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Travessia do primeiro limiar

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Análise da estrutura da Jornada do Herói e mitodológica das obras consideradas representativas

ANÁLISE DAS OBRAS CONSIDERADAS REPRESENTATIVAS 1 A montanha dos sete abutres

5) Travessia do primeiro limiar

É o momento em que descobrem que a invasão ao prédio do partido Democrata era uma história maior do que pensavam e pode conduzir ao impeachment do então presidente dos Estados Unidos: Richard Nixon.

de espionagem da história. Sob a direção de Alan J.Pakula, o filme adotou um estilo noir e retratou os repórteres de forma séria, figuras pequenas e anônimas e o jornal e o editor como destemidos, sem medo da corrupção.

Todos os homens do presidente foi a terceira obra da chamada trilogia da paranoia de Alan Pakula, depois de Klute, o passado condena (1971) e A trama (1974)” (EHRLICH, 2004, p. 127-128).

151 Segundo ato:

6) Testes, aliados e inimigos

Aos poucos, eles conseguem que novas pessoas ajudem a depor e compor o quebra-cabeças do quadro: uma mulher envolvida na campanha de reeleição de Richard Nixon e Hugh Sloan, tesoureiro do Comitê de Reeleição Republicano. Quando começam a publicar as primeiras reportagens que envolvem pessoas do alto escalão do governo de Richard Nixon, eles receberão ameaças de que o jornal será processado.

7) Aproximação da caverna oculta

É interessante notar que os encontros com a fonte “Garganta Profunda” sempre ocorrem em um estacionamento abandonado, metáfora da caverna oculta.

8) Provação suprema

A provação suprema ocorre quando os repórteres são solicitados pelo editor a ter provas mais consistentes antes de publicar as reportagens. Isso faz com que eles apurem exaustivamente para conseguir mais provas, pois muitas pessoas poderosas estão envolvidas na investigação.

9) Recompensa

A recompensa ocorre quando os repórteres conseguem publicar uma série de reportagens de que o presidente Richard Nixon estaria envolvido no caso Watergate, de invasão da sede do Partido Democrata, de seu concorrente na reeleição.

Terceiro Ato:

10) Caminho de volta

Richard Nixon é reeleito, mas o filme mostra que os repórteres continuam com o trabalho de investigação jornalística.

11) Ressurreição

Finalmente, dois anos após sua reeleição, fica provado que Richard Nixon estava envolvido na invasão da sede do Partido Democrata, seu concorrente na reeleição, além de estar relacionado a outros escândalos como rede de

espionagem ilegal e máquina de subornos em série que tomariam conta de todas as instâncias de poder no país.

152 12) Retorno com o elixir

Trata-se do momento em que os jornalistas são reconhecidos por seu esforço. No filme não há uma cena específica referente a isso. Apenas no final,

aparecem as manchetes sendo datilografadas em uma máquina de escrever ao longo dos anos e que Richard Nixon é deposto, dois anos após sua reeleição, em 8 de agosto de 1974.

Fonte: Top 10 Films. Análise mitodológica

Mitocrítica

O filme criou diversos mitemas sobre a figura do jornalista, como a da pessoa incansável, que vira as notas em uma biblioteca. Ou seja, do jornalista herói, inteiramente comprometido com o interesse público de saber a verdade da notícia.

Há o mito do jornalista veterano, na figura de Carl Bernstein, que escreve bem, é ousado, mas às vezes peca por falta de informações mais precisas. Já Bob Woodward, interpretado por Robert Redford, é o repórter novato, detalhista, que checa cada fato com a precisão de um aluno dedicado e por isso mesmo consegue que a reportagem tenha mais consistência.

Na relação entre Woodward e “Garganta Profunda” verifica-se o estereótipo entre o repórter aplicado e a fonte temperamental. Ele colabora na investigação, mas tem suas manias, como exigir que Woodward pegue pelo menos dois táxis, um em cada direção para que não seja seguido e pede que o repórter deixe uma bandeira vermelha pequena na varanda do apartamento quando quer um encontro. Há ainda o mito do jornalista que precisa tomar muito café para suportar longas horas na redação: isso ocorre com Carl Bernstein quando está

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buscando obter informações de uma das pessoas responsáveis do comitê de reeleição, procurando pistas e fatos para a sua investigação.

