... acolhimentos da psicologia bem diferenciados também. Tem profissionais da psicologia que me acolheram e eu percebia que queriam a presença do assistente social para trabalhar com eles. Agora teve profissionais da psicologia que não (ASNASF1).
Essa busca pelo trabalho multi e interdisciplinar por alguns
assistentes sociais do NASF é reconhecido como fundamental para a
ampliação do olhar acerca da saúde e teve como base a experiência do
profissional junto à política de assistência social e, por isso, a busca por
uma aproximação maior com profissionais da psicologia prevaleceu
entre os profissionais.
Porém, na lógica do NASF o trabalho interdisciplinar não é
observado como presente, ao contrário, os assistentes sociais percebem
um trabalho isolado por parte dos profissionais que compõe o NASF em
Florianópolis.
Esse é um ponto bem importante que eu vejo assim, que é um... eu acho que é assim algo para a gente pensar que é o quanto o processo de trabalho do NASF é fragmentado por categoria profissional. A gente não se comunica. A gente não trabalha de forma conjunta. A gente trabalha sozinha. Totalmente sozinha (ASNASF4).
O trabalho interdisciplinar depende muito das experiências e da
aceitação dos profissionais em estarem abertos para a construção
coletiva, para a troca de saberes e para as mudanças no processo de
trabalho na saúde. E segundo os assistentes sociais do NASF, a lógica
que prevalece ainda é o do trabalho multiprofissional quando não
individual, segmentado, buscando em alguns casos o conhecimento do
outro para ampliar a sua atuação, mas sem mudanças significativas no
fazer profissional.
Já na política de assistência social, o trabalho psicossocial é umas
das prerrogativas. Para alguns profissionais o trabalho interdisciplinar
modifica a compreensão acerca do sujeito e do fazer profissional.
[...] ele [o psicólogo] entendia que... vem o sujeito com o subjetivo e a gente analisa como sujeito de direitos e para ele o sujeito de direitos não existe. É uma conquista através da resistência e da luta que vai se ampliando ou não esse sujeito. Então a partir desse olhar a gente ia trabalhando conjuntamente. O que eu percebi assim, mas é... é muito primário assim é que o psicólogo no atendimento ele deixa a situação mais aberta e o usuário vai construindo a realidade dele ali. E o psicólogo vai acompanhando conforme o que ele, né, vai acompanhando a necessidade do usuário ali. E vai abrindo. E o assistente social, não sei se vocês perceberam isso ou não, a gente... a pessoa vai falando e a gente identifica qual a base material, quais são as condições objetivas do usuário para que ele tem autonomia e se desenvolva na vida com o suporte das políticas públicas. [...] E foi assim uma experiência muito rica, que eu percebia que a psicologia podia não “falar nada”, mas que a pessoa saia muito melhor do que quando chegou no atendimento, porque foi
conduzindo com base na necessidade e na realidade daquele usuário. Mas não teve respostas não. Não tem esse direito, tá em falta isso, aquilo outro, não. Mas a pessoa saía se sentindo ótima né? E aí eu “como é que pode isso?” E eu comecei a aprender um pouquinho com o colega no sentido “opa, peraí, então o sujeito é ele, ele tá apresentando a demanda”, então aí o que a gente pode fazer é de acordo, com mais calma, que a gente pode dizer no CRAS, a identificar essas necessidades e trabalhando com algo que seja um diálogo, é algo que a gente fala né, que seria a práxis social. Então é algo muito novo que tá ocorrendo assim (ASPAIF3).
O trabalho interdisciplinar tem provocado mudanças no fazer
profissional do assistente social e vice versa, na medida em que amplia
os conhecimentos profissionais, questiona a possível acomodação e
prepara os profissionais para uma atuação mais ampla e adequada às
necessidades dos usuários. Esse trabalho interdisciplinar, porém não
significa, necessariamente, que todas as ações serão realizadas em
conjunto pelos profissionais.
