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CAPITULO I Revisão Bibliográfica

6. Tratamento

5.2 Procedimentos de reconstrução de tecidos ósseos

5.2.2 Transposição da tuberosidade tibial

Quando a tuberosidade tibial se encontra desviada, a sua recolocação numa posição mais cranial tem um papel fulcral no alinhamento do mecanismo extensor, e na estabilidade da patela (Piermattei et al., 2006; Vasseur, 2003)

O animal deve ser colocado em decúbito dorsal para melhor avaliar o grau de desvio, com o cirurgião posicionado no fundo da mesa, de frente para os membros posteriores. A incisão na pele e tecidos subcutâneos é efetuada do lado medial, quer a luxação seja lateral ou medial, mas no caso das últimas, prossegue-se com uma artrotomia lateral, recorrendo, ou não, à capsulectomia. É realizada uma incisão medial no periósteo ao longo da tuberosidade e crista da tíbia, e prolonga-se o corte na cápsula articular ao longo da face medial do ligamento patelar, para identificar o ponto exato de inserção distal do tendão patelar. Para efetuar a osteotomia da tuberosidade, deve-se optar por um osteótomo com a mesma largura para que o corte seja único e limpo. Este corte pode também ser efetuado utilizando uma serra oscilante (Segal et al., 2012; Schulz, 2013). O corte é iniciado 3 a 4mm para proximal em relação à inserção do tendão patelar,

Figura 18. Rotation Dome Trochleoplasty. Imagem esquemática. Adaptado de Gillick e Linn, 2007.

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criando um rebordo que será mais tarde encaixado num entalhe realizado na tíbia, no local de recolocação (Figura 19). O osteótomo não deve ser torcido, mas sim mantido paralelo ao tendão patelar, por forma a evitar uma osteotomia assimétrica. O músculo tibial cranial não se separa da face lateral da tuberosidade pois mantém o suprimento sanguíneo à porção óssea que se obtém com a osteotomia. O periósteo e a fáscia distal da tuberosidade osteotomizada são incididos para permitir a deslocação lateral e distal do mesmo (Piermattei et al., 2006).

Depois da tuberosidade se encontrar seccionada medial e lateralmente, pressiona-se lateralmente enquanto se disseca o músculo tibial cranial da superfície lateral da tíbia. No entanto os tecidos moles não devem ser removidos da tuberosidade osteotomizada. Com auxílio de uma pinça hemostática, colocada em alavanca entre a tuberosidade e a tíbia caudal, expõe-se o local onde se vai repor a tuberosidade, onde se realiza um entalhe triangular, 5 a 8mm distal à terminação proximal da osteotomia. Se a tuberosidade se encontrar pronunciadamente desviada, este entalhe é efetuado numa posição mais caudal e lateral do que na situação descrita anteriormente (Piermattei et al., 2006).

Quando se recoloca a tuberosidade a articulação do joelho deve-se encontrar em hiperextensão, para relaxar o mecanismo extensor, facilitando o encaixe no entalhe realizado na tíbia, esta é mantida sob pressão enquanto se perfura a tuberosidade com agulhas de Kirschner. Estas devem ser colocadas na porção mais grossa da tuberosidade, e orientadas proximal e caudomedialmente, de forma atingir o córtex medial oposto, para evitar posterior migração, não devendo penetrar superfícies articulares (Piermattei et al., 2006). Estas agulhas não devem sair

Figura 19. Transposição tuberosidade tibial, com a realização de um entalhe segundo Piermattei. Adaptado de Piermattei et al., 2006.

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pelo córtex caudal, pois isso provocaria claudicação persistente (Schulz, 2013). Depois de confirmado o correto alinhamento estas são cortadas a uma distância de 2 a 3 mm da tuberosidade. Assim a tuberosidade encontra-se numa posição mais distal (aumentando a tensão do tendão patelar), e mais lateral. Em cães gandes pode ser necessário o uso de duas agulhas. Alguns cirurgiões dobram as agulhas antes de as cortar, mas isso deve ser evitado em tuberosidades de pequeno tamanho, pois podem fraturar (Piermattei et al., 2006; Schulz, 2013). O encerramento começa pela sutura da fáscia externa do músculo tibial cranial ao periósteo, na face medial da tíbia. A cápsula articular é suturada, e verifica-se a estabilidade da patela. Se a instabilidade se mantiver, poderá ser necessário aprofundar mais o sulco, ou rodar ainda mais a tuberosidade (Piermattei et al., 2006).

Em cães com deformidades severas, poderá ser necessário dissecar os tecidos que se inserem lateral e medialmente à tíbia para possibilitar o desvio da tuberosidade (Piermattei et al., 2006).

Uma outra variante desta técnica consiste em incidir o periósteo medialmente, e dissecar o músculo tibial cranial da superfície lateral da tuberosidade tibial. O tendão do músculo extensor digital longo é exposto, libertando ambos os lados da tuberosidade. A osteotomia é realizada da mesma forma, no entanto não se completa o corte, deixando a tuberosidade fixa apenas distalmente, pelo periósteo. O grau de lateralização é subjetivo, mas é baseado na observação do alinhamento da tuberosidade com o sulco troclear. Prepara-se igualmente o local de receção, raspando o osso cortical com uma lima ou osteótomo. A tuberosidade é então rodada lateralmente e fixa na nova posição com um ou duas agulhas de Kirschner, tomando as mesmas precauções descritas anteriormente (Linney et al., 2011; Schulz, 2013).

