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2.2 SISTEMA DE TRANSPORTE DE CARGAS BRASILEIRO

2.2.4 Transporte hidroviário de cargas

O Brasil é um país que exibe grande riqueza hídrica e seu território é cortado por uma vasta e ramificada rede fluvial, proporcionando vias naturais com potencial para navegação comercial. Embora o transporte hidroviário de cargas seja uma alternativa bastante competitiva para grandes volumes de carga, principalmente nas rotas que envolvem longas distâncias, essa modalidade de transporte é claramente subaproveitada no país. Dentre as justificativas elencadas por especialistas para explicar a tímida utilização desse modal, ressaltam-se a escassez de recursos investidos no setor, a falta de políticas públicas para fomentar essa modalidade de transporte, a elevada concentração das vias navegáveis em regiões de baixa atividade econômica e a necessidade de duas operações de transbordo nas hidrovias que não possuem acesso direto às regiões portuárias.

Além de proporcionar fretes bastante competitivos, a utilização do transporte hidroviário gera benefícios ambientais, já que a movimentação de cargas através das hidrovias apresenta baixíssimo consumo de combustíveis por quantidade de carga transportada e, consequentemente, mínima emissão de gases causadores do efeito estufa - quando comparado ao transporte rodoviário. Soma-se aos benefícios da modalidade hidroviária, a possibilidade de remoção de grande número de caminhões em circulação, diminuindo assim o tráfego intenso e o número de acidentes nas estradas brasileiras, externalidades derivadas da utilização desiquilibrada das rodovias e que vem ganhando maiores proporções nos últimos anos.

Dados divulgados pela Companhia Energética de São Paulo - CESP, 1996 apud Oliveira (1996) revelam que os custos do transporte hidroviário correspondem aproximadamente à metade dos custos associados ao transporte ferroviário e a um terço dos custos correlatos ao modal rodoviário. No entanto, Oliveira (1996) advoga que o baixo custo apresentado pelo transporte hidroviário deve ser analisado com ressalvas, haja vista que muitas vezes o local de produção não se situa às margens da via fluvial, demandando serviços de transporte rodoviário até o terminal de transbordo, o que pode tornar essa alternativa intermodal inviável nas rotas de curtas distâncias.

Cabe frisar também que as vias navegáveis brasileiras apresentam algumas características geográficas que acabam por inibir o uso das hidrovias. Segundo Soares e Caixeta-Filho (1998) a maior parte das hidrovias no Brasil não desembocam no oceano, fazendo com que a carga sofra mais de uma operação de transbordo antes de atingir o destino final, encarecendo assim o custo de movimentação total. Além disso, as áreas de influência de grande parte dos rios brasileiros com potencial de navegação comercial abrangem regiões com pequena atividade econômica, assim sendo, apresentam menor demanda por serviços de transporte de cargas. Oliveira (1996) destaca que aproximadamente 66% das vias navegáveis com profundidade mínima de 2,5 m localiza- se na bacia do Rio Amazonas.

Outro fator importante que acaba reprimindo o uso do modal hidroviário no país é derivado da forte resistência das instituições de proteção ambiental em repulsão aos projetos de hidrovias e intervenções necessárias para adequação de vias navegáveis. Segundo Garrido (2006), proibiu-se a construção de portos e terminais em alguns trechos fluviais da bacia Tocantins-Araguaia e na bacia Paraná-Paraguai como conseqüência de ações judiciais deflagradas por ambientalistas. Estudo da Companhia Nacional do Abastecimento – CONAB (2006) realça que as obras na Hidrovia do Araguaia estão embargadas desde 1996 devido a protestos judiciais sugeridos por organizações não-governamentais contrárias às obras de intervenção no leito do rio. Apesar das dificuldades mencionadas a despeito do modal hidroviário no país, Oliveira (1996) advoga que o uso do modal hidroviário é ainda muito baixo em relação ao seu potencial para o transporte de cargas. A ampliação dos embarques nas hidrovias pode trazer benefícios econômicos, ambientais e competitividade para setores produtivos, particularmente para o agronegócio. Os resultados do estudo demostram que o uso da

Hidrovia Tietê-Paraná oferece alternativas de rotas intermodais para o escoamento de commodities agrícolas até Santos que podem acarretar diminuição dos custos de transporte em até 30% - em relação à alternativa rodoviária.