Acho que falta entender qual que é a questão da dupla porque o que a gente defende da necessidade de todo o território ter uma dupla assim de referência... isso não significa que a gente vá fazer todos os atendimentos em dupla. São coisas diferentes. É importante que eu assistente social ou psicólogo, eu tenha alguém com quem eu possa discutir os casos que eu atendo [...] E eu ter o psicólogo lá para eu poder dar o feedback daquilo que eu atendi... (ASPAIF1).
Da mesma forma, esses relatos não garantem que o trabalho
interdisciplinar seja desenvolvido em todos os serviços, nem que ocorra
sempre da forma como preconizada, havendo ainda muitos desafios a
serem enfrentados.
A intersetorialidade é outro eixo de atuação dos assistentes
sociais que perpassa a política de saúde e assistência social. A
intersetorialidade pode ser compreendida por diversos sentidos: 1) como
complementariedade entre os setores, 2) como prática, 3) como
articulação política na gestão pública, 4) otimização de recursos
públicos ou 5) como trabalho em rede (TUMELERO, 2012).
A primeira noção é definida como ações integradas de diferentes
setores visando ao atendimento da população, “cujas necessidades são
pensadas a partir de sua realidade concreta, de modo a colocar em pauta
as peculiaridades de suas condições de vida” (SCHUTZ, 2009, p.16). A
intersetorialidade como prática visualiza nas ações integradas uma
possibilidade de aprendizado do fazer, ainda que sob a perspectiva de
cada setor em uma abordagem limitada a determinado território
(SCHUTZ, 2009). A terceira noção de intersetorialidade relaciona-se a
compreensão da articulação entre sujeitos de setores sociais diversos
objetivando o enfrentamento de problemas complexos, podendo se
configurar como ações e decisões compartilhadas, tanto em pesquisas
para identificação das necessidades sociais quanto no planejamento e na
avaliação das políticas sociais (JUNQUEIRA, 2004). A quarta dimensão
da intersetorialidade atribui à mesma a tarefa de otimizar recursos
públicos na operacionalização das políticas sociais. Essa visão não
implica em partilha de poderes, crescimento político ou a compreensão
mais aprofundada das múltiplas dimensões que compõe a realidade
social (JUQUEIRA, 2004). Por fim, a quinta noção de intersetorialidade,
compreendida como trabalho em redes, ou seja, ações conjuntas,
principalmente no nível municipal, visando atender aos sujeitos sob
práticas que primam por conexões entre atores sob relações horizontais,
construindo ações complementares e integradas (TUMELERO, 2012).
No NASF e no PAIF, o trabalho intersetorial ora tem a
perspectiva de complementação entre os setores, ora como prática, ora
como trabalho em redes. Segundo os relatos dos profissionais, o
trabalho intersetorial está presente em todos os DS, mas não
necessariamente em todos os CRAS. É realizado principalmente através
de reuniões da rede de serviços localizado nos territórios de abrangência
do NASF e/ou do CRAS, a construção de fluxos entre os serviços de
determinado território, o contato para discussão de casos específicos, o
trabalho conjunto e integrado entre os serviços, entre outros.
As reuniões de redes são momentos utilizados para discussão de
casos, articulação entre as instituições, planejamento de ações
comunitárias e funcionam de forma diferente conforme o território em
que acontecem.
[...] a gente também tem uma reunião de rede, assim lá, que vão várias instituições, ONGs... é uma reunião grande, uma vez por mês, onde ali não são discutidos casos, raramente, mas tem esse
contato bom que a gente consegue ter com as ONGs né? (ASNASF3).
No nosso [CRAS] são dois momentos, tem um momento da rede se articular e um momento para casos específicos (ASNASF2).
Nem todos os CRAS realizam ou participam das reuniões da rede
intersetorial, mas todos relatam buscar articulação com os outros
serviços do território e outras política sociais, sendo que para alguns
profissionais, essa articulação depende mais do vínculo entre os
profissionais do que dos próprios setores.
