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2 COMPONDO CONCEITOS: a potência das transições cotidianas na

2.4 TRANSIÇÕES E TEMPORALIDADES NA CRECHE

Para que seja possível situar essa pesquisa, importa dizer que o termo transições passa a ser mais utilizado e discutido, no campo da Educação Infantil, a partir da homologação das DCNEI sob a Resolução Nº 5 (BRASIL, 2009b), que fixa essas DCNEI. Esse documento, antecedido de Parecer Nº 20, de caráter normativo, enfatiza, em seu Art. 10, inciso III, (BRASIL, 2009b, p. 17), que as Instituições que atendem as crianças precisam organizar estratégias e ações que garantam transições: “casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transição creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental”. Ainda, salienta que a criação de estratégias precisa adequar-se a esses momentos vividos pelas crianças, como forma de assegurar a continuidade dos processos de aprendizagem. Antes de

2009, a indicação de se pensar as transições apenas ganhou algum destaque na Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2006b), assim como na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017a), quando aparece a preocupação com a integração entre as etapas da educação básica, com os cuidados e com a continuidade da Educação Infantil aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesse período, tais ideias ficaram implícitas, mas sem direcionamento quanto à necessidade de se criar estratégias de transição e de se pensar nesses momentos como relevantes na vida dos estudantes. Em se tratando de pesquisas sobre o tema dessas transições “verticais” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016) FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016) ou “macrotransições”. No capítulo metodológico da pesquisa, apresento mapeamento em que mostro o quanto elas se referem mais às transições da Educação Infantil para os anos iniciais.

Antecipadamente à Resolução Nº 5, que fixa as DCNEI, o Parecer de Nº 20 (BRASIL, 2009a, p. 16), em um dos subtítulos, sugere quatro grandes modos de como as Instituições podem organizar o acompanhamento da continuidade dos processos de educação das crianças. No primeiro modo, como forma de garantir um olhar contínuo desses processos vivenciados por elas, a orientação é que se planeje e se efetive o acolhimento tanto das famílias quanto das crianças que iniciam na Instituição, para que se possa considerar a “necessária adaptação das crianças e seus responsáveis às práticas e relacionamentos que têm lugar naquele espaço, e visar o conhecimento de cada criança e de sua família pela equipe da Instituição” (BRASIL, 2009a, p. 17).

Como segundo ponto, o documento enfatiza a necessidade de se “priorizar a observação atenta das crianças e mediar as relações que elas estabelecem entre si, entre elas e os adultos, entre elas e as situações e objetos” e salienta que isso contribuiu tanto “para orientar as mudanças de turmas pelas crianças” como para “acompanhar seu processo de vivência e desenvolvimento no interior da instituição” (BRASIL, 2009a, p. 17). Como terceiro tópico, o Parecer enfatiza a importância desses estabelecimentos planejarem o seu trabalho pedagógico de forma a alcançar a continuidade do processo

de aprendizagem, e a necessidade de as equipes da creche e da pré-escola se reunirem para acompanhamentos dos relatórios descritivos das turmas e das crianças, “suas vivências, conquistas e planos” (BRASIL, 2009a, p. 17).

Por fim, o quarto item enfatiza que as Instituições devem prever estratégias para a articulação entre os docentes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, em encontros, visitas ou reuniões, de modo que conheçam os processos vividos pelas crianças na Educação Infantil e como eles se deram, especialmente na pré-escola - independentemente se essa transição se der ou não no mesmo espaço ou entre instituições -, no sentido de “assegurar às crianças a continuidade de seus processos peculiares de desenvolvimento e a concretização de seu direito à educação” (BRASIL, 2009a, p. 17). Ainda, nessa articulação, o texto ressalta que se providenciem instrumentos de registro para esse acompanhamento, como: “portfólios de turmas, relatórios de avaliação do trabalho pedagógico, documentação da frequência e das realizações alcançadas pelas crianças” (BRASIL, 2009a, p. 17).

A partir do que consta no Parecer Nº 20 (BRASIL, 2009a) como necessário no processo de transição e articulação entre as etapas da educação, saliento que as

transições cotidianas não são expostas ou estão evidentes do modo como proponho

nessa investigação. Acrescento a essa posição que as poucas palavras que esses documentos expressam não permitem tornar visíveis a importância e a existência de

transições cotidianas que nomeio no decorrer dessa pesquisa.

