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2.7 Tratamento

2.7.2 Tratamento da doença avançada

Por mais de 20 anos, MOPP (mecloretamina, vincristina, procarbazina e prednisona) foi o tratamento básico para pacientes com LH em estádio avançado (De Vita, Hubbard, 1993). A taxa de RC é de 80% em pacientes que receberam seis a oito ciclos de MOPP ou esquemas similares. No intuito de desenvolver um protocolo para casos em que o MOPP havia falhado, Bonadonna et al. (1975) introduziram o ABVD. O ABVD substituiu o MOPP como o tratamento padrão para doença avançada. Uma das principais vantagens do ABVD em relação ao MOPP é a baixa incidência de efeitos colaterais de longo prazo. O MOPP induz infertilidade em praticamente 100% dos pacientes masculinos (Sherins, De Vita, 1973) e femininos com mais de 30 anos de idade (Schilsky et al., 1981). Pacientes tratados com MOPP têm 3% de possibilidade de desenvolvimento de leucemia no seguimento de longo prazo (Blayney et al., 1987). Comparativamente, ABVD tem a vantagem de apresentar menor toxicidade crônica, particularmente esterilidade, leucemia ou síndrome mielodisplásica (SMD). No entanto, há toxicidade cardíaca e pulmonar com seis ou oito ciclos de ABVD, principalmente se forem associados à RXT (Diehl et al., 2004). Estudo realizado em pacientes com LH em estádio avançado comparou MOPP, ABVD e MOPP/ABVD alternados sem a adição de RXT, mostrando resultados terapêuticos semelhantes para ABVD e MOPP/ABVD em relação à sobrevida livre de progressão (SLP) e SG. Análise posterior desse estudo, com seguimento de mais de 15 anos, mostrou 45-50% de SLP e 65% de SG para ABVD e MOPP/ABVD (Canellos, Niedzwiecki, 2002).

O desenvolvimento de esquemas híbridos foi baseado na hipótese de Goldie e Coldman postulando que ciclos rápidos e alternados de QT resultariam em menor resistência cruzada. Grupos de Vancouver e Milão independentemente desenvolveram dois híbridos do MOPP e ABVD. Ficou demonstrado que o MOPP/ABV híbrido é tão eficaz quanto MOPP/ABVD alternados, mas com melhores resultados que a forma sequencial do MOPP e ABVD (Glick et al., 1998). O CALGB (Grupo B para estudo de Câncer e Leucemia) coordenou um intergrupo norte-americano no qual 856 pacientes com estádio III e IV ou doença recidivada após RXT foram randomizados para receber 8-10 ciclos de ABVD ou MOPP/ABV. O estudo foi proposto inicialmente para 900 pacientes, mas foi fechado em 1995 com 856 pacientes por alta frequência de morte relacionada ao tratamento e segunda neoplasia no braço híbrido. Os índices de remissão completa (RC), SLF e SG em cinco anos foram semelhantes para o ABVD e MOPP/ABV. Toxicidade pulmonar e hematológica clinicamente significativa foi mais comum no MOPP/ABV. Não houve diferença na toxicidade cardíaca. Houve 24 mortes relacionadas ao tratamento: 9 com ABVD e 15 com MOPP/ABV. Houve 46 segundas neoplasias, sendo 18 associadas ao ABVD e 28 associadas ao MOPP/ABV. Treze pacientes desenvolveram SMD ou leucemia aguda: onze foram inicialmente tratados com MOPP/ABV e dois com ABVD. Com base nesses resultados, esse grupo sugeriu ser o ABVD o protocolo recomendado de QT em LH avançado (Duggan et al., 2003). Com o intuito de verificar a eficácia desses protocolos em pacientes brasileiros, realizou-se estudo retrospectivo em 186 pacientes portadores de LH tratados com os protocolos MOPP/ABV e ABVD entre julho de 1993 e julho de 2006 em duas instituições da cidade de São Paulo (Hospital Brigadeiro e Hospital São Paulo-UNIFESP), hospitais públicos da maior cidade da América do Sul. Avaliamos a resposta ao tratamento, SG e sobrevida livre de doença (SLD). Analisamos 115 pacientes tratados com ABVD e 71 tratados com MOPP/ABV. O período de observação teve mediana de 50 meses para o grupo do ABVD e mediana de 112 meses para o do MOPP/ABV. Não encontramos diferenças entre os protocolos ABVD e MOPP/ABV em relação aos índices de RC (89,5% versus 85,9%, p = 0,3), SG (93,8% versus 89,6%, p = 0,68) e SLD (85,6% versus 81,6%, p = 0,41). Observamos três casos de segunda neoplasia, todos relacionados ao protocolo MOPP/ABV. Concluímos, então, que o

ABVD pode ser considerado o tratamento de escolha para pacientes com LH em nossa população (Souza et al., 2009).