A gente consegue um vínculo... depende muito do profissional as vezes né? Mais do que o acesso à instituição né? O vinculo que tu cria com o profissional (ASNASF3).
O curioso é que esse trabalho de rede... ele tá... por mais técnico profissional que ele seja, ele tem sucesso quando tem um... uma certa aproximação com um colega de trabalho assim (ASPAIF3).
Esses relatos apontam para os inúmeros desafios que ainda
necessitam ser vencidos para que o trabalho intersetorial seja de fato
uma diretriz das políticas sociais e não apenas iniciativas isoladas dos
profissionais. Da mesma forma, é também um desafio a construção de
um
trabalho
interdisciplinar
voltado
para
o
sentido
de
interdisciplinaridade mais amplo, voltado para o trabalho com redes
efetivas.
Outro desafio relatado pelos profissionais do PAIF é a
dificuldade de articulação entre a própria política de assistência social.
Segundo os profissionais, a articulação intersetorial com outras políticas
sociais e serviços ocorrem, muitas vezes, de forma mais efetiva do que
entre os níveis de complexidade do próprio SUAS.
[...] mas... de proteção básica para a média e alta... [...] esse momento às vezes é muito fragilizado assim. A gente precisa construir enquanto assistência social no município... um fluxo ou algo que seja mais efetivo assim (ASPAIF3).
Com a educação, a saúde é tudo mais fácil do que com a própria assistência [social] (ASPAIF1).
Segundo os profissionais, o SUAS precisa olhar para o SUS
como forma de ampliar a articulação entre os níveis de complexidade.
Na área da saúde, a APS funciona como ordenadora do cuidado, ela
realiza a referência para os serviços de média e alta complexidade, mas
continua sendo a responsável pelo cuidado. Ao contrário do que
acontece na assistência social.
[...] é nessa hora que o SUAS precisa olhar um pouco para o SUS para ver que... acho que tem um... o usuário do SUS ele tá na atenção primária, vai para a média, vai para a alta, mas tem esse fluxo mais tranquilo no sentido de... não sei se vocês tem essa impressão de ser mais tranquilo? Já na política de assistência não. Tem situações que, por exemplo, uma situação de direito violado de criança e adolescente, passa pelo Conselho Tutelar e está muito mais próximo da questão de judicialização, né? A assistência atendendo mais o judiciário do que a própria política de assistência, né? Então tem situações que essa discussão de caso é muito mais a média vindo para o CRAS e “ó a gente está para desligar essa família, então a gente precisa repassar para vocês a situação” do que o movimento do território (ASPAIF3).
As dificuldades de articulação entre os diferentes níveis de
complexidade do SUAS no município de Florianópolis pode ser fruto da
própria construção da política de assistência social no município, ou
seja, os serviços de média e alta complexidade, de certa forma, já
existiam no município antes da criação dos CRAS e já possuíam uma
organização mais articulada com o âmbito da justiça do que com a
própria política de assistência social. Como exemplo, podemos citar o
Programa Sentinela, atualmente incorporado ao PAEFI, criado no
município para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de
violência. O referido programa desde sua criação esteve articulado aos
Conselhos Tutelares, sendo essa a principal forma de acesso ao
programa. Com a criação do SUAS e transformação do Sentinela em
PAEFI, alguns fluxos, presentes no desenho anterior, foram mantidos,
dificultando a articulação entre PSB e Proteção Social de média
complexidade, como pode ser observado na fala de um dos assistentes
sociais. Essa realidade, porém, se apresenta somente no município de
Florianópolis.
Outros espaços fora de Florianópolis que eu tive contato, também é muito parecido com a questão da atenção básica na saúde [...] chega no CRAS, ele faz a referência para a especial, alta e média, mas o foco é o CRAS... a proteção básica. Mas aqui em Florianópolis não tem essa lógica (ASPAIF2).