Alguns cacoetes folclóricos foram imortalizados na trama. Jason Robards ganhou justamente o Oscar de Melhor Coadjuvante: ninguém descansava as pernas da escrivaninha com tanta majestade como ele. Outro cacoete que ficou famoso foi a forma como Robert Redford, que interpretava Bob Woodward, de segurar o gancho do telefone velho, liberando a mão com a qual se dedicava a rabiscar nomes, números, desenhos e declarações das fontes em folha de papel, encantando os focas (jornalistas iniciantes e seus chefes).

Por fim, é identificável a mitificação da redação, espaço que combina sabedoria e piadas de mau gosto, palavrões e ultrajes. Isso se verifica no nome que a fonte recebeu do secretário de redação, Howard Simons: Deep Throat (“Garganta Profunda”, nome de um filme pornô). Sua identidade foi mantida em sigilo e só revelada em sua morte: o homem era William Mark Felt, que na época do escândalo era ninguém menos que o segundo homem do FBI. Ele faleceu em 2009, aos 95 anos, ganhando obituários elogiosos em jornais de todo mundo.

Mitanálise

Como Eugênio Bucci explica na introdução da obra Todos os homens do presidente, a cobertura do The Washington Post verdadeiramente redefiniu o lugar da persona no jornalista no pós-guerra e foi ganhadora de um Prêmio Pulitzer:

A imagem pública do profissional de imprensa saiu do escândalo de Watergate inteiramente redefinida, como se um novo marco fundador viesse reordenar o universo do jornalismo, ampliando a esfera de ação de seus protagonistas. Desde então, um chefe do Executivo que mira os olhos de um mero repórter sabe que está diante de alguém que poderá sentenciá-lo à morte política. A cobertura de Watergate pelo The Washington Post mudou o status do repórter e revigorou a força civil dos jornais. As narrativas que ficaram dessa saga heroica (a começar por este livro) fazem dele um episódio que tem o peso, podemos dizer, de um “mito refundador”. Tanto é um mito que, mais do que lições insubstituíveis, deixou cacoetes, alguns meios folclóricos, que até hoje são imitados por editores dos países mais variados (BUCCI apud BERNSTEIN & WOODWARD, 2014, p. 11).

Além disso, o filme definiu os princípios e parâmetros do que seria um bom jornalismo investigativo, campo singular definido por condutas e rotinas específicas. Lançou assim as bases para um chamado “método de apuração”, reunindo procedimentos que tem protocolos e propósitos próprios:

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1) Checar todas as informações aos menos com duas fontes de universos diferentes, que representem interesses distintos;

2) Consultar documentos e provas materiais de forma obstinada;

3) Conduzir de forma autônoma as investigações que trazem provas para as reportagens;

4) Compreender que a reportagem busca apontar práticas ilegítimas do poder e não a intimidade e privacidade das pessoas comuns;

5) A necessidade de sempre ser ético, sem se valer de condutas que o Estado Democrático considere ilícitas;

6) Sempre montar e organizar um banco de dados para ter as informações a mão quando necessário;

7) Reescrever, reescrever sempre, enquanto for necessário.

O filme mudou a forma como muitas pessoas viam a profissão em todo mundo e o caso “Watergate”, tornou-se uma lenda, sendo até hoje citado nas escolas de Jornalismo.

Carl Bernstein e Bob Woodward no jornal

The Washington Post.

Fonte: Curator Magazine.

De acordo com McNair, Todos os homens do presidente obteve mais de US$ 70 milhões de dólares em sua estreia nos EUA. Um número muito maior de pessoas viu o filme do que leu o livro escrito por Bernstein e Woodward. Nos Estados Unidos hoje há mais de 50 mil estudantes de graduação em Jornalismo e 3.800 fazendo mestrado nessa área, números

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considerados bastante expressivos. McNair diz que Todos os homens do presidente foi uma das obras que mais afetou o público em relação a imagem do jornalista e sua prática nos Estados Unidos e contribui para o aumento no número de alunos nas escolas de jornalismo. Mas o que o autor diz que uma das maiores contribuições do filme foi que:

Its production and its commercial and artistic success both reflected and reinforced US public anxiety about, on the one hand, the state of the presidency, and on the other, the state of the media. If in the Nixon era all the US journalists had been like Woodward and Bernstein in their dedication and tenacity perhaps the film would not have been necessary, nor would the Watergate scandal have been allowed to happen. The Watergate investigation can justifiably be seen as a triumph of American liberal journalism. The film of that investigation fed back into a debate which concerned not just the corruption of politics, but the potentially corrupt relationship of journalism to power. Its effectiveness as a work of cinematic art enable it to provide a model for future journalistic practice, although we cannot know how influential the model was or has been17 (McNAIR, 2010, p.19-20).

17 Tradução da pesquisadora: “Seu sucesso comercial e artístico ambos refletem e reforçam a ansiedade do

público norte-americano e por outro lado, o estado da presidência e por outro lado, o estado da mídia. Se na era Nixon todos os jornalistas queriam ser como Woodward e Bernstein em sua dedicação e tenacidade, talvez o filme não fosse necessário, nem o escândalo de Watergate teria ocorrido. A investigação Watergate pode ser vista de forma justificada como o triunfo do jornalismo liberal norte-americano. O filme sobre essa investigação não apresenta um debate que preocupa somente com a corrupção presente na política, mas com o relacionamento potencialmente corrupto entre jornalismo e poder. A sua efetividade como um trabalho da arte cinematográfica está em providenciar um modelo para a futura pratica jornalística, apesar de não sabermos o quão influente esse modelo foi e continuará sendo” (McNAIR, 2010, p.19-20).

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3. Intrigas de Estado

Homenagem aos Journalism movies e um tributo a Todos os homens do presidente. De acordo com o próprio diretor, Kevin Macdonald, “trata-se de um dos maiores filmes sobre jornalismo americanos já criados.”18

Baseado no seriado homônimo da BBC, o filme mostra o misterioso assassinato da assistente do congressista norte-americano Stephen Collins (Ben Affleck), Sonia Baker. Abalado com a morte da assistente, Stephen chora em um discurso público, levantando suspeitas pela imprensa de que ele teria um relacionamento amoroso com a jovem.

O repórter veterano Cal McAffrey, do jornal The Washington Globe, é designado por sua editora Cameron Lynne (Helen Mirren) para investigar a história. Ele contará com a ajuda da novata Della Frye, responsável pelo blog do jornal e por escrever notícias sobre celebridades. Durante a investigação eles descobrirão que o crime envolve muitos outros aspectos, como a conspiração de uma grande empresa que deseja privatizar a segurança dos Estados Unidos.

Análise segundo a estrutura da Jornada do Herói

Seguindo a estrutura proposta por Christopher Vogler, o filme pode ser analisado assim:

Primeiro ato: 1) Mundo comum

O filme inicia mostrando os jornalistas Cal McAffrey e Della Frye trabalhando na redação do jornal The Washington Globe. Ele no jornal impresso e ela escrevendo para o blog da publicação.

2) Chamado à aventura

Trata-se do momento em que Cal e Della são convocados pela editora-chefe Cameron Lynne para cobrir a história de um assassinato que ocorreu na cidade e da morte da assistente do congressista Stephen Collins, que pretende se candidatar

18 MIRANDA, Debora. “Intrigas de Estado presta homenagem ao velho jornalismo.”

In: G1 - Endereço eletrônico: http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL1190502-7086,00-

INTRIGAS+DE+ESTADO+PRESTA+HOMENAGEM+AO+VELHO+JORNALISMO.html.

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à presidência dos Estados Unidos. Eles começam a investigar e descobrem que as histórias estão interligadas.

3) Recusa do chamado

Cal fica na dúvida se aceita escrever a reportagem, pois envolve um amigo de faculdade, Stephen Collins. É uma situação que envolve conflitos de interesse, mas o lado jornalístico acaba falando mais alto.

4) Encontro com o mentor

Pode-se considerar que Cal é uma espécie de mentor de Della e que a ajuda a aprender como fazer uma investigação jornalística. Outro mentor e personagem importante a desvendar detalhes da história é o relações públicas Dominic Foy (Jason Bateman).