Para aumentar a estabilidade e segurança da transposição pode ser necessário adicionar uma banda de tensão em “8”, principalmente em cães de grande porte. Para tal, efetua-se uma perfuração transversal na tibia, distalmente à osteotomia da transposição, por onde se faz passar um arame ortopédico de cerclage, que se entrecruza em “8”, e envolve a agulha de Kirschner (Gibbons et al., 2006; Linney et al., 2011; Schulz, 2013). Nos cães de grande porte pode-se ainda, se necessário, substituir as agulhas de Kirschner por um parafuso compressivo (Gibbons et

al., 2006; Schulz, 2013).

Em casos relacionados com a ocorrência de “patela alta” é aconselhável a sua correção cirúrgica, transpondo laterodistalmente a tuberosidade tibial. Para tal a osteotomia deve ser

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completa, separando também o periósteo distal. A tuberosidade é então retraída distalmente até o tendão patelar se encontrar tenso, com o joelho em máxima extensão, e a patela se encontrar entre os lábios da tróclea proximal. Posteriormente a tuberosidade tibial será fixada conforme descrito em cima (Piermattei et al., 2006; Segal et al., 2012).

O tratamento cirúrgico em simultâneo de luxação da patela e rutura do ligamento cruzado foi abordado num estudo recente, em que se considerou para esse tratamento uma técnica que combina o avanço da tuberosidade da tíbia (TTA) para resolução da rutura do ligamento cruzado, com a transposição lateral da tuberosidade da tibial, concluindo a viabilidade do mesmo (Yeadon

et al., 2011).

Para a realização deste procedimento a placa utilizada na técnica TTA é ligeiramente dobrada, para acompanhar a lateralização da tuberosidade tibial (Boudrieau, 2010; Yeadon et al., 2011). Para evitar que a caixa espaçadora permaneça enviesada, a orelha cranial da caixa deve ser elevada da tuberosidade, utilizando anilhas para tal (Boudrieau, 2010). Alternativamente, ou adicionalmente, é possível para o mesmo efeito a realização de um entalhe na tíbia proximal, embutindo a orelha caudal da caixa no tecido ósseo (Figura 20) (Boudrieau, 2010; Yeadon et al., 2010).

Segundo Boudrieau, não são necessários meios auxiliares de fixação, no entanto Yeadon Figura 20. Avanço e transposição da tuberosidade tibial. Seta branca – Entalhe na tibia proximal; Seta preta – local de dobragem da placa. Adaptado de Yeadon et al., 2011.

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utilizou, adicionalmente à fixação incluída na técnica de TTA, uma agulha de Kirschner para manter a posição lateralizada da tuberosidade tibial (Boudrieau, 2010; Yeadon et al., 2010).

A possibilidade de tratamento cirúrgico em simultâneo foi também reportada num outro estudo, em que se alterou a técnica de osteotomia nivelante do plateau tibial (TPLO), aplicada no tratamento de rutura do ligamento cruzado. Após o nivelamento do plateau tibial, mas antes da sua fixação e com a patela na sua posição anatómica, são efetuadas três alterações que visam o alinhamento do mecanismo extensor (Langenbach e Marcellin-Little, 2010).

A primeira alteração consiste em rodar externamente a tíbia até se verificar a ausência de torção do tendão patelar. A segunda alteração passa por transpor lateralmente a tuberosidade tibial em relação ao fragmento osteotmizado, que inclui o plateau tibial. Por fim, para corrigir o arqueamento tibial, realiza-se uma rotação abaxial da extremidade distal da tibia (Figura 21, A). Este procedimento resulta numa separação de 1 a 3 mm entre a face mediodistal da porção óssea osteotomizada e a tibia próximal (Langenbach e Marcellin-Little, 2010). A nova posição do plateau tibial é mantida com recurso a uma agulha de Kirschner enquanto se verifica a estabilidade da patela (Figura 21, B). Posteriormente, utiliza-se a placa de reconstrução óssea em “T”, utilizada na TPLO, mas adaptada à posição dos fragmentos, para fixar a osteotomia. A agulha de Kirschner é retirada (Langenbach e Marcellin-Little, 2010).

Figura 21. Técnica de nivelamento do plateau da tíbia modificado. Adaptado de Langenbach e Marcellin-Little, 2010.

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Langenbach e Marcellin-Little executaram esta técnica em 13 joelhos, de 12 cães, e o grau médio de claudicação diminuiu de 3,5 (em 5) para 0,7 (em 5) após 10 semanas da cirurgia. Exceptuando um caso de reluxação patelar devido a traumatismo, numa situação de queda, não se verificaram complicações pós-cirúrgicas (Langenbach e Marcellin-Little, 2010). Os autores ressalvam que nenhum dos cães intervencionados apresentava luxação de grau IV, pelo que pode ser necessária a realização de osteotomias femorais, como auxílio para correção de deformidades anatómicas mais acentuadas (Langenbach e Marcellin-Little, 2010).

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