Pinheiro (2012) faz uma análise dos benefícios ambientais decorrentes da utilização do transporte hidroviário. Citando dados da OECD Observer (2008), a autora ressalta que esse modal revela as menores taxas de emissão de Dióxido de Carbono (CO2) dentre as modalidades de transporte, lançando em torno de 10 a 15 g de CO2 por TKU (Tonelada Quilômetro Útil). Números vantajosos se comparados com o modal ferroviário que emite de 19 a 41 g por TKU, com o modal rodoviário que emite de 51 a 91 g por TKU e com o modal aéreo que emite de 673 a 867 g por TKU.

Segundo Brito Filho (2009) apud Pinheiro (2012), os benefícios do transporte hidrovíario vão além dos baixos custos, diminuição de congestionamentos nas estradas e menor investimentos em infraestrutura. Da ótica ambiental, a utilização da hidrovia resulta em maior eficiência energética, redução do consumo de combustível, menor intensidade de ruídos e emissão de poluentes. Ademais, a autora enfatiza que o potencial de redução das emissões de gases de efeito estufa proporcionado pela diminuição da participação do modal rodoviário na matriz de transporte de cargas acarretaria benefícios que possibilitariam a inserção do setor no mercado de crédito de carbono e a obtenção de benefícios propostos pelo Protocolo de Quioto, assim como facilitaria a utilização dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo.

Com base em informações divulgadas por TOKARSKI (2007) e ANTAQ (2012) a seguir são descritas as características das principais hidrovias que movimentam cargas no país, ou têm potencial para tal finalidade:

- Hidrovia do Rio Madeira: em 2010 transportou 4,0 milhões de toneladas de cargas, predominantemente ao longo do trecho entre Porto Velho (RO), Itacoatiara (AM) e Santarém (AM). Os fluxos embarcados em Porto Velho (RO) no sentido jusante somaram 3,6 milhões de toneladas - 90% da movimentação total. As principais cargas deslocadas nesse sentido foram: soja (71%), milho (14%), semi-reboques baú (8%), contêineres (5%), açúcar (`1%) e outras cargas (1%). Em relação aos fluxos embarcados no sentido montante, estes somaram 400 mil toneladas, com destaque para fertilizantes (32%), combustíveis e óleos minerais (24%), semi-reboques baú (16%), produtos químicos

orgânicos (12%) e outras cargas (15%). Existem expectativas de ampliação da área de influência e potencial de captação de cargas pela hidrovia, caso sejam construídas as eclusas das Usinas Hidroelétricas de Santo Antônio e Jirau.

- Hidrovia Tietê-Paraná: ao todo, a hidrovia transportou 5,5 milhões de toneladas de carga em 2010. Entretanto, desse montante 2,5 milhões corresponde a fluxos estaduais de areia e cana-de-açúcar em rotas de curta-distância, menores que 20 km. Quanto aos fluxos interestaduais transportados pela hidrovia em rotas de longa distância estes somam aproximadamente três milhões de toneladas de carga, conforme dados apresentados no Quadro 2.5.

Linha Tipo de Carga Quantidade (t) %

SÃO SIMÃO (GO) - PEDERNEIRAS (SP)

Soja 735.466 25,0%

Milho 326.675 11,1%

Farelo de Soja 272.709 9,3%

Açúcar 1.321 0,0%

SÃO SIMÃO (GO) - ANHEMBI (SP)

Soja 286.559 9,8%

Açúcar 81.013 2,8%

Farelo de Soja 64.553 2,2%

Milho 37.518 1,3%

MUNDO NOVO (MS) - GUAÍRA (PR) Areia 454.740 15,5%

MUNDO NOVO (MS) - TERRA ROXA Areia 394.523 13,4%

SÃO SIMÃO (GO) - SANTA MARIA DA SERRA (SP)

Soja 122.696 4,2%

Milho 53.601 1,8%

Farelo de Soja 3.748 0,1%

Açúcar 3.033 0,1%

ROSANA (SP) - SÃO PEDRO (SP) Areia 98.667 3,4%

Total 2.936.822 100,0%

Quadro 2.5 - Transporte interestadual de cargas pela Hidrovia Tietê-Paraná (2010) Fonte: Agência Nacional de Transporte Aquaviários – ANTAQ (2012)

Cabe frisar que essa hidrovia não possui acesso direto ao porto de Santos, portanto, os fluxos de exportação devem ser transferidos para outra modalidade de transporte que provê acesso aos terminais santistas. Conforme exposto pelo Quadro 2.5, grande parte das barcaças é descarregada em Pederneiras (SP), onde a hidrovia faz conexão com os trilhos da ALL Malha Paulista - que liga essa localidade ao Porto de Santos. Ou ainda, a carga sai da hidrovia através dos terminais de Anhembi (SP) e Santa Maria da Serra (SP), seguindo na carroceria de caminhões até o porto.