5) Travessia do primeiro limiar

É o momento em que o homem que estava no hospital e quando acorda do coma é baleado. Naquele momento, Cal e Della percebem que estão investigando pessoas poderosas e com muitos interesses em jogo.

Segundo ato:

6) Testes, aliados e inimigos

Os dois protagonistas passam por vários testes ao longo da trama. Cal se sente dividido, pois descobre que o amigo está envolvido em uma trama que inclui uma grande corporação na área de segurança nos Estados Unidos e que não mede esforços para tirar do caminho aqueles que desejam atrapalhar seus planos. Della também tem de provar que não apenas é uma blogueira na área de celebridades e que pode escrever sobre temas mais sérios, sendo mais respeitada por sua chefe, Cameron Lynne (Helen Mirren).

7) Aproximação da caverna oculta

É o momento em que Cal entra no apartamento para tentar encontrar um dos suspeitos do assassinato de Sonia Baker. A cena no estacionamento, em que Cal é perseguido e fica com a mão ferida também é uma aproximação da caverna oculta, do grande vilão da trama.

158 8) Provação suprema

É o momento em que Cal ouve o depoimento de seu amigo Stephen no jornal e descobre que ele realmente está envolvido na morte de Sonia Baker. Mesmo dividido, ele opta em cumprir seu papel como jornalista e publicar a história. 9) Recompensa

Todos esperam na redação seu retorno e Cal quando chega escreve freneticamente a reportagem, incluindo o nome de Della Frye à frente do seu.

Terceiro Ato:

10) Caminho de volta

Está relacionada à recompensa, quando ele retorna à redação para cumprir seu dever.

11) Ressurreição

A ressurreição representa a grande conquista tanto de Carl como Della, que conseguem uma grande história, sendo elogiados por todos na redação. De certa forma o filme mostra que o jornalismo impresso ainda é possível, fazendo uma homenagem ao mesmo.

12) Retorno com o elixir

O elixir é a própria reportagem que Cal traz e escreve junto com Della. Ao final, ela acaba ganhando um presente em reconhecimento à sua tenacidade e para que sempre tenha uma caneta disponível: um colar inteiro feito de canetas de Cal.

Análise mitodológica Mitocrítica

É possível identificar alguns mitos criados no filme. Um deles é a oposição entre jornalista veterano e jovem, sendo que o primeiro acaba sendo essencial na formação do segundo. Cal é cuidadoso na investigação, procura índices que comprovem o que será publicado, mas “demora demais, o que custa caro”, como diz a editora-chefe Cameron Lynne. Representa o Jornalismo Tradicional, que busca a averiguação dos fatos e a credibilidade acima de tudo. Já a novata Della é curiosa, rápida, mas devido à pressa em furar os concorrentes presentes na internet, muitas vezes comete erros, não checando todas as informações. Ela representa o Novo Jornalismo e apesar de cometer erros, é bem vista pela

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editora-chefe porque “ganha pouco e escreve dez reportagens por hora”, ao contrário de Crowe, que produz de forma mais lenta e cara.

Outro mito identificável é do jornalista obstinado, que busca a tudo custo identificar e buscar todas as peças que faltam para um quebra-cabeças, mesmo que isso prejudique a relação com um amigo de faculdade, o congressista Stephen Collins. Della também é testada na obra, quando Cal liga de madrugada para que ela vá até o hospital e fique de plantão até que uma vítima e fonte importante para a reportagem acorde do coma. A blogueira também prova ser uma jornalista determinada quando insiste em continuar na reportagem, mesmo quando a editora-chefe designa repórteres mais experientes, ao ver que se trata de um verdadeiro furo jornalístico, envolvendo uma grande companhia responsável pela segurança nos Estados Unidos. Também aqui está presente o mito do jornalista tão envolvido com sua carreira, que sua vida pessoal é uma bagunça. Bagunça que se reflete, por exemplo, na mesa de trabalho de Cal, cheia de papéis, livros e documentos.

Há também a glorificação do jornalismo investigativo, que demanda tempo e dinheiro e perde cada vez mais espaço com o avanço da internet. No final, essa homenagem ao Jornalismo, considerada uma verdadeira missão, é visível, ao mostrar todo processo de fabricação de um jornal: do envio da reportagem por e-mail do repórter ao editor, passando pela diagramação, produção de fotolito e chapa para impressão, a impressão propriamente dita, a separação em cadernos que são embalados e entregues nas bancas e casas.