2.7.2.1 Fatores prognósticos na doença avançada

A Base de Dados Internacional em Doença de Hodgkin forneceu resultados de mais de 5.000 pacientes para análise de fatores prognósticos. Esse estudo foi coordenado por Hasenclever e Diehl (1998). Sete fatores prognósticos foram identificados. Cada fator contribui para um decréscimo de 7% na SLP em cinco anos, de acordo com a análise de 1.618 pacientes. Somente o grupo com quatro a sete fatores, que representou menos de 20% dos pacientes, teve SLP menor que 50% em cinco anos. Embora seja imperfeito, o sistema internacional de score facilitou a comparação de grupos nos estudos e pode ser usado como avaliação dos dados, como mostra o Quadro 3. Os sete fatores de risco são: albumina sérica menor que 4 g/dl, hemoglobina menor que 10,5 g/dl, sexo masculino, estádio IV, idade acima de 45 anos, contagem de leucócitos maior ou igual a 15.000/mm3, contagem de linfócitos menor ou igual a 600/mm3 e/ou contagem linfocitária inferior a 8% (Hasenclever, Diehl, 1998).

Quadro 3. Sobrevida livre de progressão e sobrevida global em 5 anos, de acordo

com o número de fatores prognósticos para doença avançada

SCORE % SLP EM 5 ANOS % SOBREVIDA TOTAL EM 5

ANOS 0 1 2 3 4 ≥ 5 84 77 67 60 51 42 90 90 81 78 61 56 Hasenclever, Diehl, 1998.

2.7.2.2 Novos protocolos de tratamento

O ABVD tornou-se o protocolo padrão para tratamento do LH avançado, no entanto a toxicidade pulmonar da bleomicina, que é especialmente pronunciada em crianças ou quando combinada com a RXT mediastinal, tornou-se a maior preocupação nesse esquema. O inibidor de topoisomerase, etoposídeo, ganhou o interesse de vários grupos como droga ativa no tratamento do LH (Hough, Hancock, 2007).

O protocolo com cinco drogas, Stanford V, contém as drogas do MOPP/ABVD, sem a procarbazina e a dacarbazina, com adição do etoposídeo e fator de crescimento GCSF. As drogas são aplicadas semanalmente em um total de 12 semanas com consolidação com RXT nos sítios de doença volumosa inicial. Resultados de cinco anos em estudo de fase II, com 142 pacientes, mostraram SLP de 89% e SG de 96% (Horning et al., 2002).

O GHSG conduziu uma série de estudos, no sentido de determinar o papel da intensidade de dose de QT no LH avançado. O esquema BEACOPP foi realizado com base no COPP/ABVD, sem vimblastina e dacarbazina, mas com adição de etoposídeo. De 1993-1998 o GHSG estudou 1.201 pacientes com LH II B com prognóstico desfavorável ou estádio III ou IV, randomizados para receber oito ciclos de COPP/ABVD; BEACOPP em dose habitual ou BEACOPP em dose escalonada, cada qual seguido de RXT de consolidação em massas residuais. O grupo do COPP/ABVD foi encerrado em 1996 por apresentar resultados inferiores. A SLFT foi de 69% para COPP/ABVD, 76% para BEACOPP em dose habitual e 87% para o BEACOPP com dose escalonada. A SG em cinco anos foi de 83, 88 e 91%, respectivamente. A diferença na sobrevida entre COPP/ABVD e BEACOPP dose escalonada foi estatisticamente significante (p  0,002). A maior diferença foi a observação de menor índice de doença progressiva primária durante o tratamento inicial, que foi significativamente menor no BEACOPP com dose escalonada (2%), BEACOPP dose habitual (8%) ou COPP/ABVD (12%), p  0,001. Aproximadamente 80% dos homens tratados com BEACOPP com dose escalonada terão infertilidade, o que não ocorre com os pacientes tratados com

ABVD. O BEACOPP também apresentou maior toxicidade hematológica com maior ocorrência de leucemia e síndrome mielodisplásica (Diehl et al., 2003).

2.7.2.3 Papel da radioterapia na doença avançada

Questão importante no tratamento do LH em estádios avançados é o benefício da adição da RXT em relação a eficácia e efeitos colaterais tardios, quando são usados esquemas quimioterápicos contendo antraciclinas. Em publicação relevante, o EORTC mostrou que pacientes com resposta completa depois de seis ou oito ciclos de MOPP/ABV foram randomizados para receber RXT de CEn ou nenhum tratamento posterior. A análise de 739 pacientes mostrou que RXT CEn não melhorou a sobrevida livre de recaída ou a SG nos pacientes que entraram em remissão com MOPP/ABV. No entanto, aqueles que obtiveram resposta parcial com a QT e foram tratados com RXT posteriores tiveram SG em cinco anos de 85-90%, resultado comparável ao daqueles pacientes que obtiveram remissão completa com tratamento quimioterápico exclusivo (Aleman et al., 2003). Por meio desse estudo, conclui-se que somente pacientes em remissão parcial após QT poderão ser beneficiados pela RXT de CEn complementar, enquanto os pacientes que entraram em remissão com QT não terão esse beneficio.

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