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cultura surda

3.2 Caracterização da Literatura Surda

3.2.4 Tradução cultural

Muitas perguntas podem ser feitas sobre o campo da literatura surda, porque o assunto é novo, e o conceito da literatura surda tem sido pesquisado há pouco tempo. Podemos questionar: se um texto originalmente em Português é traduzido para Libras, essa nova versão do texto pode ser considerada uma literatura surda? Essa pergunta sempre foi a nossa provocação no campo do estudo da literatura surda. Para discorrer sobre o tema, descrevemos nossa experiência em um trabalho específico da obra do autor Ziraldo Alves Pinto, traduzida da língua fonte: o português para a Língua B a ilei a de Sinai . O li o e colhido foi Quatro estações e um trem doido9 . Trazemos essa experiência para aprofundar o conceito da tradução cultural no contexto da literatura surda.

Sobre a tradução cultural na literatura surda, Rosa (2011) explica que já existem vários materiais de vídeo publicados na modalidade de tradução cultural, que abalha com a ad o da l ng a po g e a pa a Lib a . Com elação a essa modalidade, poderíamos fazer um comparativo com uma história que possui um texto comple o, de m a o mai an igo e com m ocab l io m i o dife en e (ROSA, 2011, p. 41). Para exemplificar, trazemos um pequeno trecho do livro citado e como e e e ce o foi ad ido pa a Lib a . No e o o beb foi oma banho de sol. Ele e a amiga b inca am na a eia (ZIRALDO, 2009, p. 4-5, grifos nossos). Lembramos que a maioria das crianças surdas chega à escola sem ter conhecimento da língua de sinais, e muitas vezes, é nesse espaço que vai adquirir sua primeira língua. É objetivo

9 Esse trabalho foi realizado dentro de um projeto da educação bilíngue para surdos em Campinas/SP. O

também da escola que ela aprenda a Língua Portuguesa, e essa é uma grande dificuldade para ela, pois terá que escrever e ler uma língua que não fala. A leitura do português é uma grande dificuldade, mesmo diante de um vocabulário simples. Por isso crianças surdas precisam ter o conhecimento de sua própria língua, a de sinais, como língua de instrução, para que possam aprender a segunda língua, o português.

O livro de Ziraldo acima citado é um exemplo dessa situação. Para as crianças surdas, o livro é de difícil entendimento, por não terem conhecimento do português. Por isso há a necessidade de uma tradução cultural para literatura surda, do português para Libras, tornando-se um vídeo. Durante a tentativa de leitura pelas c ian a , pe cebemo q e na pala a BANHO , o ignificado a ib do e a ime o de um corpo em água. O papel da professora bilíngue responsável era explicar aos alunos do q e a pala a BANHO naq ele con e to (BANHO DE SOL) tem outro significado. A seguir, na Figura 8, trouxemos o recorte da tradução de um trecho da ob a em q e o al no pode pe cebe o ignificado de banho naq ele con e o.

Figura 8: Tradução da obra, sinalizando banho de sol. Fonte: elaborado pelo autor

Foi riquíssimo o momento da tradução cultural, o qual teve um planejamento prévio bem detalhado.

Antes de pensar no cenário da filmagem, pensamos no reconhecimento das diferenças linguísticas do sujeito surdo, priorizando a língua de sinais para o desenvolvimento cognitivo. Aproveitando as tecnologias que se desenvolvem com o tempo, e com isso as atividades pedagógicas vão se aprimorando em

sua qualidade visual, dando suporte na educação dos surdos. (OLIVEIRA; DINIZ; OLIVEIRA, 2014, p. 60)