160 Mitanálise

No caso da mitanálise, é interessante identificar como Intrigas de Estado faz uma homenagem a Todos os homens do presidente, celebrando um tipo de jornalismo comprometido com a verdade e que faz com que as pessoas se sacrifiquem suas vidas pessoas em nome dele.

Aqui já encontramos uma semelhança com Todos os homens do presidente, ao utilizar a representação do jornalista veterano (Carl/Cal, não é à toa que tem nomes semelhantes) e do novato (Bob/Della). Assim como o personagem de Dustin Hoffman, o de Russel Crowe sempre deixa sua barba por fazer e sua mesa de trabalho é um caos, com um monte de recortes antigos e papéis. Já Della tem características próximas a Bob, apesar de não ser tão experiente, é persistente e determinada e quer descobrir todos os detalhes da história.

Há outras referências, como um dos prédios da organização Pointcorp, alvo de investigação ser Watergate, o mesmo em que ocorreu a invasão e culminou com o impeachment do ex-presidente dos EUA, Richard Nixon, apresentado em Todos os homens do presidente.

Além disso, a cena no estacionamento em Intrigas de Estado, em que Crowe é perseguido por um dos investigados, lembra muito o local em que Bernstein e Woodward encontravam a fonte “Garganta Profunda”. Por fim, o nome do jornal em Intrigas de Estado é The Washington Globe, clara referência ao The Washington Post, local em que trabalhavam os dois jornalistas que foram responsáveis pelo maior furo jornalístico do século XX.

E como podemos compreender esses reflexos de Todos os homens do presidente presentes em Intrigas de Estado? Uma boa forma de compreender isso é retomando o texto “Midiatização e mediação: seus limites e potencialidades na fotografia e no cinema”, de Clarisse Castro Alvarenga e Katia Hallak Lombardi, presente no livro Mediação & midiatização, organizado por Jeder Janotti Jr., Maria Angela Mattos e Nilda Jacks.

As autoras citam Rancière, dizendo que “o artista não quer impor, nem instruir o espectador. Quer somente produzir uma forma de consciência, uma intensidade de sentimento, uma energia para a ação” (ALVARENGA & LOMBARDI apud JANOTTI Jr., MATTOS & JACKS, 2012, p. 285). Assim quando um cineasta como Kevin Macdonald busca inspiração em Todos os homens do presidente para fazer o filme Intrigas de Estado, ele busca traduzir a partir de traduções que os outros lhe apresentam, de colocar as suas experiências em palavras é um trabalho poético que está no cerne de toda a aprendizagem. Cada um tem o poder de traduzir à sua maneira o que percebe, de fazer ligações com seus

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conhecimentos singulares, o que os torna únicos e ao mesmo tempo semelhantes a todos os outros.

Como explica Jacques Rancière, citado pelas autoras, no cinema, como espectadores aprendemos, ensinamos sobre o mundo e relembramos de fatos vivenciados e fazemos projeções futuras. As imagens assim “contribuem, sim, para desenhar configurações novas do visível, do dizível e do pensável, e, por essa via, uma nova paisagem do possível” (idem, p.293).

Ocupando um papel cada vez mais privilegiado no cenário atual do entretenimento, considerando não só sua exibição em salas públicas, mas que um filme pode ser visto na internet, no YouTube ou até em um celular, o cinema contribui assim para problematizar os diversos sistemas de representação social e de categorias profissionais presentes no mundo. Como explica César Guimarães, citado pelas autoras: “ao produzir a mediação entre nós e o outro, o cinema, mais do que um produtor de representações sociais, é um analisador dos sistemas de representação que sustentem nossas crenças, valores e práticas compartilhadas” (idem, p.291).

Quando Kevin Macdonald traz reflexos da obra Todos os homens do presidente em Intrigas de Estado, ele deseja assim fazer um tributo aos Journalism movies e mostrar a importância do jornalismo impresso, em uma sociedade em que a internet se faz cada vez mais presente. E os espelhamentos em outro filme são uma forma do diretor fazer isso e mostram como foi influenciado por essa obra de arte.

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