Recentemente, com a homologação da Resolução Nº 2, que institui e orienta a implementação da BNCC (BRASIL, 2017b), as transições ganharam destaque no documento, com o caráter de importância desse momento de ruptura. Entretanto, o enfoque foi dado na transição de uma etapa para outra, ponto que se manteve durante a elaboração e apresentação das quatro versões do documento, com ênfase na ideia de manter o que as crianças sabem e o que elas são capazes de fazer, em uma perspectiva de integração e continuidade dos seus processos de aprendizagem. Ainda, no texto do documento, ressalta-se o quanto esse momento precisa ser amparado por ações que apoiem as crianças no respeito às suas singularidades e às relações que

estabelecem com os conhecimentos. Pela importância do tema, ele passou a ser alvo de algumas pesquisas acadêmicas, conforme apresento no mapeamento de pesquisas. No entanto, em sua maioria, foram discutidas e problematizadas as transições “verticais” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016) FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016), inclusive nos documentos nacionais, em que esse modo de transição ganha destaque. Transições da etapa da Educação Infantil para o Ensino Fundamental e dos anos iniciais para os anos finais são as que mais encontramos em pesquisas. Corroborando o argumento, mesmo se referindo às transições “verticais” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016; FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016), o documento da BNCC (BRASIL, 2017a), aborda a importância de que a transição seja olhada com muita atenção, para que tenha equilíbrio entre as mudanças que as crianças enfrentarão durante as etapas. Além disso, o mesmo texto enfatiza o quanto se torna necessário estabelecer estratégias de acolhimento e adaptação nesse processo para todos os envolvidos nele: adultos e crianças, adolescentes e jovens.

Acrescenta-se a essa posição que as “transições que acontecem no interior das instituições” (BRASIL, 2009b) ou transições “horizontais” (VOGLER; CRIVELLO; WOODHEAD, 2008; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016) justificam esse estudo, no sentido de que elas existem e, assim, essa pesquisa contribuirá como possibilidade de que saiam da invisibilidade do trabalho pedagógico da Educação Infantil. Afirma-se isso porque, ao demonstrar que “o capital educativo que fortalece a criança para as transições é construído lentamente, situação a situação, na vivência de múltiplos desafios que enfrenta quando transita” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASSOS; MACHADO, 2016, p. 37), observar, registrar e refletir sobre como acontecem as

transições cotidianas significa dar atenção ao que as crianças dizem sobre como esses

tempos e momentos de mudanças, dentro do contexto educativo, afetam-nas. Além disso, essa visão contribui dando clareza de que as crianças possuem, assim como nós, adultos, temporalidades (ESLAVA, 2007; NIGITO, 2011; OLIVEIRA, 2012b) próprias e que

dizem de seus modos de se relacionar com os outros, de suas aprendizagens, de seus sentimentos e de suas emoções.

Dessa forma, compreender por transições cotidianas o modo de viver e não apenas os momentos e vivências das crianças torna evidente reconhecer que elas não acontecem naturalmente, e que precisamos nos preocupar com processos de transição “bem-sucedidos” (OLIVEIRA-FORMOSINHO; LIMA; SOUSA, 2016). Isso significa pensá- los, conceituá-los, experimentá-los, avaliá-los e reconceituá-los para que possam se “recriarem de acordo com as pessoas, os contextos, as culturas” (FORMOSINHO; MONGE; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016, p.09).

Neste contexto da pesquisa, essa compreensão foi possível, mesmo que tão pouco se esgote nessa dissertação, através da atenta observação das reações das crianças frente aos momentos a que elas serão submetidas no dia a dia da creche, com professores e crianças, nos tempos, temporalidades, espaços e materiais. Dessa forma, na próxima seção, prossigo discutindo a respeito das especificidades das transições

cotidianas no contexto da creche e dos desafios que a vida na coletividade reverbera

nas crianças.

2.5 O QUE SÃO AS TRANSIÇÕES COTIDIANAS NO CONTEXTO DE VIDA COLETIVA