No momento da elaboração do vídeo pedagógico é necessário ter o conhecimento das duas línguas: Português e Libras, para dar significação durante a tradução de uma língua para outra, respeitando os aspectos da cultura surda. Segundo Karnopp e Hessel (2009, p.15), pa a a elabo a o de deo pedag gico nece io compreender, dominar o conteúdo, narrar com clareza, naturalidade, dramatização, pen a em l ico e mo fologia adeq ada ling i icamen e ao p blico . Apoiamo a palavras dos autores, quando explicam que, no momento da elaboração dos vídeos, a equipe de narradores e/ou tradutor precisam discutir, pensar o uso língua de sinais dentro do contexto, o uso de classificadores, etc. Como no exemplo, na Figura 8, em que o narrador e/ou tradutor u a o cla ificado BANHO DE SOL , p p io do i ema lexical da Libras, para as crianças surdas adquirirem o significado da expressão, associando-a também à imagem que representa o significado de banho do sol. Desse modo, as crianças surdas encontram o significado também a partir da própria da experiência, por já terem vivenciado a situação de tomar banho do sol, que pode ter ido em ch ca a o o o l ga e . O cla ificado e o pa e in eg an e da g am ica da língua de sinais e para a aquisição do mesmo pela criança surda faz-se necessária a in e a o como o ad l o do fl en e ne a l ng a (GESUELI, 2009, p.114). Reiteramos, portanto, a necessidade de o tradutor e/ou narrador conhecer as duas línguas, compreender o sistema lexical e a gramática, para que os leitores surdos possam ampliar os significados. A seguir, na Figura 9 e na Figura 10, apresentamos recortes da imagem da personagem Bebê maluquinho e também da tradução de um trecho da obra.

Figura 9: Personagem da história O Bebê maluquinho

Fonte:Ziraldo (2009)

Figura 10: Tradução da obra - sinal do personagem

Fonte: figura elaborado pelo autor

Figura 11: Reconto pelo aluno Fonte: Martins; Oliveira (2014, p. 1052)

Segundo Martins e Oliveira (2014), os alunos surdos, no projeto educação bilíngue, adotaram o sinal acima exposto para o Bebê maluquinho. Esse sinal foi con encionado na ala de a la. Ne e momen o, a i alidade implica amb m no momento da criação de sinais para representa objeto e pessoas, assim como o som implica no momen o de c ia no a pala a (SILVA e al., 2007, p. 17). Fica cla o, portanto, que a tradução cultural recebe influência da cultura surda. Normalmente, quando conhecemos a história, perguntamos logo o nome da personagem, criamos um sinal para ele, para que os alunos que quiserem se referir àquele personagem tenham um igno. O nome q e e amo falando o q e na L ng a B a ilei a de Sinai denominamos de sinal pessoal ou somente sinal, costuma-se dizer que se trata de um nome i al, m ba i mo, pa a da in cio pa icipa o na com nidade da (SILVA et al., 2007, p. 18).

A cultura surda sempre terá um nome visual, como a representação do próprio nome, que consiste numa marca, uma característica própria da pessoa. O tradutor da língua de sinais deve ter o conhecimento da cultura surda para poder criar o sinal da personagem. Na Figura 9 e na Figura 10, o tradutor precisou conhecer a história, observar e criar um sinal para representar o personagem do bebê maluquinho. O aluno adotou o sinal que tem um efeito na leitura e na incorporação que o leitor faz dela. A leitura visual atravessa o vídeo, transforma aquele que lê, interfere no sentido e no uso da linguagem.

A tradução cultural tem como objetivo o acesso à literatura na própria língua do sujeito surdo, permite às crianças conhecerem as histórias da literatura convencional, através da Libras, das expressões bem claras, do uso de classificador e dos sinais dos personagens da história. Assim, já temos alguns materiais disponíveis em Libras, em especial da Editora Arara Azul10, por exemplo, Alice no país das maravilhas (2002); Iracema (2002); O Alienista (2004); As aventuras de Pinóquio (2003); O Gato de Botas (2011); Uma aventura do Saci-Pererê (2011); João e Maria (2011); O soldadinho de chumbo (2011).

10 Editora Arara Azul: Disponível em: http://editora-arara-azul.com.br/site/home. Acesso em: 04 abr. 2016.