ANTAQ (2012) sinaliza que a Transpetro – empresa subsidiária da Petrobras responsável pela logística e transporte de combustíveis – pretende construir vinte comboios hidroviários até 2015 para transportar etanol produzido na região Centro- Oeste, Paraná e Oeste Paulista em direção à base de Paulínia e o porto de Santos (SP). Ademais, ressalta-se que o Governo do Estado de São Paulo vem angariando recursos junto à União para realizar investimentos na ampliação dos vãos e proteção dos pilares das pontes rodoviárias e ferroviárias que cruzam a hidrovia, aprofundamento e ampliação dos canais de navegação (dragagem), reformas nas eclusas, construção e readaptação de terminais, com o objetivo de melhorar as condições operacionais e de navegabilidade da calha fluvial. Em paralelo, o governo pretende realizar estudos para extensão da hidrovia até Piracicaba (ANTAQ, 2012);

- Hidrovia do São Francisco: nos últimos anos vem apresentando uma movimentação pequena, por volta de 56 mil toneladas, transportando basicamente soja. A navegabilidade é viável em toda a sua extensão. Não há corredeiras e em poucos locais é necessário cuidado nas sondagens, pela baixa profundidade e ângulos fechados. Estão previstos investimentos do PAC para dragagem e derrocamento da hidrovia;

- Hidrovia do Parnaíba: não se encontra em operação, e tem como principal carga potencial a produção do sul do Piauí. Dentre as intervenções necessárias, destacam-se dragagens, derrocamentos, balizamento e sinalização, além da instalação dos equipamentos eletromecânicos e conclusão da eclusa da Usina Hidroelétrica de Boa Esperança;

- Hidrovia Tapajós Teles-Pires: não se encontra em operação, mas chama a atenção pelo fato de proporcionar uma alternativa competitiva para o escoamento da produção agrícola originada no Norte Mato-grossense. Intervenções necessárias: dragagens, derrocamentos, balizamento, construção de canais e eclusas (investimentos estimados da ordem de US$ 200 milhões). O Tapajós é atualmente navegável no trecho de 345 km, entre São Luís do Tapajós (PA) e Santarém (PA).

Figura 2.16 - Mapa hidroviário brasileiro Fonte: Ministério dos Transportes (2012)

Particularmente no caso do setor sucroalcooleiro, merece destaque a Hidrovia Tietê- Paraná. Essa hidrovia apresenta grande potencial para captação de cargas de açúcar e etanol, já que seu traçado atravessa uma região que abriga grande número de usinas em operação e sendo implantadas. Em razão dos baixos valores de frete, essa alternativa de transporte traria benefícios relevantes para o escoamento da produção do setor, principalmente, das cargas originadas nas usinas localizadas no sul goiano, no oeste paulista e na região nordeste do estado de Mato Grosso do Sul.

Os fluxos atuais de açúcar pela hidrovia são embarcados em São Simão (GO) e seguem até Pederneiras (SP) ou Anhembi (SP) pelo rio. Após os terminais a carga de açúcar é

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transferida para caminhões que seguem em direção ao Porto de Santos. No caso do terminal de Pederneiras, o açúcar pode ser transferido para o modal ferroviário antes de chegar a Santos. O Quadro 2.5 indica que em 2010 o embarque de açúcar nessa hidrovia atingiu aproximadamente 85 mil toneladas.

Ainda a despeito dessa alternativa, cabe mencionar sobre os planos da Transpetro em utilizar a Hidrovia Tietê-Paraná para fins de movimentação de etanol. A empresa estuda a construção de um duto, ligando um dos terminais finais da hidrovia até Paulínia. Tal projeto consolidaria um corredor intermodal bastante competitivo para transportar etanol das usinas próximas à hidrovia até o principal sistema de distribuição de combustíveis do país, a base de Paulínia, ou até os terminais de exportação localizados em Santos.

Quanto ao transporte hidroviário de etanol, merece destaque também a Hidrovia do Rio Madeira, que atualmente faz o transporte de combustíveis a partir da base de Manaus para abastecimento de regiões interioranas na Amazônia e Rondônia.