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Sistemas de saúde que tem sua orientação voltada à APS, considerando-a como porta de entrada e coordenadora da RAS, tendem a apresentar bons resultados, custos menores e alcançam mais aprovação dos usuários em relação a sistemas “com fraca orientação para a APS” (91).

Segundo a PNAB, nº 2.436, de 21 de setembro de 2017, a UBS deve ser a “principal porta de entrada e centro de comunicação da RAS, coordenadora do cuidado e ordenadora das ações e serviços disponibilizados na rede” (39), sendo essencial a integração dos vários pontos da RAS para prestar o cuidado integral e resolutivo ao usuário. Segundo (98), a UBS ainda não dispõe de recursos necessários para estar ao “centro de comunicações” da RAS, esses autores propõem uma comunicação e mecanismos regulatórios efetivos entre os pontos da rede, acesso às vagas disponíveis, além da coordenação da rede de saúde apresentar a participação em menor ou maior proporção da UBS conforme a necessidade, nos mais diversos arranjos.

“Atores políticos estratégicos”, entrevistados em duas cidades do ABC Paulista, reconheceram que “apesar de tantos investimentos, a rede básica não cumpria as expectativas que lhe eram depositadas” (98). Esse mesmo trabalho descreveu a rede básica de acordo com a percepção dos usuários que utilizavam o serviço de saúde frequentemente “como um posto avançado da política pública que é o SUS”, “como referência e elemento importante para a composição do cuidado de que necessitam”, como “um lugar de coisas simples”: distribuição

de medicamentos, encaminhamento para especialistas, coletas de exames e um dispositivo que não é referência para atendimento de urgência – nesses casos, os usuários optam pelos serviços de urgência como primeira escolha (98). Esses achados foram semelhantes ao encontrados nesta pesquisa. E, por último, no referido estudo a “percepção da impotência ou da não governabilidade da equipe da UBS para produzir uma efetiva articulação com os outros níveis do sistema de saúde” (98), demonstrando que os usuários associam a UBS às suas experiências com a assistência de média e alta complexidade, também foi uma percepção presente nesta pesquisa, cujo enfoque era a articulação do cuidado entre UPA e UBS; emergiram durante as entrevistas, no entanto, várias experiências em relação aos serviços de saúde de especialidades – esses achados não foram enfatizados por não comporem o objetivo deste estudo.

A comunicação entre os serviços de saúde foi mencionada em várias entrevistas como uma importante estratégia para o cuidado efetivo ao usuário e para trabalho em rede. O trabalho com as CSAP, realizado entre a UPA e as UBS da Região Norte, foi mencionado pelos profissionais como uma forma de aproximação entre os serviços de saúde, pois existe uma comunicação relativamente rápida para informar a UBS sobre a permanência do usuário na UPA. Esse usuário pode apresentar complicações da doença atual provenientes do não acompanhamento ou do acompanhamento irregular na UBS, e essa é uma oportunidade de iniciar ou retomar o tratamento e de restabelecer o vínculo entre a UBS e o usuário. As trocas de informações entre as unidades foram apontadas pelos profissionais como benéficas em relação ao cuidado prestado ao usuário, pois permitem que a UBS saiba de informações sobre o caso em questão de maneira clara para seguir o acompanhamento.

A UBS normalmente recebe as informações enviadas pela UPA e faz contato com o usuário ofertando acesso à unidade, seja por meio de uma consulta ou visita domiciliária, conforme a necessidade do usuário e a oferta da unidade. Essa busca ativa pode ser a abertura de uma porta ao sistema de saúde. Outro ponto percebido nas entrevistas discorre sobre a melhora da comunicação entre os serviços de saúde após o trabalho com as CSAP, pois atualmente existe um retorno em relação ao cuidado prestado ao usuário encaminhado à UPA pela UBS ou até mesmo àquele usuário que acessou por demanda espontânea o serviço de urgência.

Segundo os profissionais entrevistados, no período anterior à implantação do trabalho com as CSAP na Região Norte, alguns fatores dificultavam a chegada da informação à UBS sobre o cuidado prestado pela UPA, como a perda pelos usuários ou a não realização dos impressos de referência, e a contra referência pelos profissionais da UPA à UBS, usuários

que não procuravam a UBS, mesmo após orientação da UPA ou por falta de orientação sobre a necessidade de continuidade do cuidado, ou ainda por informações ofertadas pelos usuários na APS de maneira superficial devido à dificuldade de compreensão ou mesmo de comunicação sobre o tratamento realizado no serviço de urgência.

A complexidade da rede também foi um problema apontado nas entrevistas, enfatizando a dificuldade de compreensão do fluxo e a composição da RAS pelos usuários e até mesmo pelos profissionais de saúde, como, por exemplo, a facilidade com que os usuários se perdem entre os serviços de saúde em busca da resolução de sua demanda por falta de orientação e compreensão de onde e quando buscar assistência, e que essa deveria ser uma orientação ofertada nas escolas desde a formação escolar. Em relação à essa complexidade da RAS, é necessária a educação permanente dos profissionais de saúde envolvidos com o intuito de fortalecer o trabalho e o modelo proposto (91), além de orientar os usuários de forma clara quanto ao fluxo e os pontos da RAS.

A sobrecarga e a grande demanda dos serviços de saúde foi citada como uma possível consequência da porta de entrada escolhida pelos usuários para acesso ao SUS. Tanto a UBS quanto a UPA estão com uma demanda importante. A UPA se caracteriza pela superlotação e pelo tempo de espera elevado, porém no serviço de urgência há o profissional médico vinte quatro horas, mesmo que o tempo de espera seja longo; normalmente o usuário consegue ser avaliado e ter sua queixa “atendida”.

O trabalho em rede, de acordo com alguns entrevistados, pode tanto beneficiar o usuário, em relação ao cuidado e à resolutividade, quanto o profissional, enfatizando o respaldo profissional e o alcance do objetivo de atender à necessidade do usuário, finalidade última da assistência prestada.

Uma das profissionais verbalizou que muitos dos usuários que demandam a UPA são orientados sobre a importância de acompanhamento na UBS e optam por acessar as unidades apenas quando apresentam uma demanda, objetivando a resolução pontual e não a continuidade do cuidado. Assim, esses usuários acessam a UPA já com complicações que poderiam ser evitadas se fossem acompanhadas pela APS. Se houver um acompanhamento efetivo pela APS, em relação aos usuários com os diagnósticos que foram selecionados neste estudo, o risco de internação e de complicações decorrentes desses diagnósticos serão menores em relação ao usuário que não faz um acompanhamento na UBS. Boing et al. (105) relacionaram o aumento da cobertura da ESF e a melhora do acesso dos usuários aos serviços de saúde à redução de internações por CSAP.

Alguns usuários demonstraram a percepção do cuidado em rede pelos profissionais do SUS, verbalizando que as unidades trabalham “juntas” e encaminham uma para outra quando é necessário, enviando referências e contra referências, além de realizarem orientações quanto à necessidade de acompanhamento pela UBS. Esses usuários acreditam que o trabalho em rede e a “interação” entre as unidades pode qualificar a assistência, mas que ainda há dificuldades nesse trabalho, como, por exemplo, a falta de acesso às unidades conforme a necessidade. A dificuldade para acessar vagas nas diversas especialidades foi marcante nas entrevistas e deve ser um problema largamente discutido pela gestão e tema relevante para estudos posteriores.

6.4 CONDIÇÕES SENSÍVEIS À ATENÇÃO PRIMÁRIA E O PROCESSO DE TRABALHO